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sábado 15 de abril de 2023 às 14:34h

Genoma humano, o mapa mais importante do mundo

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Ao ser publicado, 20 anos atrás, sequenciamento do genoma humano revolucionou a ciência, repercutindo da medicina à antropologia. Entendem-se melhor as diferenças individuais: mas o que é comum a todos os seres humanos?

Em 14 de abril de 2003, uma equipe científica internacional publicou o primeiro sequenciamento do genoma humano. O mapa, consistindo de 3 bilhões de unidades de DNA, constituía basicamente a “planta” de um ser humano. Embora montado com fragmentos genéticos de diversos indivíduos e ainda parcialmente incompleto, o Projeto Genoma Humano (PGH) era uma conquista monumental da tecnologia e da ciência.

O mapeamento genético trazia numerosas promessas, como desvendar histórias humanas ancestrais e descobrir o papel dos genes nas enfermidades. Como numa bola de cristal, seria possivel prever enfermidades futuras e desenvolver de antemão as terapias para tratá-las.

Algumas dessas promessas se cumpriram, outras eram fantasiosas. Mas havia sido dada a partida para uma revolução das ciências biológicas: as tecnologias genômicas transformaram a compreensão das doenças humanas, da história evolutiva e do que significa ser humano.

Genética como sistema de avaliação de riscos para saúde

A medicina genômica é uma mola-mestra dessa revolução científica. Tendo-se sequenciado o genoma de mais de 1 milhão de indivíduos desde 2003, é possível avaliar como as variações genéticas determinam o risco individual para certas doenças.

“A ideia de que se pode obter toda a sequência genômica de um bebê em alguns dias e entender por que ele está doente, é notável”, comenta David Curtis, professor de medicina genética da University College London.

Esse uso rotineiro da tecnologia genética na prática clínica seria o maior benefício decorrente do PGH. Ele dá um exemplo: “Nos últimos anos de grandes estudos de sequenciamento, encontramos o primeiro gene da esquizofrenia. Agora temos dez: se eles são danificados, o risco aumenta enormemente.”

Encontraram-se também genes mutantes relacionados ao câncer, doenças cardíacas, diabetes e muitas outras. O outro grande benefício é poder desenvolver novas terapias analisando as mutações genéticas em laboratório. Já se registraram sucessos, por exemplo, ao recondicionar anticorpos para combaterem o câncer; ou no uso de ferramentas CRISPR-Cas9 de edição genética para tratar a anemia falciforme.

Limites na medicina, avanços na história humana

Entretanto essa onda de inovação também mostrou os limites da medicina genética, pois os genes são apenas um fator na evolução de uma enfermidade, e poucas doenças hereditárias são causadas pela mutação de um único gene.

David Curtis cita o caso da esquizofrenia, em que apenas 1% dos portadores apresenta mutação em um dos dez genes identificados: ao todo há mais de 250 “fatores de risco” genéticos para a doença mental.

Tal volume, e o fato de não se saber como esses fatores contribuem para ela, representam um desafio real para a medicina: há quem tenha a mutação sem apresentar esquizofrenia, ou desenvolve outra doença completamente diferente. “Toda a relação entre mutação genética e doença ficou mais precária” desde o sequenciamento genômico, admite Curtis.

Não obstante, o projeto foi inegavelmente pioneiro na biologia evolutiva. “Podemos comparar a sequência do genoma humano à de nossos parentes próximos, e situar nossa espécie nesse contexto evolutivo mais amplo. Isso mostrou que a história humana é muito mais dinâmica do que se poderia ter previsto”, resume Anders Bergstrom, biólogo evolutivo da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.

O exame das sequências de humanos modernos e de subespécies extintas mostrou que os ancestrais humanos se cruzaram com outros hominídeos, como o Neandertal e o de Denisova. O conhecimento sobre as vidas das comunidades de Homo neanderthalensis, na Europa Central, fornece pistas sobre seu declínio populacional; e agora se sabe sobre o legado genético de povos há muito extintos – como a dos minoicos nos habitantes modernos de Creta.

Estudando DNA antigo e os pequenos vestígios dos ancestrais dentro dos indivíduos modernos, se compreende como a espécie humana se propagou pelo mundo, levou progressos culturais a terras distantes, como a agricultura, e, no caminho, desenvolveu resistência a numerosas doenças.

Do individualismo genético ao ser humano universal

Mas as maiores perguntas relativas à genética ainda estão por ser respondidas. Uma é: o que faz 99% do genoma, se apenas 1% codifica proteínas? Mas para Bergstrom, a maior questão que a ciência pode responder é o que constitui um ser humano, uma vez que “quase todo o progresso na genética, nos últimos 20 anos, se refere às diferenças entre os seres humanos, mas não nos diz o que é universal entre nós”.

O sequenciamento do genoma mudou a forma como os humanos se veem, mas sobretudo ao dar respaldo científico à ideia de individualismo. Corre a noção de que cada um possui um código genético próprio (nem mesmo gêmeos idênticos compartilham o mesmo). Portanto identificar das mínimas variações genéticas entre os indivíduos revelaria o que torna cada um, único.

Em grande parte dos casos, essa abordagem é produtiva. O sequenciamento mostrou, por exemplo, que “raça” é uma construção social sem base na genética, pois há mais variação dentro dos grupos raciais do que entre eles. No entanto, ficar sempre procurando diferenças faz perder de vista o que é ser coletivamente humanos, em vez de 8 bilhões de seres simiescos no mesmo planeta.

Sabe-se, por exemplo, que há 96% de similaridade genética com os chimpanzés, mas não se entende como os 4% de diferença torna alguns mais “humanos” do que seus primos catadores de piolhos. “É uma questão fundamental”, comenta Bergstrom. ʺO que nos torna humanos e únicos enquanto espécie?”

O progresso alcançado nas últimas duas décadas não tem sido sem ressalvas: embora, até o momento, se tenham sequenciado mais de 1 milhão de genomas, 92,5% dos dados são originários de indivíduos europeus.

Tal análise “não representou, em absoluto, a diversidade entre os humanos”, critica o biólogo Bergstrom. “Se a nossa ciência é tendenciosa em relação a um tipo particular de ancestralidade, não vamos poder oferecer a mesma qualidade de medicina personalizada a pessoas diferentes.”

Mas os tempos estão mudando: como deixa claro o seu nome, o Nigerian 100K Genome Project visa sequenciar 100 mil genomas na Nigéria, como subsídio para a pesquisa de doenças não transmissíveis. Iniciativas similares estão em curso em outras partes da África, na Ásia e na América do Sul. A esperança é que mais experiência e tecnologias de sequenciamento genômico mais baratas vão trazer benefícios a toda a humanidade.

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