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quarta-feira 30 de dezembro de 2020 às 11:38h

Gastos federais acima do necessário na pandemia ajudam novos prefeitos

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Diversos prefeitos terão uma folga de caixa no início da sua gestão porque o socorro financeiro da União superou o necessário para compensar perdas de receitas com a crise causada pela pandemia do coronavírus.

Levantamento feito pela Folha de S. Paulo com base em dados do Tesouro Nacional mostra que, de janeiro a agosto deste ano, 20 das 26 capitais receberam R$ 2,7 bilhões acima do valor de suas perdas de arrecadação com o ISS (Imposto Sobre Serviços), principal indicador da atividade econômica do município.

Nesse período, nenhuma capital registrou queda da Receita Corrente Líquida, que combina receitas próprias –como o ISS– e transferências da União.

Em média, essas receitas cresceram 37% de janeiro a agosto deste ano, chegando a R$ 58,4 bilhões ante R$ 36,5 bilhões do mesmo período do ano anterior.

O projeto de lei complementar que definiu o programa de socorro a estados e municípios foi aprovado em maio deste ano e destinou o valor fixo de R$ 60 bilhões da União para os entes compensarem suas perdas de arrecadação.

Deste total, R$ 50 bilhões poderiam ter destinação livre. Os outros R$ 10 bilhões deveriam ter sido obrigatoriamente direcionados para saúde e assistência.

Os pagamentos foram feitos em quatro parcelas, entre junho a setembro.

Os dados do Tesouro constam no Relatório de Acompanhamento de Execução Orçamentária, municiado com informações fornecidas pelas próprias prefeituras, e confirmam que as perdas provocadas pelo isolamento social na economia local não foram tão acentuadas quanto o governo e o Congresso imaginaram nas capitais.

Além disso, na avaliação de técnicos da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), houve problema na distribuição dos recursos, que usou o tamanho da população como critério para a divisão.

“Em geral, as cidades menores, com até 20 mil habitantes, se beneficiaram mais. As cidades com população entre 50 mil e 200 mil habitantes foram as que menos se beneficiaram”, disse Kleber Castro, consultor da FNP.

Levantamento prévio feito por Castro mostra que somente 162 cidades tiveram, de fato, prejuízos –em que o auxílio não foi suficiente para compensar as perdas de receitas. “A grande maioria dessas cidades tem população entre 50 mil e 120 mil habitantes”, disse.

Os dados do Tesouro mostram que, nas capitais, mais populosas, a situação foi inversa. Em Campo Grande (MS), o valor do socorro foi 82 vezes maior que a perda de arrecadação do ISS. Em Macapá (AP), ele foi 51 vezes maior e em Rio Branco (AC), 29 vezes.

Isso também se verificou em Cuiabá (MT), Porto Velho (RO), Belém (PA), e Manaus (AM), com o auxílio superando em cerca de 20 vezes as perdas de ISS.

Em Vitória (ES) e Goiânia (GO) esse impacto foi um pouco menor –de 14 vezes para capixabas e goianos, e de 9 vezes para Belo Horizonte (MG).

Em Teresina (PI), Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Natal (RN), Recife (PE) e Palmas (TO) a ajuda ultrapassou algo entre três e sete vezes as perdas com o imposto.

Essa diferença entre as perdas com o ISS e o auxílio a mais representou R$ 2,7 bilhões no período considerado.

Nas demais capitais houve aumento da arrecadação no período, segundo dados do Tesouro.

A legislação que definiu o programa de socorro não estabeleceu a devolução dos valores caso não houvesse perdas de arrecadação.

Por isso, em boa parte dessas prefeituras, a situação para os prefeitos que tomarem posse será menos dramática.

Esse cenário levou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a se posicionar contrariamente a uma nova rodada de auxílio nas discussões com o Congresso.

No momento das discussões em torno do pacote de socorro emergencial aos entes federativos, Guedes se recusou a acatar a proposta do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).

Para evitar gastos desnecessários, o deputado pretendia criar uma espécie de seguro pelo qual a União só destinaria recursos para cidades e estados que tivessem perdas na arrecadação.

Guedes criticou a proposta do parlamentar e afirmou que ela significava entregar um cheque em branco aos governadores e prefeitos.

Definiu-se então um valor fixo capaz de cobrir perdas de receitas.

No caso dos estados, um levantamento feito pelo economista do Insper e colunista da Folha Marcos Mendes mostrou que o socorro para os governos estaduais superou em 54% o impacto econômico sofrido. Ou seja, o choque foi transferindo para a União.

Segundo o economista, os estados já receberam R$ 36,3 bilhões a mais do que sua perda de arrecadação.

Mendes considera que o excesso de dinheiro praticamente não foi gasto e pode ajudar os governadores a enfrentar dificuldades em 2021, sem que seja necessário o socorro adicional que está em discussão em algumas propostas no Congresso. Ele calcula que haja uma reserva de pelo menos R$ 34,6 bilhões nos caixas estaduais.

Essa situação se repete nos municípios. A FNP e a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados estão concluindo um levantamento detalhado sobre o impacto em todos os municípios.

Para Ursula Dias Peres, professora de Gestão de Políticas Públicas da EACH/USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo), quando o programa de ajuda foi definido três das quatro parcelas seriam pagas no segundo semestre, em meses bastante instáveis do ponto de vista da arrecadação.

Hoje, os dados mostram que a arrecadação superou as expectativas e o auxílio acabou se tornando um reforço de caixa.

A reportagem procurou as cinco prefeituras que mais se beneficiaram do auxílio, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

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