A FS Bioenergia, maior produtora de etanol à base de milho do Brasil, investirá cerca de R$ 250 milhões para implementar um sistema de bioenergia com captura e estocagem de carbono – BECCS, na sigla em inglês – em sua fábrica de Lucas do Rio Verde (MT). Com isso, conforme matéria do Estadão, a unidade será a primeira do País a ter pegada de carbono negativa – ou seja, vai estocar mais carbono do que emite. Na estimativa da companhia, o BECCS eliminará 400 mil toneladas de carbono por ano – o projeto deve ficar pronto em três a quatro anos.
A FS vai capturar, comprimir e transportar o carbono produzido na unidade até um local de armazenamento subterrâneo. A empresa contratou estudos geológicos e sísmicos para definir qual será a localização exata da injeção de carbono.
“Fizemos a primeira etapa de viabilidade, que determinou que a condição geológica da região das nossas plantas é boa. Agora, estamos fazendo estudos sísmicos para garantir que o local é viável”, afirmou ao Estadão/Broadcast o presidente da companhia, Rafael Abud. “Este ano devemos ter uma viabilidade mais detalhada para avançar na construção do projeto.”
O estudo sísmico é feito para identificar o ponto e a profundidade ideais para a injeção do carbono. Ele é injetado em rochas porosas localizadas logo abaixo de rochas impermeáveis, que evitam que o carbono chegue à atmosfera – esse seria o principal risco do armazenamento. O carbono injetado ocupa os poros da rocha e se expande lateralmente – a expansão vertical é impossibilitada por causa da rocha impermeável selante.
Na área onde o gás é injetado, haverá a chamada “cabeça” do poço injetor, de aproximadamente 2 metros de altura, com válvulas para controlar o fluxo da injeção. A compressão e a desidratação do CO2 serão feitas em um galpão erguido junto à usina.
Será a primeira vez que o sistema será usado para esse propósito no Brasil – a Petrobrás tem um projeto semelhante, mas o foco é retirar petróleo e o volume de carbono que permanece no solo é baixo. “No nosso caso, o carbono fica estocado para sempre e nós monitoramos os poços para garantir que não haja vazamentos”, diz Abud. Para evitar que o carbono vaze, sensores vão medir o teor de CO2 na atmosfera, no solo e em poços.
A companhia espera conseguir estocar todo o carbono da fermentação de etanol produzido pela planta nos próximos 30 anos ou mais. O vice-presidente executivo de Sustentabilidade e Novos Negócios da FS, Daniel Lopes, diz que o carbono que será capturado na unidade tem alto grau de pureza. Com isso, é preciso apenas comprimir e desidratar o gás – caso fosse necessário separá-lo de outros gases antes da estocagem, o custo do projeto aumentaria.
Novas receitas com créditos de carbono
A empresa espera conseguir receitas com esse projeto por meio da venda de créditos de carbono, tanto no Brasil, pelo RenovaBio, quanto no exterior, em programas como o Low Carbon Fuel Standard (LCFS), da Califórnia.
O plano da FS é emitir 32 milhões de Créditos de Descarbonização (CBIOs) – os títulos emitidos pelo RenovaBio – entre 2020 e 2030. O CBIO é emitido por produtores e importadores de biocombustíveis e o RenovaBio exige que distribuidoras adquiram um determinado volume desses títulos para compensar suas emissões de carbono. Cada CBIO equivale a 1 tonelada de CO2 que deixou de ser emitida.
Com o projeto de captura e armazenagem de carbono, a companhia ganhará prêmio na nota de eficiência ambiental, o que permitirá que a empresa emita um volume maior de CBIOs por litro produzido. O volume arrecadado com isso vai depender do preço desses créditos – a expectativa é de que, ao longo dos anos, eles se valorizem.
“Nosso combustível já tem a menor pegada de carbono e agora buscamos reduzir mais ainda”, diz Abud. “Por dois motivos: primeiramente, porque acreditamos ser uma contribuição para reduzir as mudanças climáticas. O segundo motivo é que está se formando um mercado de carbono cada vez mais atrativo. Há 60 mercados de carbono no mundo, e algumas empresas adquirem crédito voluntariamente, como a Microsoft.”
A maior parte dos créditos negociados deve ser de CBIOs, mas as exportações de etanol também devem ter papel importante, principalmente porque a tonelada do carbono é negociada a um preço expressivamente mais alto no exterior – a empresa emite os créditos de carbono no país que recebe o biocombustível. Aqui, o preço médio do CBIO entre janeiro e maio deste ano foi de R$ 27,12, enquanto na Califórnia o preço médio do crédito em maio foi de US$ 190 – equivalente a mais de R$ 950.
A estimativa de investimento de R$ 250 milhões pode mudar a depender do câmbio e dos detalhes da formação rochosa. “Pode variar cerca de 15%, mas não deve ficar longe disso, o que está bem em linha com os patamares internacionais”, explica Lopes.
Ele diz ainda que pode ser possível instalar um projeto parecido na usina da FS em Sorriso, também em Mato Grosso. “Os estudos iniciais da ANP iam até a entrada de Sorriso. Não tivemos acesso ao que acontece depois da entrada e nossa fábrica fica um pouco depois da divisa. Então focamos inicialmente em Lucas, porque o gasto em estudos sísmicos é grande.”
Abud afirma que esse tipo de projeto também pode ser estendido para regiões produtoras de etanol de cana-de-açúcar. “A formação geológica do Brasil permite, e seria muito positivo se o mercado premiasse a retenção de carbono e isso pudesse se tornar um projeto de amplitude nacional.”
As bacias sedimentares (estruturas geológicas com várias camadas de rochas sedimentares) que ocupam boa parte do território brasileiro têm a profundidade e as condições adequadas para essa atividade. Elas contêm tanto as rochas porosas, para injetar o carbono, quanto as impermeáveis, que fazem o gás permanecer no local onde foi injetado.