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domingo 21 de novembro de 2021 às 18:02h

Federações partidárias são a volta disfarçada das coligações, diz especialista

NOTÍCIAS, POLÍTICA


No último dia 16, Luís Roberto Barroso, do STF, determinou um prazo de cinco dias para que Jair Bolsonaro e o Congresso se manifestassem sobre a lei, promulgada neste ano, que cria a chamada federação partidária.

Para o PTB, que acionou o Supremo, o modelo afronta o sistema partidário estabelecido pela Constituição.

Pela nova lei, dois ou mais partidos podem se unir em uma federação, que depende de registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Trata-se de uma aliança eleitoral semelhante à das coligações, mas que, diferentemente destas, dura por toda uma legislatura — ou seja, quatro anos –, e não apenas para as eleições em si.

Rodrigo Cyrineu, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, em entrevista ao portal O Antagonista, diz que as federações representam uma volta disfarçada das coligações, diante do temor dos partidos nanicos de perda de acesso ao tempo de televisão e aos recursos do fundo partidário em razão de um esperado baixo desempenho eleitoral.

Leia a íntegra da entrevista:

O que é uma federação partidária?

A federação partidária (ou federação de partidos) é a união temporária de dois ou mais partidos para disputar as eleições como se fossem um partido único, com um programa e estatuto partidário comuns, devendo permanecer ‘coligados’ pelo prazo de quatro anos. O prazo de duração é, essencialmente, a única diferença entre essa federação e a coligação clássica, que só dura até o fim do processo eleitoral (até a diplomação dos eleitos), pois não caberá à Justiça Eleitoral avaliar a sintonia ideológica entre os partidos federados, o registro do programa e estatuto da federação no TSE será meramente cartorário, então, a Lei 14.208/2021 mantém a distorção que as coligações proporcionais causavam para a nossa democracia: a união de siglas com ideologias antagônicas.

Qual é o problema desse novo modelo aprovado no âmbito da minirreforma eleitoral de 2021?

O principal problema dessa federação partidária foi a sua criação por Lei Ordinária que – diferentemente de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) – não pode alterar o texto constitucional, sobretudo aquilo que a Constituição expressamente proíbe. A Lei 14.208/2021, que criou essa federação, foi uma tentativa do Congresso Nacional de permitir aquilo que o art. 17, §1, da Constituição proíbe a celebração de coligações nas eleições proporcionais (na eleição de deputados federais, estaduais e vereadores) e a verticalização das coligações, isto é, a reprodução obrigatória das coligações realizadas pelo diretório nacional do partido federado, nas eleições presidenciais, pelos diretórios estaduais e municipais. Além disso, essa lei permite uma espécie de união partidária (a federação) que não está prevista no nosso sistema partidário.

A Constituição prevê somente duas formas de união de partidos: a fusão e a incorporação e, em ambos os casos, a união é definitiva. A única união provisória de partidos, segundo o texto constitucional, é a coligação eleitoral e essa está expressamente vedada nas eleições proporcionais desde as eleições de 2020. Neste ano, com a aprovação da PEC 125/2011, a Câmara dos Deputados até ensaiou o retorno das coligações proporcionais, mas o Senado Federal rejeitou essa proposta. Daí a ideia de instituir a federação partidária por lei ordinária, a qual exige uma quantidade menor de votos.

Na ação levada ao STF, o PTB diz que a federação é uma forma de dar sobrevida às coligações. O senhor concorda com esse entendimento?

O pano de fundo dessa volta disfarçada das coligações proporcionais, sob o nome de federação, é o fundado temor dos partidos nanicos da perda do acesso ao direito de antena (horário gratuito no rádio e na televisão) e aos recursos do fundo partidário pelo já esperado baixo desempenho eleitoral. Apesar do nome e prazo de duração diferentes, essa federação desempenhará o mesmo papel das coligações, isto é, ajudará os partidos nanicos a ultrapassar a cláusula de desempenho ou de barreira, ao permitir que os votos dados aos partidos federados sejam somados, para fins de cálculo dos quocientes partidário e eleitoral, à semelhança do que ocorria na coligação proporcional.

Assim, ante a fracassada tentativa de alterar a vedação constitucional pela PEC 125/2011, essa foi a solução legislativa para salvar os partidos fadados a sucumbir completamente ante a incidência da segunda etapa da cláusula de desempenho nas eleições de 2022. A federação é um drible a essa regra que não permite acesso aos fundos partidário e eleitoral, bem como a tempo de rádio e televisão (direito de antena), a esses partidos que não tenham atingido um resultado minimamente satisfatório. Daí o porquê “cláusula de desempenho ou de barreira”.

Por que, ao invés de formar uma federação, os partidos nanicos não se unem por fusão ou incorporação para superar a cláusula de desempenho?

A união mediante fusão ou incorporação é definitiva. Na fusão, a exemplo do que ocorreu com o PSL e o DEM, esses partidos deixaram de existir para dar vida a um novo partido: denominado União Brasil. No caso de incorporação, o partido incorporado deixa de existir, transferindo os seus ativos políticos e financeiros para o partido incorporador. Na federação partidária, de acordo com a lei impugnada pelo PTB, os partidos federados preservam a sua identidade e autonomia. Como isso vai funcionar na prática? É o melhor dos dois mundos: é um casamento com vida de solteiro. Sem medo de exagerar, o que se busca é a manutenção de um sistema feudal, um feudalismo partidário, mantendo a autonomia dos partidos federados dada as prerrogativas que as siglas possuem no nosso sistema constitucional, como a legitimação universal para provocar o controle de constitucionalidade na Corte Suprema e o mais importante: a chave do cofre. Afinal, os partidos federados continuarão com autonomia financeira em relação à federação. É dizer, não há razão republicana para formação de federação em detrimento da fusão ou da incorporação, os dois únicos modelos de união de partidos previstos na Constituição.

A manutenção de diversas legendas nanicas que defendem a mesma ideologia – tais como o PCdoB, Psol e PSB – não tem como objetivo apenas a representatividade ideológica no parlamento, que seria equacionada pela fusão ou incorporação, mas se justifica apenas pelo interesse de conservar a autonomia financeira e os feudos estaduais e municipais.

Essa ação no STF contra o instituto das federações pode zerar alianças para as eleições de 2022? Como será isso?

O sistema proporcional brasileiro é deveras complexo. O fim das coligações o tornou mais inteligível. Na minha visão, a instituição das federações partidárias vai causar novamente essa sensação de complexidade no eleitorado e agravar a crise de legitimidade da nossa democracia representativa. Daí a importância da ação direta de inconstitucionalidade do PTB que, se acolhida, manterá o sistema tal qual se deu nas eleições municipais de 2020, com os partidos lançando candidatos a deputados em chapas puras.

Quais as consequências da decisão do STF nesse tema?

Atualmente, o STF faz um mea culpa por ter derrubado a primeira cláusula de barreira em 2006, reconhecendo se tratar de um dos maiores erros do Tribunal em matéria política. A partir daquela decisão, provocada pelos mesmos partidos nanicos que até hoje possuem um baixo desempenho eleitoral, foi deflagrado um quadro de hiperfragmentação partidária que é um dos grandes males da política brasileira. Então, do ponto de vista pragmático, uma decisão do Supremo que derrube as federações manterá o espírito das últimas reformas eleitorais que incentivam os partidos a se fundirem ou incorporarem, o que é positivo, pois reduz o número de legendas que por sua quantidade anormal se comparada a outros países torna o nosso sistema presidencialista caótico, chamado mesmo de presidencialismo de coalizão justamente por ter que agregar todos esses partidos para garantir um mínimo de governabilidade, como aliás está fazendo o Presidente Bolsonaro.

Por outro lado, caso essa lei seja considerada constitucional, o Supremo terá perdido a grande oportunidade de reparar o erro daquela decisão que declarou inconstitucional a primeira clausula de barreira – proferida em 2006 – para que possamos, finalmente, ter um o sistema partidário representativo no Parlamento.

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