Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, do Tribunal de Justiça da Bahia, contesta no STF ação penal aberta pelo Superior Tribunal de Justiça em que é acusada de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro em esquema de venda de sentenças; ‘aberração’, protestam advogados da magistrada
A desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo acionou segundo Rayssa Motta, do jornal O Estado de S. Paulo, o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar anular a ação penal em que é acusada de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Faroeste – investigação sobre venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia.
Sandra Inês é acusada pelo Ministério Público Federal de aceitar uma proposta de propina de R$ 4 milhões para favorecer uma empresa agropecuária em pelo menos três decisões. Segundo a denúncia, ela recebeu efetivamente R$ 2,4 milhões entre 2018 e 2020.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu a denúncia em novembro, dando início ao processo criminal. A decisão foi unânime.
A defesa da desembargadora agora contesta no Supremo a decisão do STJ. O habeas corpus foi distribuído ao gabinete do ministro Edson Fachin, que pediu informações do Superior Tribunal de Justiça. Fachin também solicitou parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Um dos principais argumentos da defesa gira em torno da suposta quebra de imparcialidade no julgamento. A delegada federal Luciana Matutino Caires, que participou da Operação Faroeste, foi assessora do ministro Og Fernandes, relator do caso no STJ. Luciana trabalhou dois anos no gabinete do ministro no Superior Tribunal de Justiça, após a investigação. Foi desligada da equipe em abril de 2024.
A defesa afirma que a nomeação da delegada é uma “aberração” e argumenta que a participação de Luciana na equipe do ministro gera “nulidade insanável” porque “viria posteriormente a participar do gabinete que julgou o conjunto das provas que ela própria colheu e instruiu”.
Os advogados Oberdan Costa e Natuzza Rodrigues, que representam Sandra Inês, listaram decisões desfavoráveis tomadas pelo ministro no período em que a delegada trabalhou em seu gabinete.
Og Fernandes revogou o acordo de delação premiada da magistrada e impediu que ela retornasse ao cargo. A defesa afirma que as decisões “guardam conexão causal com a legitimidade e a imparcialidade do recebimento da denúncia”.
“É mister para o restabelecimento da lisura do processo em comento que sejam declaradas nulas as decisões prolatadas no interregno da teratológica presença da delegada no gabinete do ministro relator da Operação Faroeste”, sustentam os advogados da desembargadora.
A defesa também tenta desconstruir as acusações. Os advogados alegam que a Polícia Federal e o Ministério Público não provaram que ela aceitou propina. “Em qual interceptação telefônica ela foi flagrada dizendo um ‘sim’, ainda que cifrado, à proposta ilegal de parte de processo beneficiária, ainda que por pessoa intermediária?”
Também afirmam que os investigadores ignoram uma conversa interceptada pela PF em que Sandra Inês nega ter negociado decisões. “Jamais usei a minha caneta pra fazer qualquer tipo de negociata. Ajudei aquele pessoal por amizade. Porque eles ajudaram Vasquinho no negócio do cartório”, disse a magistrada a um advogado que também foi denunciado.
Os advogados de Sandra Inês afirmam que ela foi responsabilizada “por arrastamento”. “A narrativa acusatória, insidiosamente, arrasta-a como participante para ações cuja contribuição pessoal específica dela nunca é descrita.”
A desembargadora chegou a ser presa preventivamente na investigação depois que a Polícia Federal flagrou a entrega de R$ 250 mil no apartamento dela. Com o avanço do inquérito, Sandra Inês fechou um acordo de colaboração – a primeira delação fechada por uma desembargadora no Brasil. Os anexos citam 68 pessoas, entre magistrados, advogados, empresários e até políticos.
O acordo de delação de Sandra Inês, no entanto, foi rescindido em novembro pelo STJ. O ministro Og Fernandes afirmou que ela deixou de colaborar com as autoridades e demonstrou “resistência injustificada” em honrar os compromissos assumidos, o que a defesa nega.
Segundo a decisão, as provas entregues seguem válidas e poderão ser usadas inclusive contra a magistrada. Com a rescisão, Sandra Inês perdeu os benefícios negociados e o valor já recolhido a título de multa.