A fala em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou dúvidas sobre a disposição de seu governo para cumprir a própria meta fiscal para 2024 reflete não só o debate interno do governo sobre o tamanho do déficit a ser previsto no orçamento do ano que vem, mas também de que lado o presidente está na disputa.
De um lado está a equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que havia proposto atingir o déficit zero em 2024 – com uma margem de tolerância de 0,25% do PIB – o que daria rombo de R$ 30 bilhões. Hoje, o déficit do governo para 2023 está em 1,1%.
No polo oposto ao da Fazenda está a Casa Civil, responsável pela coordenação do PAC, que pelo qual o governo prometeu gastar R$ 1,3 trilhão até 2026. O ministério de Rui Costa defende que a meta seja alterada para prever um déficit de 0,5% ou até 0,75% do PIB – ou seja, de R$ 60 bi a R$ 90 bi.
“Quero dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à meta zero, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos e obras”, afirmou o presidente, para quem “muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando a meta que eles acreditam que vai ser cumprida”.
Com sua declaração, dada em um café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, Lula indicou ao Congresso que não verá problemas na revisão da meta nos próximos dias para abarcar um prejuízo maior no orçamento.
E demonstrou até mesmo o valor que considera razoável – “Se o Brasil tiver um déficit de 0,5% o que é? De 0,25%, o que é? Nada”, disse Lula.
Embora o presidente da República tenha dito que o mercado acredita que a meta será cumprida, o que a maior parte dos analistas já tem dito há tempos é que é pouco provável que se chegue ao déficit zero, mas que seria importante manter essa disposição.
Outro aspecto que preocupou economistas e analistas especializados em contas públicas foi a impressão de que Lula está desautorizando Haddad e seu esforço de contenção de gastos – ainda que a Fazenda espere cumprir a meta garantindo uma arrecadação maior no ano que vem.
No projeto da lei orçamentária já enviado ao Congresso, a arrecadação extra deve somar R$ 168,5 bilhões, ou 1,5% do PIB, para que se chegue ao déficit zero.
Mas aí estão incluídas receitas nada garantidas – como a previsão de colocar nos cofres da União R$ 54,7 bilhões só em multas aplicadas com a mudança na lei que dá ao governo o voto de desempate em disputas no Carf – o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
Só que as grandes empresas e contribuintes já estão se organizando para contestar cada decisão na Justiça, o que pode afetar a arrecadação.
A questão é que, segundo a lei do arcabouço fiscal aprovada pelo Congresso, sempre que a meta não for atingida o governo vai precisa cortar gastos, o que pode afetar a execução de diversos programas e obras.
A arrecadação do governo vem caindo trimestre a trimestre, o que também preocupa a equipe econômica.
Na sexta-feira, depois que Lula relativizou a importância de cumprir a meta fiscal, o índice Ibovespa, que mede o comportamento dos mercados, fechou o dia com queda de 1,28% e o dólar subiu 0,43%, encerrando a semana cotado a R$ 5,012.
No sábado, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse em suas redes sociais que Lula “protegeu” o Haddad “ao trazer para si a responsabilidade da política fiscal”. Faltou dizer de quem Lula protegeu seu ministro da Fazenda. Porque pelo jeito não foi nem do PT e nem da Casa Civil.