Conteúdos falsos e enganosos já disseminados nas redes sociais contra pré-candidatos à Presidência, inclusive por agentes públicos e políticos com mandato, antecipam desafios conforme o jornal O Globo, que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as plataformas terão pela frente na campanha de 2022.
A facada sofrida pelo presidente Jair Bolsonaro em 2018, por exemplo, voltou a suscitar, nos últimos meses, teorias conspiratórias de petistas e bolsonaristas que ignoram pontos comprovados na investigação da Polícia Federal (PF), que concluiu que Adélio Bispo agiu sozinho no ataque. Ciro Gomes (PDT) sofreu ataques de deputados bolsonaristas, que produziram desinformação com trechos de entrevistas do pedetista. Sergio Moro (Podemos) e João Doria (PSDB), por sua vez, foram alvos de fake news com elementos de suas vidas privadas veiculados sem embasamento.
O TSE aprovou resoluções para coibir notícias e mensagens falsas sobre o processo eleitoral, e acenou com a possibilidade de cassação de candidaturas que fizerem uso de disparos em massa, precedentes que não existiam na campanha de 2018. Ainda há, por outro lado, dificuldades e dúvidas sobre o controle exercido pelas plataformas sobre postagens de usuários.
No início de dezembro, um suposto xingamento homofóbico que teria sido feito a Bolsonaro mobilizou as redes sociais. No dia seguinte à detenção de uma mulher que xingou o presidente e teria lhe chamado de “noivinha do Aristides”, em Resende, no interior do Rio, o termo disparou no Twitter e no Google. Porém, a ofensa não partiu da suposta autora, mas de um perfil de rede social, o “Felipe do PT”. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) e a ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) foram algumas das lideranças da esquerda que amplificaram nas redes a versão falsa, atribuindo o episódio a um suposto evento da vida privada do presidente. No boletim de ocorrência, a expressão utilizada pela motorista, detida na Via Dutra, foi “filho da puta”.
Carimbo de falso
Em novembro, o Instagram chegou a marcar como falso um post em que o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos) sugeria que Lula havia entregado refinarias da Petrobras à Bolívia sem contrapartida financeira. Na publicação, Carlos usou trecho de um seminário de 2015 em que o ex-presidente falava sobre relações diplomáticas com a Bolívia quando o país vizinho tentou nacionalizar refinarias. No trecho em questão, Lula se disse aberto a reconhecer a nacionalização de combustíveis. O vereador escreveu, na legenda, que Lula e o PT “priorizam outros países com seu dinheiro (dos eleitores)”. À época, no entanto, o governo federal não entregou, mas sim vendeu as refinarias.
Outros dois filhos do presidente, o senador Flávio (PL-RJ) e o deputado Eduardo (PSL-SP), fizeram publicações no último mês associando o autor da facada em 2018 ao PT e sugerindo que a investigação da PF não chegou a conclusões sobre a autoria do atentado na campanha. O tema também mobilizou opositores de Bolsonaro. O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), ex-aliado de Bolsonaro e hoje apoiador de Doria, afirmou em setembro estar “convencido de que (a facada) foi uma armação”, que teria aproveitado “a doença que esse sujeito tinha na época”. Já o também deputado Rogério Correia (PT-MG), referindo-se a um documentário sobre a facada que utilizou vídeos e imagens de câmeras de segurança, endossou a teoria de armação e disse que a PF “nunca investigou esse lado”. Dois inquéritos conduzidos pelo delegado Rodrigo Morais, com análise de imagens e de dados de Adélio, concluíram que o agressor agiu sozinho e não estava a mando de terceiros.
Além de Lula e Bolsonaro serem alvos de fake news, aliados de ambos têm mirado em adversários que tentam construir a chamada terceira via para tentar romper a polarização entre os dois na próxima eleição. Moro desmentiu recentemente ter pago R$ 50 mil de aluguel numa residência nos Estados Unidos, quando trabalhou para a consultoria Alvarez & Marsal. A informação, baseada numa comparação de fotos com inconsistências entre si, foi disseminada nas redes para mostrar uma suposta “vida de milionário” do ex-juiz, e foi compartilhada com este viés pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
Doria e Ciro já foram alvos de bolsonaristas nas redes em diferentes momentos. No início do ano, nomes como o deputado estadual Gil Diniz (PSL-SP) e o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) compartilharam um vídeo antigo de uma festa com participação do filho do governador de São Paulo sugerindo que ela teria ocorrido durante a fase restritiva da pandemia da Covid-19. Doria desmentiu a informação e obteve, na Justiça, o direito a receber indenização de uma mulher que gravou outro vídeo, também usado por bolsonaristas, no qual mostrava uma suposta festa na casa de Doria, mas filmando uma casa que não é do governador.
Já no caso do pedetista, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) compartilhou de forma distorcida uma entrevista dada em agosto, na qual Ciro defendia rever o currículo de formação de militares. Na publicação, Zambelli alegou que Ciro afirmava “descaradamente” ter intenção de “aparelhamento das Forças Armadas”, com suposta inspiração na Venezuela, o que não se sustenta com o vídeo.
Da teoria à prática
A expectativa de pesquisadores é que o TSE terá uma postura mais combativa nas eleições do ano que vem. A Corte aprovou uma resolução com regras contra a desinformação e fixou entendimento de que disparos em massa com informações falsas podem configurar abuso econômico e gerar cassação do registro de candidatura. O tribunal também cassou pela primeira vez um deputado por propagar fake news sobre as urnas eletrônicas e abriu uma investigação contra Bolsonaro por ataques ao processo eleitoral.
— O TSE atuou no sentido de criar precedentes para uma atuação mais rigorosa em 2022 e enviar a sinalização para os atores políticos de que não vai tolerar que o pleito seja um vale tudo, de que vai adotar postura mais dura de combate a estratégias de desinformação, podendo até cassar candidaturas. Resta saber até que ponto vai conseguir colocar tudo isso em prática — diz o pesquisador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV) Amaro Grassi.