Não é somente a Bahia e outros Estados do Nordeste que enfrentam esse problema atualmente. O Amapá, que é o único Estado do Brasil que não possui rodovias que o liguem ao resto do país, não impediu que as facções criminosas chegassem lá há pouco mais de dez anos em busca de novas rotas para o tráfico internacional. As facções transformaram o Estado no mais violento do país e que agora atuam para infiltrar candidatos nas eleições municipais com o objetivo de ampliar seu poder sobre esses territórios. Atualmente, há cerca de 15 mil bandidos ligados a quatro grupos distintos.
A Polícia Federal investiga pelo menos três candidatos a vereador em diferentes municípios por supostas ligações com facções criminosas. A situação é semelhante à que ocorre em outros Estados brasileiros: a organização criminosa oferece apoio político ao candidato, com os votos de uma região dominada por eles, como uma favela de palafitas, e em troca recebe promessas de proteção, cargos na administração pública e dinheiro.
Nesta terça-feira, a PF fez operações de busca e apreensão contra dois candidatos a vereador em Oiapoque (AP), na fronteira com a Guiana Francesa. As acusações de moradores informa que esses candidatos tinham auxílio financeiro do Comando Vermelho para comprar votos no município.
Foram apreendidos, segundo a PF, R$ 130 mil em notas. A suspeita dos investigadores é de que ambos atuariam no tráfico de drogas e garimpo ilegal, mas, por ora, a ação foi apenas de busca e apreensão, e ambos estão livres para concorrerem nas eleições deste domingo. O jornal Valor os procurou por meio dos contatos registrados na Justiça Eleitoral, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.
Há também uma investigação na capital sobre suposto caso de coação de eleitores para que votem no candidato apoiado pelo tráfico. A operação ocorreu no dia 20 e levou à prisão de um subsecretário de zeladoria da Prefeitura de Macapá – que foi exonerado no dia -, mas o candidato a vereador não foi encontrado no dia e não pode mais ser preso até o fim das eleições por conta da legislação eleitoral.
A PF cumpriu 22 mandatos de busca, apreensão e de prisão em Macapá e Santana para investigar se o candidato a vereador Luanderson Alves, o “Caçula” (PSD), teria apoio de uma facção criminosa. “Como forma de fortalecer a campanha do candidato da facção, criminosos estariam ameaçando os moradores das áreas dominadas pelo tráfico a votar na pessoa indicada por eles”, afirma o comunicado. O portal não conseguiu contato com o candidato.
A presença de facções criminosas mais organizadas é recente no Amapá. Até então, existiam gangues menos estruturadas que se juntaram na Família Terror do Amapá (FTA) e na União Criminosa do Amapá (UCA). Elas chegaram a atuar juntas por um tempo, para combater as forças de segurança pública, mas romperam e entraram em uma guerra por disputa de territórios.
Também há presença do paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), que é aliado da FTA, e do carioca Comando Vermelho (CV), que atua com a UCA. Segundo Aiala Couto, pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, esses grupos buscam participar de negócios como o tráfico de madeira, de drogas, de ouro e do garimpo, inclusive legal, e se aproveitar da localização do Estado, com suas rotas fluviais e o porto.
A briga por espaço e a forte repressão policial têm feito com que o Estado figure entre os mais violentos do país – no ano passado, foi o primeiro do ranking, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Em 2023, houve 69,9 mortes violentas por 100 mil habitantes. O segundo colocado foi a Bahia, com 46,5. Segundo a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Amapá, 48% desses crimes que ocorreram no primeiro semestre do ano passado eram relacionados a conflitos com facções.
Os índices caíram em 2024 após ampliação do efetivo policial, atuação de inteligência, apoio do governo federal, abertura de novo pavilhão na penitenciária local e transferência de líderes para presídios federais. Mas o Estado ainda deve continuar a figurar entre os mais violentos este ano.
A tentativa de infiltração na política não é completa novidade no Estado. Na eleição municipal de 2020, uma candidata ligou para um dos líderes da FTA para pedir apoio para se eleger vereadora em Santana, a 17 km de Macapá. A facção domina um dos bairros da cidade e faria campanha para ela. Em troca, ela nomearia a irmã desse criminoso como psicóloga na Câmara Municipal, ofereceria assessoria jurídica para ele e três aliados e entregaria R$ 10 mil para a mãe dele. O plano, contudo, deu errado: a ligação foi toda gravada, já que ele estava dentro do presídio e com o celular grampeado.