domingo 22 de dezembro de 2024
A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Rosa Weber, durante o lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2023, na sede da corte, em Brasília - Foto: Paula Carrubba/Divulgação/Arquivo
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sábado 11 de maio de 2024 às 09:15h

Ex-presidente do STF Rosa Weber é premiada na categoria Personalidade do Ano

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Eram 20h de domingo, em 8 de janeiro de 2023, quando a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, chegou ao prédio da Corte para conferir, com lágrimas nos olhos, os escombros. Horas antes, uma turba golpista havia vandalizado as sedes dos Três Poderes. Ao entrar em seu gabinete, localizado no terceiro andar do edifício com vista para o Palácio do Planalto e o Congresso, a magistrada observou que, entre os destroços da barbárie, um crucifixo que ganhou de presente permanecia intacto.

A resistência da peça fixada na parede inspirou a católica praticante Rosa Weber, de 75 anos, a se manter firme no propósito de mobilizar a reação das instituições, reconstruir o prédio do STF e garantir a punição dos responsáveis pelo maior atentado à República desde a redemocratização.

Menos de um mês depois, em 1º de fevereiro de 2023, Rosa comandou a primeira sessão do STF em um plenário reconstruído, dos vidros ao carpete, das poltronas aos computadores. Durante a solenidade, com a presença de representantes dos Três Poderes, a então presidente da Corte não escondeu a emoção e vaticinou o que depois se tornaria o lema de sua gestão: a ideia de que a democracia segue inabalada.

— Que os inimigos da liberdade saibam que no solo sagrado deste tribunal o regime democrático, permanentemente cultuado, permanece inabalável — afirmou a magistrada, eleita Personalidade 2023 pelo Prêmio Faz Diferença, uma iniciativa do jornal O Globo em parceria com a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

Sete meses depois, em setembro de 2023, quando a ministra do STF se aposentou, o Supremo já havia julgado e condenado os três primeiros réus dos ataques golpistas do 8 de Janeiro. Hoje, 206 pessoas já foram consideradas culpadas pela Corte por terem envolvimento com os atos antidemocráticos.

‘Solução de conflitos’

Antes de iniciar uma trajetória de 12 anos no STF, a magistrada se destacou na carreira jurídica. Passou em primeiro lugar no vestibular para o curso de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1967, e se formou como melhor aluna da turma.

Aos 27 anos, vestiu a toga pela primeira vez após ser aprovada em quarto lugar no concurso público para ser juíza do trabalho. Três décadas depois, tomou posse como ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 2006, onde ganhou notoriedade por defender direitos trabalhistas de mulheres.

— Quando ingressei na magistratura do trabalho, em 1976, tinha o propósito de contribuir para a efetivação dos direitos dos cidadãos, em especial na solução de conflitos no mundo do trabalho. E busquei fazê-lo com todo empenho ao longo de minha carreira — conta Rosa ao GLOBO. — Foram mais de 47 anos de magistratura, nos quais procurei contribuir da melhor forma para o Poder Judiciário Brasileiro, convicta de que sem juízes independentes não há democracia.

Em 2011, Rosa foi indicada ao Supremo pela então presidente Dilma Rousseff para substituir Ellen Gracie, a primeira mulher a integrar a Corte, e enfrentou uma longa sabatina no Senado. Durante a votação do seu nome, Rosa ouviu de um então parlamentar da oposição ao governo Dilma que não tinha “notável saber jurídico”, um dos pré-requisitos exigidos pela Constituição para exercer o cargo de ministro do STF. A crítica, porém, não surtiu efeito — e a ministra foi aprovada com uma ampla margem, por 57 votos favoráveis e 14 contrários.

Rosa afirma que nunca sonhou ser ministra do STF, mas a vida a levou até lá, onde exerceu a presidência da casa “no momento mais crítico de sua história, quando foi covardemente atacado”.

— Procurei, ao lado dos meus colegas, mostrar que nossa democracia segue forte, embora precise ser diariamente cultivada — afirma ela. — É uma honra receber a homenagem do jornal O Globo por meu trabalho, mesmo num momento tão triste como o vivido pelo meu povo gaúcho, por conta da tragédia ambiental. Mas tenho certeza de que a solidariedade de todo o Brasil dá força ao Rio Grande do Sul para a reconstrução.

Votos históricos

Ao longo de sua trajetória no STF, Rosa Weber cultivava o hábito de só falar nos autos do processo e evitar declarações públicas em palestras e entrevistas. Em sua posse como presidente da Corte, rejeitou os tradicionais convescotes oferecidos por entidades jurídicas. Reservada, a magistrada só revelava as suas posições em seus votos.

Uma das decisões de Rosa que mais reverberaram no STF foi a suspensão do chamado orçamento secreto, mecanismo criado pelo Congresso e pelo governo de Jair Bolsonaro para repassar verba parlamentar a aliados políticos sem transparência e critérios objetivos. A posição da ministra de se opor à distribuição desigual de recursos públicos para prefeituras foi confirmada pela maioria dos membros da Corte, que considerou a prática inconstitucional.

Em sua gestão à frente do STF, que durou um ano e 16 dias, a ministra também pautou a ação que discute a descriminalização do aborto e votou a favor da possibilidade da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação. O caso tramita no Supremo desde 2018. O julgamento não chegou a ser concluído, mas a magistrada fez questão de antecipar o seu voto antes de deixar a toga.

A ministra levou ainda ao plenário do Supremo a ação que pede a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal e a discussão que culminou na derrubada da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas — uma promessa que fez a lideranças dos povos originários quando assumiu o comando da Corte.

Já na reta final de sua passagem pela magistratura, em solenidade no STF sobre o Dia das Mulheres no ano passado, Rosa resumiu as dificuldades enfrentadas ao longo da carreira para conseguir chegar aonde chegou.

— Mesmo quando nós, mulheres, podemos ocupar o espaço institucional, maior é o esforço a despender para sermos ouvidas em pé de igualdade com os homens — disse.

Logo após deixar a Corte, Rosa saiu de Brasília para voltar a viver próximo da sua família em Porto Alegre (RS), cidade onde ela nasceu e onde mora a sua filha, Mariana. O seu outro filho, Demétrio, reside na Suécia. Ao todo, ela tem três netos.

Quando está em casa, ela gosta de ouvir ópera — seu compositor preferido é o finlandês Sibelius —, assistir a seriados e não perde uma partida do seu time de futebol do coração, o Internacional.

A magistrada divide o seu tempo livre com a participação no Tribunal Permanente de Revisão (TPR) do Mercosul, responsável por arbitrar controvérsias entre os países integrantes do bloco. Ela foi indicada para o posto em março pelo presidente Lula da Silva (PT).

Em seu discurso de despedida do STF, Rosa recorreu ao seu poeta predileto, o gaúcho Jerônimo Jardim, que chegou a assessorar no período como juíza do trabalho, para ilustrar a sua caminhada na Corte. “A luta que se travou é passado. O desafio é a próxima. Por mais sonhos que realizemos, muitos restarão a realizar. Um passo é véspera do seguinte. Um passo é só parte do caminho”, declamou ela.

Jurados

A premiação foi escolhida pelo diretor de Redação do Globo, Alan Gripp, pelos colunistas Ancelmo Gois, Lauro Jardim, Merval Pereira e Míriam Leitão e pelo presidente da Firjan, Eugenio Gouvêa Vieira.

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