A ex-juíza Ludmila Lins Grilo chamou o crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito de “migué jurídico” durante discurso crítico ao Supremo Tribunal Federal (STF) no Congresso Conservador Brasileiro, no fim de semana passado, em Massachusetts, nos Estados Unidos. Essa é a acusação principal feita, por exemplo, contra os envolvidos com os ataques do 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes, em Brasília.
Conhecida pelas manifestações de cunho ideológico e próximas ao discurso bolsonarista, a magistrada foi punida com aposentadoria compulsória pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em maio do ano passado após uma série de publicações do gênero. Ela também ganhou projeção com discursos contrários ao isolamento e ao uso de máscara no auge da pandemia de Covid-19.
Em sua participação no evento nos EUA, Grilo ainda sugeriu que novas manifestações da direita não ocorram em Brasília, mas na Avenida Paulista, em São Paulo, onde “não tem Praça dos Três Poderes para você ser acusado de golpe de Estado”. A fala da ex-juíza foi divulgada em vídeo publicado pelo portal Metrópoles nesta manhã.
— Na Avenida Paulista é infinitamente mais seguro você fazer uma manifestação política do que em Brasília. A gente tem que fazer na Paulista mesmo. Lá não tem STF, lá não tem Palácio do Planalto. Lá ninguém vai poder te acusar de golpe de Estado, de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, que é um “migué jurídico”, né — disse Grilo.
A ex-juíza também criticou o ministro do STF Gilmar Mendes, a quem definiu como “cínico”.
— Eles sabem que isso é um migué jurídico e o próprio Gilmar Mendes falou isso em entrevista lá em Portugal e achou que ninguém ia saber. Mas hoje em dia todo mundo tem iPhone e todo mundo viu. Todo mundo sabe que você é um cínico — completou.
Grilo também compartilhou trechos da participação dela no evento no Instagram — em outras redes, como no X, ela encontra-se com o perfil bloqueado por decisão do ministro Alexandre de Moraes, também do STF. “A liberdade custa caro, muito caro. Alguns pagam um preço mais modesto, outros um preço muito alto, outros nenhum preço”, escreveu a ex-magistrada na postagem.
Quem é
A magistrada aposentada tornou-se conhecida por seu amplo apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), pelos ataques a decisões de Cortes superiores e pelo estímulo à desobediência de medidas sanitárias durante a pandemia da Covid-19. Além disso, ela chegou a participar, ainda como juíza do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), de atos de cunho político-partidário.
A ex-juíza do TJ-MG passou a ser investigada pelo CNJ em setembro de 2022 por “conduta nas redes sociais incompatível com seus deveres funcionais”. Em uma de suas manifestações, escreveu que “ato autoritário é juiz abrir inquérito e figurar como vítima, investigador e julgador ao mesmo tempo”, fazendo referência ao Inquérito das Fake News, em andamento no STF.
Em sua conta no X (ex-Twitter), que era seguida por mais de 300 mil pessoas quando foi suspensa, Grilo também compartilhou uma postagem com o título “Os perseguidores-gerais da República do Brasil” e uma montagem com fotos dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, ambos do STF. Também pesa sobre ela a “aparente tentativa de auxiliar” Allan dos Santos, alvo de inquéritos por disseminar desinformação e atacar integrantes da Corte. Em outro momento, a juíza chamou de “uma das maiores bizarrices da legislação eleitoral” o motivo que levou a uma busca e apreensão realizada na casa do ex-juiz Sergio Moro quando ele disputava uma vaga ao Senado.
Entre as postagens que motivaram a decisão de afastamento e abertura de processos administrativos, estão críticas de Ludmila Lins Grilo a ministros do Supremo e a uma decisão da Justiça Eleitoral, e a divulgação de um canal do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, atualmente foragido nos Estados Unidos.
O relator do caso foi o corregedor-nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, que afirmou, na ocasião, que as publicações em redes sociais eram “incompatíveis” com a posição de juíza e que Grilo “não cumpria seus deveres básicos” e agia com “total desleixo” ao não trabalhar presencialmente.
Grilo afirmou que não trabalhava presencialmente devido a ameaças de morte, que teriam sido confirmadas pelo Gabinete de Segurança Institucional do TJ-MG. Além disso, negou que as publicações citadas tivessem teor político.