O ex-chanceler federal Gerhard Schröder, que já se encontra no ostracismo político na Alemanha por seus laços pessoais com o líder russo Vladimir Putin e ligações financeiras com empresas controladas pelo Kremlin, atraiu uma nova saraivada de críticas nesta semana após comparecer a uma recepção na embaixada da Rússia em Berlim.
A presença de Schröder foi relevada pelo jornal Berliner Zeitung, que apontou que, em 9 de maio, o ex-chanceler estava entre os convidados de uma recepção organizada por diplomatas russos para celebrar o Dia da Vitória, que marca o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. Posteriormente, o tabloide Bild revelou uma foto de Schröder no evento.
Os convidados consumiram champanhe e caviar, segundo relatos. No mesmo dia, Moscou lançou 25 mísseis contra alvos em Kiev, na Ucrânia, país que vem sendo alvo de uma guerra de agressão iniciada pelo regime de Putin.
Schröder e sua mulher, So-yeon Schröder-Kim, tiveram que contornar um protesto em frente à embaixada para comparecer à recepção.
Ex-líder comunista e políticos da ultradireita
Além do ex-chanceler Schröder, a lista de presenças incluiu Egon Krenz, 86, o último líder comunista da antiga Alemanha Oriental (RDA). Após a queda da ditadura comunista e a posterior Reunificação da Alemanha, Krenz foi condenado a seis anos e meio de prisão por seu papel nos crimes do antigo regime, incluindo fraude eleitoral e o assassinato de civis que tentavam escapar da RDA.
Também participaram da recepção políticos do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), entre eles o co-chefe da legenda Tino Chrupalla, e o deputado Alexander Gauland, que já ocupou a liderança da sigla e foi um dos principais responsáveis pela sua virada ultraconservadora a partir de 2015.
Tanto Chrupalla e Gauland são veteranos quando o tema é controvérsia. Gauland, por exemplo, já foi denunciado por incitação ao ódio racial e acusado de minimizar o impacto do nazismo na história alemã. Ambos são críticos da posição do governo alemão de impor sanções ao Kremlin por causa da guerra na Ucrânia.
À agência de notícias dpa, Chrupalla disse que encarava a presença com naturalidade. “[O 9 de maio] era até recentemente um dia de lembrança no qual era tradicional que políticos alemães de todos os partidos representados no Parlamento participassem”. “Esse diálogo não deve ser interrompido em tempos de crise”, completou.
Outro convidado também chamou a atenção: o deputado de esquerda Klaus Ernst, que já foi criticado por membros do seu partido, A Esquerda, por suas posições que atribuem responsabilidade da guerra na Ucrânia aos EUA, e não à Rússia. Junto com a controversa deputada Sarah Wagenknecht, sua colega de partido, ele também já pediu a suspensão das sanções impostas pela Alemanha contra a Rússia.
Ernst defendeu sua presença na recepção. “Acho absolutamente correto comparecer a uma recepção por ocasião do 78º aniversário da libertação de nosso país do fascismo”, disse ele ao jornal Tagesspiegel.
O evento não contou com a participação de políticos que compõem a atual coalizão de governo da Alemanha.
Reações
Após a revelação, o tabloide Bild publicou um texto de um colunista que direcionou críticas a Schröder. “Nosso ex-chanceler come caviar enquanto Putin mata pessoas, sequestra crianças, permite que mulheres sejam estupradas. Qualquer pessoa sensível pode sentir o cheiro do enxofre na embaixada – o cheiro da morte. Gerhard Schröder perdeu o olfato”, escreveu o jornalista Franz Josef Wagner.
A deputada social-democrata Katja Mast, colega de partido de Schröder, também reagiu publicamente. “Isso me deixa cheia de incompreensão.”
O líder do grupo parlamentar do Partido Liberal Democrático (FDP), Christian Dürr, disse à agência dpa: “A Rússia comete sérios crimes de guerra na Ucrânia há mais de um ano. Ataques de foguetes matam pessoas lá todos os dias. É completamente inapropriado comparecer a uma festa na embaixada russa”. Dürr também disse não ter ficado surpreso com a presença de representantes da AfD na embaixada. “Mas eu esperava mais do partido A Esquerda”, acrescentou.
A esposa de Schröder, confirmou à revista Der Spiegel que o casal compareceu ao evento e disse estar “espantada” com a reação negativa.
Ostracismo
Schröder, que governou a Alemanha entre 1998 e 2005, ficou isolado politicamente no último ano por sua recusa em denunciar a invasão da Ucrânia por Putin e por seus laços financeiros de longa data com Moscou na indústria energética. Seu Partido Social-Democrata (SPD), o mesmo do atual chanceler federal alemão, Olaf Scholz, chegou a abrir um processo de expulsão de Schröder – que acabou eventualmente falhando. O Bundestag (Parlamento alemão) também decidiu cortar alguns benefícios que ele tinha como ex-chanceler.
Foi justamente Schröder, em seus últimos dias de governo, em 2005, que autorizou a concessão de uma garantia bilionária que facilitou a construção do Nord Stream, um gasoduto submarino, que liga a Rússia diretamente à Alemanha, contornando países como a Ucrânia e Polônia, cujos governos são adversários do Kremlin.
Schröder aceitou um cargo no consórcio poucos dias após deixar a chancelaria. A partir de então, ele passaria a acumular uma série de cargos em empresas russas, que só foram abandonados após o início do conflito na Ucrânia, não sem antes bastante resistência do ex-chanceler.
Desde o início da guerra na Ucrânia, Schröder também visitou Putin em duas ocasiões. Amigo pessoal do líder russo, Schröder não fez qualquer crítica pública ao presidente após invasão da Ucrânia e praticamente defendeu o Putin das acusações de crimes de guerra em uma entrevista.