Diferentemente do que ocorreu na guerra da Bósnia, nos anos 1990, quando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) pôs fim ao conflito com uma operação de bombardeios aéreos que visavam posições do Exército sérvio, a aliança transatlântica não está participando de ações militares na guerra na Ucrânia porque a Rússia possui armas nucleares, na avaliação do especialista em questões de defesa Benjamin Hautecouverture, da Fundação para a Pesquisa Estratégica, em Paris.
No último domingo (27/2), o presidente russo Vladmir Putin anunciou que as “forças de dissuasão” equipadas com armas nucleares entraram em alerta máximo.
A Otan é uma aliança militar de defesa liderada pelos EUA e que reúne hoje 30 países. Ela foi criada em 1949, nos primeiros anos da Guerra Fria, para opor a Europa Ocidental à União Soviética (URSS) e ao avanço do comunismo. A organização tem como um de seus pilares garantir a segurança de seus Estados membros.
Embora seja uma organização voltada para a defesa, no caso da guerra na Bósnia-Herzegovina, que durou de 1992 a 1995, a Otan mobilizou 400 aviões e 5.000 soldados em suas operações de bombardeios.
Para especialistas, não havia o risco de que a Rússia se envolvesse no conflito para apoiar os sérvios, em um país distante de suas fronteiras. Além disso, a antiga Iugoslávia já havia rompido há décadas com a União Soviética. A Otan também bombardeou a Sérvia em 1999 durante o conflito no Kosovo.
Segundo Hautecouverture, os russos possuem opções de ataques nucleares graduais, ou seja, de fraca, média e grande potência. Ele ressalta que Putin não poderia “apertar o botão vermelho” em um momento de loucura, já que isso necessita uma ação conjunta com o ministro da Defesa e o chefe do Estado-Maior do Exército.
Mas o especialista acrescenta que todos os cenários são possíveis, embora o uso, ainda que limitado, de uma arma nuclear seja o menos provável, na sua avaliação.
Uma das razões previstas, pelas regras da Rússia, para a utilização de armas atômicas é o de que a sobrevivência do Estado estaria em perigo. Para o especialista, isso não ocorre atualmente, a não ser que Putin considere que o Estado seja ele próprio.
Uma derrota contra a Ucrânia armada por países da Otan seria vista como uma ameaça ao seu regime e Putin poderia fazer valer esse argumento junto às autoridades militares russas e, nesse caso, o conflito se aproximaria do risco nuclear, afirma o especialista.
Linha vermelha
A possível entrada da Ucrânia na Otan e a expansão da presença da aliança militar ocidental no leste da Europa são os focos dessa crise, já que a Rússia alega que isso representa uma ameaça para a segurança de seu país.

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Uma primeira leva de países da Europa Oriental (Polônia, Hungria e República Tcheca) ingressou na Otan, em 1999, meses antes de Putin assumir seu primeiro mandato presidencial. A expansão da Otan, em 2004, aos países bálticos (ex-repúblicas soviéticas), Romênia, entre vários outros do leste europeu, não provocou a mesma reação de Putin como no caso da Ucrânia.
“No momento em que os países bálticos entraram na Otan, em 2004, a Rússia não tinha meios para impedir isso. Foi a mesma coisa no caso da Romênia ou da Polônia. A potência militar da Rússia naquela época não tem nada a ver com a atual”, diz Hautecouverture, acrescentando que no início dos anos 2000 o país, que saía da Guerra Fria, estava em “decomposição.”
“Era impossível para a Rússia se opor a qualquer decisão da Otan. Há quase 20 anos, o país não tinha os mesmos meios de hoje e Putin não era nada”, afirma o especialista.
A Rússia também sofreu uma forte crise financeira em 1998, marcada por uma brutal desvalorização do rublo e uma moratória sobre sua dívida externa. No início dos anos 2000, por exemplo, o porto de Murmansk abrigava a decadente frota nuclear russa, com submarinos enferrujados e temores de radiação na região.
De acordo com Hautecouverture, a Ucrânia é a última linha vermelha para Putin. “Ele deixou tudo passar (a ampliação da Otan no Leste Europeu) porque ele estava impossibilitado de fazer algo”, diz ele.

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“O último país fronteiriço da Rússia com possibilidades de entrar na Otan é a Ucrânia. E é um caso à parte porque, na história russa, a Ucrânia integrou a União Soviética. Daí a linha vermelha. O país é como um apêndice, um irmão, um primo, algo excessivamente próximo.”
O especialista acrescenta que o mar Negro, a Crimeia e a Ucrânia, “no fantasma russo, fazem parte da Rússia.”
O pesquisador diz também que a eventual entrada da Ucrânia na Otan não é uma ameaça à segurança da Rússia e que todos estão de acordo com isso, exceto Putin.
A guerra atual, na sua avaliação, demonstra que há sentido em manter a existência da organização transatlântica, questionada por alguns em razão do fim da União Soviética e do Pacto de Varsóvia, a aliança militar dos países do leste europeu e URSS.
O funcionamento da Otan também vinha sendo criticado. Há cerca de dois anos, o presidente francês, Emmanuel Macron, declarou que a organização estava em “estado de morte cerebral.”
“A guerra na Ucrânia mostrou que a Otan é necessária. Ela ganhou fôlego pelos próximos 30 anos”, avalia Hautecouverture.