Quando o deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM) nasceu, em 2001, a moeda do Brasil já era o Real, a internet já existia em algumas casas no País e já era possível fazer buscas no Google. Hoje, com apenas 23 anos, Amom é o deputado federal proporcionalmente mais votado do País. Aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto da disputa pela prefeitura de Manaus (AM), atrás do atual prefeito, David Almeida (Avante).
Levantamento do Instituto Paraná Pesquisas divulgado em meados de novembro do ano passado mostra Amom com 23,3% das intenções de voto, cerca de 15 pontos percentuais atrás do atual prefeito, David Almeida (Avante). Diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA) desde os 14 anos de idade, Amom lançou sua pré-candidatura à prefeitura de Manaus na semana passada, num evento no bairro Cidade Nova, na zona norte.
Quando o deputado recebeu seu diagnóstico, o transtorno ainda era conhecido como “Síndrome de Asperger”, nome que foi abandonado na edição mais recente do DSM, o guia da Associação Americana de Psiquiatria. Segundo ele próprio, em seu caso o transtorno se manifesta em uma certa dificuldade de relacionamento, a língua um pouco presa e um certo déficit de coordenação motora. O político amazonense é acompanhado por uma fonoaudióloga, além da psicóloga.
É possível uma pessoa autista ser prefeita de uma capital como Manaus, com 2 milhões de habitantes? Amom não tem dúvidas. “Não só é possível como está na hora do Brasil provar isso. Eu tenho certeza de que ser autista não me diminui na minha capacidade, em relação a qualquer outra pessoa. Pelo contrário. Obviamente que nem todo autista é igual. Tem autistas que têm deficiências na fala, que têm deficiências no aprendizado. Mas todas elas podem ser superadas com o devido tratamento”, diz. “As pessoas têm muito preconceito hoje com quem é autista, no Brasil. Eu quero quebrar isso”, afirma ele.
O político diz ainda que sua pouca idade não o impediria de ser um bom prefeito – Manaus tem o quinto maior PIB entre as capitais brasileiras, mas sofre com problemas que vão da falta de saneamento básico à ação de facções criminosas, como o Comando Vermelho (CV). “A Inglaterra já teve um primeiro ministro jovem, na faixa dos 20 anos (William Pitt, que chegou ao cargo aos 24 anos. Permaneceu no posto de 1783 a 1801 e de 1804 até 1806). Vários países já tiveram experiências com líderes jovens. Já está mais que provado que idade não quer dizer, necessariamente, competência”, diz ele.
A campanha eleitoral deste ano começa, oficialmente, em 16 de agosto. Mas os ataques já começaram, diz Amom. “Já espalharam, em redes de desinformação, que eu estava, supostamente, internado em estado grave, e que a minha família estava preocupada com a minha saúde mental e física. Em razão de supostas doenças autoimunes e da questão do autismo. Isso não existe. Não é assim que se faz política”, diz ele.
Isolamento na escola
Amom é filho de uma juíza do Tribunal de Justiça do Amazonas e de um professor da Universidade Federal de Pernambuco e auditor fiscal da Receita. Judeu, nasceu em Recife (PE), mas se mudou aos 4 anos para o Amazonas, terra natal de sua mãe – na época, ela tinha acabado de passar no concurso para a magistratura e foi enviada para trabalhar em Japurá (AM), na fronteira com a Colômbia. Amom se dividia entre Manaus, onde estudava, e a cidade onde a mãe trabalhava. “São horas de voo (de Japurá) até Manaus. Tem dificuldades de comunicação. Naquela época (2006), não tinha nem telefone na cidade. Tinha, aliás, um telefone fixo”, conta ele.
“Eu dividia a minha infância entre ficar com ela lá em Japurá às vezes e ficar em Manaus, onde eu estudava. Isso me impôs um isolamento ainda maior. Eu não tinha acompanhamento psicológico nessa época, não tinha nada. Passei, inclusive, por crises depressivas por conta desse isolamento. Eu não entendia, nessa época, o porquê de eu não ter amigos e não conseguir fazer amigos na escola”, descreve. Quando recebeu o diagnóstico, tudo passou a fazer sentido. “Aos 14, uma psicóloga me deu esse diagnóstico (TEA). Eu passei por um acompanhamento também com outros profissionais, como neurologistas, que pediram outros exames de imagem. E concluíram ali pelo que se chamava então de síndrome de Asperger”, diz.
“Eu preciso de fonoaudiólogo. Você pode notar que eu às vezes tenho a língua um pouco presa; não tenho tanta coordenação motora, às vezes não entendo ironia. E algumas outras coisas. Desde que eu entrei para a política, eu melhorei muito, muito mesmo, porque passei a ter um acompanhamento muito mais intensivo que antes de ser candidato”, explica ele. “Depois que eu entrei para a política, eu descobri o que me fazia levantar da cama todos os dias. O que me faz querer viver”, diz.
Vereança em Manaus e viral na campanha
Antes da política, Amom participava de atividades de voluntariado. “Aos 12 anos eu fiz o meu primeiro trabalho voluntário. Foi na Wikimedia, responsável pela Wikipédia”, diz. Em 2020, ainda com 19 anos, foi eleito vereador em Manaus. Lá, descobriu que a Câmara de Vereadores era “submissa” à prefeitura. “Tudo que a gente queria fiscalizar e cobrar transparência, quando chegava na Câmara, os vereadores da base (aliada ao prefeito) derrubavam. Não nos deixavam fiscalizar. Não abriam nem a possibilidade de ter qualquer explicação da prefeitura”, conta.
Nas eleições de 2022, Amom foi o candidato a deputado mais votado do País, em proporção aos votos do Estado: ele teve 288.555 sufrágios, ou 14,5% dos votos válidos naquele ano. Parte desse sucesso deveu-se a um vídeo de campanha que viralizou na internet. Na peça, de apenas um segundo, Amom diz apenas “beba água”. Segundo ele, a ideia foi transformar o pequeno espaço numa peça de utilidade pública.
“O Cidadania tinha, no total, 10 segundos, e quando a gente dividia o tempo diariamente para todos os candidatos, dava 1,16 segundo para cada um. Em um segundo, não dava tempo para falar sobre propostas ou outras coisas. Mas, ao mesmo tempo, não queria, como em todos os outros programas eleitorais, fazer o eleitor perder o tempo dele. Eu queria ter alguma mensagem útil”, diz.
“Pensamos em transformar esses spots numa mensagem de utilidade pública. Tinha três opções. Beba água foi a primeira delas. Depois a gente veiculou o ‘use o cinto (de segurança)’. E a terceira, que não foi ao ar, era ‘use camisinha’. Era para educação sexual, mas eu não queria ser mal interpretado, de acharem que eu estava fazendo piada”, conta.
‘Não estou na política para fazer amigos’
A mesma dificuldade de fazer amigos experimentada na época da escola existe hoje, em relação aos outros 512 deputados e 81 senadores que compõem o Congresso, admite Amom. “Essa dificuldade (de fazer amigos) continua. Mas eu não tô na política para fazer amigos”, diz ele.
“Existem muitas dificuldades de relacionamento, especialmente com os deputados da política mais antiga, que não aceitam… não só um jovem, mas um jovem neurodivergente no Congresso Nacional. No entanto, muito mais que debates e relacionamentos, eu aprendi que a maior parte dos deputados do Congresso não influenciam na pauta, na ordem do dia. Hoje em dia, é um processo muito caótico que decide as leis no nosso país”, conta ele.
“Desde que eu entrei, nunca houve nenhuma sessão ordinária nesta legislatura. Todas as sessões são extraordinárias, marcadas em cima da hora, sem que a maioria saiba qual é a pauta. Precisamos de uma rede de inteligência entre os assessores para saber qual é a pauta. Na prática, como são poucas as pessoas que detém poder aqui dentro, eu não preciso me relacionar com tantas pessoas para fazer com que os nossos projetos de lei caminhem”, explica ele.