Na última sexta-feira (11), Sérgio Cabral quase saiu da cadeia, informa Malu Gaspar, do O Globo. O Tribunal de Justiça do Rio lhe concedeu um habeas corpus no processo em que é acusado de cobrar propinas de empreiteiras que construíram o Complexo Petroquímico do Rio pela Petrobras. Segundo a decisão, Cabral podia passar para a prisão domiciliar, desde que não houvesse mais nenhuma ordem de prisão válida contra ele.
O oficial de Justiça fez uma pesquisa, não achou nada e foi para o Batalhão Especial Prisional (BEP) soltar o ex-governador. Nesse meio tempo, alguém lembrou que havia ordens de prisão assinadas por Sergio Moro, contra as quais a defesa ainda está recorrendo ao STF.
Só que, com o sistema da Justiça fora do ar, elas não apareciam na busca. Cabral, portanto, não podia ser liberado. Já era noite quando o oficial de Justiça foi embora levando o documento sem serventia.
Cabral governou o Rio de 2007 a 2014. Denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro, foi preso em 2016. Condenado em 23 ações, acumula pena de 425 anos e 20 dias.
Seu hábito mais famoso era pedir aviões e helicópteros de empresários para viagens internacionais ou passeios de férias. Em 2009, ele pegou emprestado o jato do então bilionário Eike Batista para ir a Copenhague, com o prefeito Eduardo Paes, acompanhar a escolha da sede da Olimpíada.
Quando perguntaram se ele não considerava um problema ético viajar no avião de um empresário, Cabral respondeu: “Imagina. Ele é um empresário que quer o bem do Rio”.
Eike também não achou nada demais. Anos depois, Cabral confessou ter pagado US$ 2 milhões a delegados do Comitê Olímpico para comprar os votos que trouxeram os jogos para o Rio. Eike, por sua vez, confessou ter pagado US$ 16 milhões a Cabral, disfarçados por um contrato falso de venda de uma mina de ouro.
Desde então, o país passou por várias reviravoltas. A credibilidade da Lava -Jato foi pelos ares com a Vaza-Jato e a adesão de Moro ao governo Jair Bolsonaro. O ex-juiz foi considerado parcial pelo STF, que cancelou suas decisões e as de instâncias superiores que as confirmaram.
Políticos que estavam presos foram soltos, incluindo o sucessor de Cabral, Luiz Fernando Pezão (MDB). Lula não só foi reabilitado, como acaba de se eleger presidente pela terceira vez.
Bolsonaro e seus aliados agora dizem que Lula foi liberado por armação do STF e que ele não poderia ter se candidatado. Só esquecem que, nessa onda, o Supremo também cancelou todas as decisões que embasaram as investigações contra Flávio Bolsonaro (PL-RJ) por desvio de dinheiro público na popular rachadinha.
Nesse contexto, talvez seja mesmo implicância demais cobrar de Lula por ter ido ao Egito participar da Conferência das Nações Unidas para o Clima no jato do empresário José Seripieri, o Júnior. Dono da operadora de planos QSaúde, Júnior é um bilionário cheio de amigos poderosos a quem gosta de emprestar aeronaves, convidar para passear de iate e para visitar sua casa em Angra dos Reis.
Em 2020, ele fechou um acordo com a Procuradoria-Geral da República de Augusto Aras e confessou diversos crimes, entre eles corrupção. A delação está em sigilo, mas a multa é pública: R$ 260 milhões. Seus negócios dependem fundamentalmente de decisões da Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS, cujos membros são nomeados pelo presidente da República.
Também deve ser implicância cobrar do petista explicações sobre os dias que passou na Bahia na casa de um deputado, dono de uma empresa de ônibus que presta serviços ao governo do estado comandado pelo PT.
Afinal, como explicou o senador eleito pelo PT do Piauí Wellington Dias, não há regra que o impeça de pegar carona. Afinal, ele ainda não tomou posse e, portanto, é um cidadão comum. Não importa que o artigo 317 do Código Penal classifique como corrupção passiva solicitar ou receber vantagem indevida “ainda que fora da função ou antes de assumi-la”. Segundo o senador, o PT não tem dinheiro para fretar uma aeronave, mesmo tendo recebido R$ 78 milhões neste ano do fundo partidário.
“Alguém dá uma carona, qual é o problema?”, disse o piauiense.
Dias tem razão. O cancelamento de tantos casos e decisões judiciais é quase um imperativo para que o cidadão “desveja” tudo o que viu, “desleia” tudo o que leu e “desouça” tudo o que ouviu nos últimos anos. Nada aconteceu no Brasil, portanto não há com que se preocupar.
Os delatores ainda não pediram o dinheiro de volta, mas esse dia há de chegar. Só não chega o dia de Cabral sair da cadeia, logo ele que já está há seis anos preso. Está na hora de corrigir isso.