O bloco de esquerda Nova Frente Popular se consolidou como o maior do Parlamento da França, após os resultados do segundo turno das eleições legislativas, realizado neste domingo. A extrema direita liderada pelo Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen e Jordan Bardella, ficou em terceiro lugar, segundo as projeções, atrás do bloco do presidente Emmanuel Macron. Os franceses votaram de maneira massiva: a participação foi de 67%, a mais alta registrada durante um segundo turno em mais de 40 anos e ligeiramente maior do que no primeiro turno.
Segundo as projeções, a Nova Frente Popular deve ter entre 172 e 192 cadeiras na Assembleia Nacional, enquanto a aliança Juntos, de Emmanuel Macron, terá entre 150 e 170 cadeiras. O Reagrupamento Nacional, que esperava ter a maioria absoluta após o bom desempenho no primeiro turno, terá entre 132 e 152 — o número inclui membros do partido O Republicanos que seguiram o pedido do contestado presidente da sigla, Eric Ciotti, para unirem forças com a extrema direita. O partido, por si só, terá entre 57 e 67 cadeiras, apontam as projeções.
— Saúdo a todos que aceitaram ser candidatos e retirar suas candidaturas e se mobilizaram porta a porta para conseguir arrancar um resultado que parecia ser impossível. Essa noite o Reagrupamento Nacional está longe de ter a maioria absoluta, é um imenso alívio — afirmou, em discurso , Jean-Luc Mélenchon, do partido A França Insubmissa, que integra a coalizão.
Desde a convocação das eleições pelo presidente Emmanuel Macron, imediatamente após a impactante vitória do Reagrupamento Nacional na votação para o Parlamento Europeu, havia a expectativa de que a extrema direita conseguisse não apenas ganhar a nova disputa legislativa, mas sim conseguir a maioria absoluta na Assembleia Nacional. Bardella, inclusive, já se preparava para ser primeiro-ministro.
Diante desse cenário, ao menos 43,3 milhões de eleitores enfrentaram um dilema: votar no partido de extrema direita Reagrupamento Nacional (RN) ou na “frente republicana”, um cordão sanitário formado pelo partido no poder e pela esquerda, mas que ameaça ser rompido após mais de 20 anos?
— Estamos em um ponto de virada na História [do país] — disse à AFP Antoine Schrameck, um aposentado de 72 anos, enquanto votava em Rosheim, nos arredores de Estrasburgo.
Ao fim do primeiro turno, cuja participação foi quase 20 pontos maior que em 2022, o Ministério do Interior anunciou que 506 dos 577 círculos eleitorais teriam 2º turno, com 306 disputas triangulares — envolvendo três candidatos — e cinco quadrangulares.
Pelo sistema político francês, todos os candidatos com mais de 12,5% se qualificam para o 2º turno, desde que ninguém alcance mais de 50% dos votos. Mas, com a desistência de mais de 200 candidatos para barrar a extrema direita, o número de disputas triangulares caiu para 94.
O presidente Emmanuel Macron — que chocou a França ao antecipar as eleições após a vitória do partido de extrema direita de Marine Le Pen nas eleições para o Parlamento Europeu em 9 de junho — , votou neste domingo ao lado de sua esposa, Brigitte, em uma seção eleitoral em Le Touquet-Paris-Plage, uma pequena cidade litorânea no norte do país.
Segundo a AFP, ele receberá o primeiro-ministro Gabriel Attal e os líderes partidários às 18h30 (horário local) no palácio presidencial. A reunião deverá durar cerca de 1h30, seguindo até pouco antes da divulgação do resultado das eleições — em algumas áreas rurais, as urnas fecharam às 18h (horário local), de acordo com a BBC. De centro-direita, Attal já anunciou que seu governo está disposto a permanecer no cargo “o tempo que for necessário” para garantir a continuidade do Estado.
Em caso de possíveis “distúrbios”, a menos de três semanas dos Jogos Olímpicos de Paris, as autoridades destacarão 30 mil policiais e gendarmes para atuarem nas ruas na noite deste domingo. Receosos com protestos violentos, alguns comerciantes começaram a colocar tábuas em suas vidraças, informou o Le Monde.
Possíveis cenários
Os primeiros resultados serão divulgados às 20h (15h em Brasília), quando as seções eleitorais serão fechadas, depois de uma campanha marcada por insultos e ataques a candidatos e apoiadores, bem como por discursos racistas e antissemitas. Em alguns territórios ultramarinos alguns deputados já foram eleitos.
Na ilha caribenha de Guadalupe, segundo a BBC, foram eleitos quatro deputados de esquerda, enquanto as duas cadeiras na Nova Caledônia, palco de protestos em maio, foram divididas entre um deputado conservador e outro pró-independência. Na Polinésia Francesa, estimativas apontam a vitória de candidatos pró-independência, e a extrema direita levou a melhor na Ilha da Reunião.
Analistas alertam para um resultado incerto, que dependerá do número de abstenção. Se nenhum bloco obtiver a maioria absoluta, surgem vários cenários: uma difícil coalizão entre parte da esquerda, o partido no poder e os deputados de direita que não se associaram ao RN, ou mesmo um governo tecnocrata com apoio parlamentar.
Independentemente do resultado, a França vive um momento crucial em sua história política, que poderá acelerar o fim do macronismo — um ciclo que começou em 2017 com a ascensão de Macron ao poder. Seu mandato termina em 2027.
Uma maioria absoluta do RN levaria a sua jovem estrela Jordan Bardella, de 28 anos, ao cargo de premier do primeiro governo de extrema direita no país. A vitória dessa corrente na segunda maior economia da União Europeia poderá enfraquecer a influência da França em Bruxelas, onde tem sido um dos principais motores da integração europeia, bem como minar a política de apoio à Ucrânia. Além disso, adicionaria um novo governo de extrema direita na Europa: na Itália, a pós-fascista Giorgia Meloni é primeira-ministra, e em outros países como Finlândia, Eslováquia e Países Baixos, ultradireitistas fazem parte do Executivo.