As investigações, os depoimentos e a falta de comunicação entre a Polícia Federal e o Exército estão elevando a temperatura nestes últimos dias entre policiais federais e militares. O caldo entornou ainda mais depois do depoimento do ex-comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, que, na sexta-feira passada, falou durante mais de oito horas e teria respondido a cerca de 250 perguntas. Entre elas, a confirmação de que teria sido convocado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para a reunião em que foram discutidas propostas para o golpe e que impedissem a posse do presidente eleito Lula da Silva (PT).
Oficiais generais têm dito que tomam conhecimento de trechos dos inquéritos pela imprensa e reclamam que essa postura da Polícia Federal causa profundo desgaste na Força. “Esses inquéritos estão sob sigilo apenas para nós”, disse um desses oficias. A cúpula do Exército vem sendo pressionada a explicar as razões pelas quais há três militares presos: o coronel Bernardo Romão Correia Neto, o major Rafael Martins de Oliveira e o coronel Marcelo Costa Câmara.
De acordo com as investigações, Marcelo Câmara, um dos mais próximos assessores do então presidente, fez parte de todas as ações criminosas que arquitetaram o golpe de Estado. Correia Neto teria participação direta na organização da porta dos quartéis e Martins de Oliveira negociou com Mauro Cid o pagamento de R$ 100 mil para pagar a viagem de manifestantes a Brasília. Julgados e considerados culpados, serão submetidos a uma nova investigação para que se apure se eles têm condições de continuar na Força.
A tensão tem aumentado à medida em que os novos depoimentos complicam a situação do ex-presidente Jair Bolsonaro. O de Freire Gomes, pelo que se sabe, não poupou Bolsonaro e ajudou a confirmar a informação de que o ex-presidente teria participado da confecção da minuta do golpe. Os dados teriam aproximado Bolsonaro do cadafalso. O ex-comandante também teria citado outros assessores diretos de Bolsonaro, como o ex-candidato a vice na chapa, Braga Netto, e o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno Ribeiro Pereira. Nos próximos dias, deve ser decidido um novo depoimento de Mauro Cid – que fez acordo de delação premiada.
Estes dois, inclusive, já foram lançados ao mar pelo próprio Bolsonaro. Braga Netto, depois de reveladas as mensagens em que chama Freire Gomes de “cagão”, e acusa o general Tomás Ribeiro – que viria a ser o comandante do Exército – de “ser petista desde criancinha”, praticamente perdeu qualquer interlocução com os antigos companheiros, inclusive com Bolsonaro.
De Heleno, Bolsonaro também tomou distância, depois de quatro anos no governo em que ele foi praticamente sua sombra. O general, que chegou a ser um dos militares mais prestigiados de sua geração, não recebeu uma única palavra do ex-chefe à medida que se enrolava em gravações e textos escritos em sua agenda, como revelou a revista Veja.
Heleno foi um dos articuladores e fiadores da candidatura do ex-capitão rebelde, que não era muito bem visto entre o oficialato. E se engajou na pré-campanha a partir de 2017. Dizia aos seus pares que Bolsonaro era o único nome em condições de derrotar Luiz Inácio Lula da Silva – que acabou preso e não pode concorrer – e, por fim, o aproximou do então comandante do Exército Eduardo Villas Bôas.
Villas Bôas, em 3 de abril de 2018, quando o STF se preparava para votar um habeas corpus que poderia livrar Lula da prisão, disparou uma nota de 239 caracteres em sua conta pessoal no antigo Twitter. Dizia o seguinte: “Asseguro à Nação que o Exército brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões constitucionais.” No dia seguinte, depois de quase onze horas de discussão, os ministros rejeitaram o habeas corpus do petista por uma margem apertada: 6 votos a 5. Lula seria preso logo depois e estava definitivamente fora da eleição presidencial de 2018.