Ao indicar o juiz federal Kassio Nunes para a vaga de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente Jair Bolsonaro decidiu por um nome que prestigia a chamada ala garantista da corte e, de quebra, agrada o ministro Gilmar Mendes, relator do processo que pode implicar sua família.
Segundo reoportagem do jornal Folha, foi o próprio presidente que levou Kassio para receber o aval do magistrado na casa dele em um jantar na última terça-feira (29). O encontro também contou com a participação do ministro Dias Toffoli, ex-presidente do Supremo.
Bolsonaro confirmou em live nas redes sociais na quinta-feira (1º) a indicação do juiz federal para o lugar de Celso de Mello —que anunciou a antecipação de sua aposentadoria para 13 de outubro. Inicialmente, Celso sairia do tribunal em 1º de novembro, quando completa 75 anos.
A oficialização de Kassio como indicação de Bolsonaro foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (2), com mensagem ao Senado, que precisa agora avalizar a escolha.
No encontro de terça-feira, Bolsonaro disse que gostaria de valorizar a magistratura e tinha a intenção de indicar Kassio, que é integrante do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).
O presidente chegou ao encontro com o “prato feito”, como relatou um membro do STF em reservado, e sem abrir margem para a sugestão de eventual nome de preferência dos ministros. Deixou aberta, no entanto, a margem para que Gilmar e Toffoli pudessem eventualmente criticar Kassio depois.
Entre congressistas e advogados, a avaliação é que Bolsonaro tirou um nome da cartola que lhe deva gratidão e seja fiel aos seus interesses no STF.
A indicação também consolida uma mudança de paradigma de Bolsonaro, antes um apoiador da Lava Jato e que se tornou um crítico dos métodos da operação depois que se viu atingido por outras investigações.
Kassio tem dito que terá uma atuação garantista no tribunal, ou seja, com uma visão de mais respaldo às alegações dos réus.
Bolsonaro tem ciência de que a escolha deixou insatisfeito o novo presidente do STF, Luiz Fux, que não foi consultado sobre Kassio. Mas, segundo pessoas próximas, preferiu priorizar a relação com quem pode influenciar o futuro das investigações que atingem seus parentes.
Gilmar Mendes é o relator da ação que questiona o foro especial concedido ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, além de responsável por toda a investigação contra o filho do presidente no caso da “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio.
O caso estava na primeira instância da Justiça do Rio, mas a 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ decidiu remetê-lo a órgão especial por entender que, embora não seja mais deputado, Flávio segue parlamentar e por isso mantém a prerrogativa de foro.
O Ministério Público do Rio de Janeiro recorreu da decisão e aguarda julgamento no Supremo.
Além disso, foi Gilmar, por exemplo, que manteve a decisão do ministro João Otávio de Noronha, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), de manter Queiroz em prisão domiciliar. Amigo do presidente e apontado pelos investigadores como operador do esquema de Flávio, a prisão de Queiroz poderia forçar uma delação premiada e complicar a família do presidente.
Gilmar deve ficar prevento para cuidar de outros casos que eventualmente cheguem à corte e tratem do filho do presidente.
A indicação de Kassaio ao Supremo contou com a chancela de Flávio e de Frederick Wassef, ex-advogado da família, segundo aliados do presidente. Além deles, uma terceira pessoa teria chancelado o nome: Maria do Carmo Cardoso, juíza federal do TRF-1.
Em maio, como mostrou a coluna Lauro Jardim, do jornal O Globo, a magistrada desferiu críticas a Celso de Mello quando o ministro pediu que a PGR (Procuradoria-Geral de Justiça) avaliasse se deveria solicitar busca e apreensão do celular de Bolsonaro.
“É o mesmo que rasgar a Constituição da República! Estou, deveras, estarrecida com a postura do ‘decano'”, escreveu ela em uma postagem do perfil de Flávio Bolsonaro nas redes sociais.
Na quinta-feira, na live, o presidente reforçou uma característica do ministro que poderá indicar no ano que vem para a vaga de Marco Aurélio Mello. O magistrado também se aposentará compulsoriamente por completar 75 anos.
“Temos uma vaga prevista para o ano que vem também. Esta segunda vaga vai ser para um evangélico”, afirmou Bolsonaro.
Os dois nomes reivindicados por religiosos para ocupar uma cadeira no STF são André Mendonça, ministro da Justiça, e William Douglas, juiz federal no Rio de Janeiro. Este último também tem o respaldo de Flávio Bolsonaro.
Apesar da declaração, interlocutores do presidente e integrantes do Supremo dizem acreditar que, caso a insatisfação de Fux com Kassio tenha reflexos na relação entre os Poderes, o presidente pode mudar sua posição em nome de uma relação com o presidente da corte.
O chefe do Executivo pode amenizar a situação prestigiando o presidente do Supremo na escolha da vaga de Marco Aurélio. O efeito disso seria colocar em risco a cadeira do ministro “terrivelmente evangélico”.
A segunda vaga à disposição de Bolsonaro abrirá em julho do ano que vem. A aposta é a de que o presidente voltará a avaliar o cenário de momento para escolher o novo integrante do STF. Fux ainda será o presidente da corte.
O preferido de Fux é o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Luís Felipe Salomão. O ministro tem o respaldo de outros magistrados do STF. Na avaliação de membros do Judiciário, caso confirmada a indicação de Kassio agora, o nome de Salomão fica fortalecido para o lugar de Marco Aurélio.
Nesta sexta, após oficializar Kassio, Bolsonaro saiu em defesa do escolhido, em conversa com apoiadores. “Eu lamento muito que uma autoridade lá do Rio de Janeiro, que eu prezava muito, está me criticando muito, com videozinho me xingando de tudo o que é coisa”, disse.
“Essa infâmia em especial que essa autoridade lá do Rio de Janeiro está fazendo contra o Kassio é uma covardia. Até porque ele está fazendo isso porque queria que eu colocasse um indicado por ele”, disse.
Na quinta, antes mesmo da indicação ter sido anunciada, o pastor Silas Malafaia gravou vídeo no qual classificou a escolha de Bolsonaro como um “absurdo vergonhoso” e ressaltou que o presidente está “cedendo a quem jamais deveria ceder”.
“É uma decepção geral. O senhor está colocando um camarada que atende o centrão, o PT e a esquerda”, disse. Kassio foi indicado ao TRF-1 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
No Diário Oficial da União, o presidente afirmou que encaminhou o nome neste momento “considerando a necessidade de prévia organização para o funcionamento das deliberações” do Senado em virtude “do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do coronavírus”.
Se aprovado, seu nome segue para apreciação do plenário. E, caso a decisão seja confirmada por maioria absoluta, ele é então nomeado ao posto.
Na manhã desta sexta, a presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), conversou de forma informal com alguns dos membros do colegiado.
A ideia dos congressistas é que a sessão para sabatina ocorra no próximo dia 14, um dia depois de Celso deixar o STF. O relator para a indicação ainda não foi oficializado, mas ganha força o nome do líder do MDB, Eduardo Braga (AM).
“Não há vácuo de poder e o Senado está se articulando para resolver esse fato o mais rápido possível”, disse o vice-líder do governo, Chico Rodrigues (DEM-RR).