Louco, exagerado, perigoso, defensor de ideias ultralibertárias jamais postas em prática no âmbito de um país, com uma vida emocional dominada pelos cachorros e pela irmã. Javier Milei sempre foi chamado de muitas coisas nada simpáticas, mas jamais de corrupto. Isso mudou com o espantoso caso da criptomoeda que ele defendeu com uma postagem fatídica e que agora se expande como uma explosão nuclear incontrolável.
O mais grave de tudo: as mensagens em que Hayden Davis, um dos criadores da &LIBRA, que explodiu de preço e depois caiu em derrocada, deixando milhares de pessoas no prejuízo, diz que tem controle total sobre Milei e que ele “diz e faz o que eu quiser”. Por quê? “Mando $$ para sua irmã”, escreve Davis na explosiva conversa, furo do La Nación.
Segundo o jornal, os “empreendedores sérios” na área das criptomoedas estão revoltados com Hayden Davis por tirar a credibilidade desse trabalho. O próprio La Nación diz, obviamente, que “não há evidências sobre a veracidade dos fatos” alegados. E o governo, também obviamente, nega.
Tem mais: Hayden Davis também participou do lançamento do $MELANIA, relacionado à mulher de Donald Trump. A trajetória foi a mesma: o produto é lançado, muitas pessoas apostam nele e os espertalhões, sabendo o que vai acontecer, vendem seus investimentos no pico. Isso implicaria nume esquema mundial de manipulação de preços, entre outros crimes financeiros.
Milei agora faz uma alegação absurda: a de que sua postagem, feita às 19,01 horas da sexta-feira, foi no âmbito pessoal, não como presidente da República. Não tem amparo na realidade: ele não deixou de ser presidente quando postou sobre a criptomoeda que financiaria “pequenas empresas e empreendedores”. Também comparou a operação a quem “joga um cassino e perde dinheiro”. Exceto que o cassino foi recomendado por ele.
Atingir Milei
As pessoas comuns em geral não entendem como funciona esse mercado de ativos que não têm nada por trás para bancá-los, mas sabem muito bem quando algo cheira a golpe ou corrupção. Ambos os maus odores passaram a cercar Milei. Para piorar ainda mais, o presidente deu uma entrevista a um jornalista amigo – ah, nenhum governante escapa dessa tentação – e foi postada a íntegra, mostrando que o entrevistador concorda em mudar perguntas ou até de assunto.
A Argentina está consumida pelo criptogate. Um aliado importante de Milei, o ex-presidente Mauricio Macri teve palavras duras: “Vimos um presidente descuidado e mal assessorado. Tenho uma relação de afeto, mas precisa se assessorar melhor. Fica no meio de uma situação que foi um golpe e merece uma investigação séria”.
O “mal assessorado” foi interpretado como uma referência a Karina Milei, secretária-geral da Presidência e irmã que o presidente venera e em que tem confiança total. Governar com parentes tem justamente essa complicação: os laços de sangue se sobrepõem a tudo, principalmente num caso como o de Javier Milei, para quem Karina funcionava como protetora diante de um pai violento. Ele não pode demiti-la, como faria com um ministro comum.
Através de um porta-voz, Hayden Davis desmentiu tudo. “Diferentes reportagens na imprensa afirmam que paguei o presidente Javier Milei ou sua irmã, Karina Milei, para lançar a memecoin Libra. São completamente falsas. Nunca fiz nenhum pagamento a eles e nem eles o pediram. Sua única preocupação era garantir que os lucros da Libra beneficiassem as pessoas ou a economia da Argentina.”
Presente dos Céus
Teria Milei sido fragorosamente ingênuo e cometido apenas um erro de avaliação, intrometendo-se num negócio mal intencionado desde o início?
Ficou mais difícil acreditar nisso. Os efeitos do caso se espalham e não apenas na política argentina. A Solana, definida como blockchain preferida dos memecoins, já perdeu 20 bilhões de dólares. Através dela também foram lançadas a $MELANIA e $TRUMP. Já há centenas de processos de investidores lesados, inclusive nos Estados Unidos.
Javier Milei pode ter perdido algo muito mais valioso, a credibilidade. O economista descabelado, apaixonado pelas ideias de pensadores libertários e interessado apenas em livros e em seus cachorros, teria cedido ao mesmo vírus da corrupção que contamina uma quantidade tão enorme de políticos latino-americanos, deixando seus seguidores em estado de choque?
Para a oposição peronista, eternamente dividida entre suas múltiplas correntes e acuada pelos resultados positivos na economia, o criptogate é um presente dos céus. Segundo uma pesquisa feita antes do criptogate, o partido de Milei, A Liberdade Avança, teria impressionantes 42% dos votos nas próximas eleições legislativas, com o peronismo K, como é chamada a corrente de Cristina Kirchner, com apenas 26%. Seria um resultado acachapante, mas uma certa postagem abriu a possibilidade de que muita coisa vá mudar. Primeiro indício: uma pesquisa feita depois da eclosão do escândalo mostrou que a percepção negativa de Milei aumentou dez pontos. Está em 46,6%, ainda atrás da positiva, de 49,6%.