Em um encontro nesta última sexta-feira (5) na cidade russa de Sochi, o presidente Vladimir Putin disse ao seu homólogo turco, Recep Tayyip Erdogan, que aguarda conforme a AFP, a assinatura de um acordo para impulsionar a cooperação econômica entre os dois países. O fim da guerra na Ucrânia e talvez o início de outra na Síria também são assuntos que teriam sido abordados no encontro a portas fechadas entre os dois chefes de Estado.
Três semanas depois da reunião entre ambos em Teerã, o chefe de Estado turco encontrou o presidente russo na estação balneária, no Mar Negro. A conversa acontece na sequência do recente sucesso diplomático de Ancara, que favoreceu o acordo internacional sobre a retomada das exportações de grãos ucranianos através do Estreito de Bósforo.
Três novos navios carregados de milho deixaram os portos ucranianos na manhã desta sexta-feira com destino à Irlanda, Reino Unido e Turquia. Nos últimos meses, os dois líderes aumentaram suas trocas no contexto da guerra na Ucrânia, na qual o chefe de Estado turco se impôs como mediador entre Moscou e Kiev.
O presidente da Rússia agradeceu Erdogan pelo papel desempenhado na assinatura do acordo para a exportação de cereais ucranianos e alimentos russos. “Com sua participação direta e a mediação da ONU foi solucionado o problema relacionado ao abastecimento de cereal ucraniano dos portos do mar Negro. O abastecimento já começou. Quero agradecer por isso e porque, ao mesmo tempo, foi adotada uma solução conjunta sobre o abastecimento ininterrupto de alimentos e fertilizantes russos ao mercado mundial”, disse Putin, no começo de uma reunião em Sochi.
Os dois líderes se encontraram pessoalmente às 15 horas no horário local (12h GMT), antes de compartilharem um almoço com suas delegações. Nenhum encontro com a imprensa faz parte do programa oficial.
Erdogan está acompanhado, entre outros, por seus ministros de Relações Exteriores, Defesa, Economia e Energia. A Turquia, que importa a maior parte de sua energia, passa por uma crise econômica e a inflação chega a 80% ao ano.
No mês passado, em Teerã, o presidente turco foi claramente advertido por Vladimir Putin contra qualquer nova operação militar na Síria – aliada de Moscou – destinada a repelir combatentes curdos do PKK, do Partido dos Trabalhadores do Curdistão e seus aliados.
Rússia e Turquia são dois grandes atores internacionais na Síria, um país dilacerado pela guerra desde 2011, onde ambos apoiam campos opostos: Moscou está do lado do regime de Bashar al-Assad, enquanto Ancara apoia grupos de oposição.
Para alguns analistas, essas tensões recorrentes fazem parte da “cooperação competitiva”, que define a relação entre os dois líderes há vinte anos.
“A guerra da Rússia contra a Ucrânia restaurou a imagem que a Turquia quer dar de si mesma, a de um ator geopolítico importante, e deu visibilidade a Erdogan”, escreveu recentemente Asli Aydintasbas, membro do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Para ela, “a maioria dos turcos apoia a posição de quase neutralidade de seu país entre o Oriente e o Ocidente”.
Negociar uma trégua
Embora seja um membro da OTAN, a Turquia não esconde o desejo de permanecer neutra em relação a Moscou e à Ucrânia, uma estratégia que está começando a dar frutos. Após meses de esforço, Moscou e Kiev assinaram um acordo apoiado pela ONU em Istambul: o primeiro carregamento de milho deixou o porto de Odessa, tornando possível abastecer os estoques do Líbano. Outros embarques se seguirão, aliviando os temores de uma crise alimentar mundial.
A Turquia tenta obter a abertura de negociações para uma trégua entre o presidente russo e seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, se possível em Istambul. “Discutimos (para ver) se o acordo de grãos poderia ser uma oportunidade para um cessar-fogo duradouro”, disse o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlüt Cavusoglu, na quarta-feira (30), após se reunir com o chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, na Ásia.
Mas esses esforços são complicados pelas repetidas ameaças de Ancara de uma operação militar na Síria, onde os interesses russos e turcos colidem. Moscou apoiou amplamente o presidente sírio, Bashar al-Assad, diante de grupos apoiados, em parte, pela Turquia.
Erdogan tem planos de cruzar a fronteira novamente para estabelecer uma zona de segurança em uma área onde as tropas russas e seus aliados já estão patrulhando, mas de onde a Turquia quer expulsar grupos curdos que considera “terroristas”.
“É provável que a reunião de hoje se concentre em uma possível incursão na Síria, para a qual a Turquia não obteve sinal verde da Rússia ou do Irã”, comentou, mais cedo, o especialista em relações internacionais Soli Ozel, da Universidade Has de Istambul. “A Rússia deve receber algo em troca”, disse ele.
Drones
Alguns meios de comunicação turcos noticiam que o que Vladimir Putin quer realmente são drones. Ancara forneceu à Ucrânia seus famosos drones de combate Bayraktar-TB2 com eficácia comprovada contra tanques russos.
Segundo autoridades dos Estados Unidos, uma delegação russa visitou o Irã para considerar a compra de centenas desses equipamentos. E o próprio Erdogan relatou em seu retorno de Teerã um pedido de Putin nesse sentido. Um funcionário turco, no entanto, corrigiu dizendo que o presidente estava brincando.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reforçou essa hipótese, assegurando que “a cooperação militar e tecnológica está sempre na agenda dos dois países”.
Nesta sexta-feira, o presidente das indústrias de defesa turcas, Ismail Demir, embarcou com Erdogan para Sochi.