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quarta-feira 1 de maio de 2019 às 09:15h

‘Era pouca gente para derrubar um governo’, diz Augusto Heleno sobre crise na Venezuela

POLÍTICA


O ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, relatou como o governo acompanhou a crise e os conflitos na Venezuela nesta terça-feira durante todo o dia. Em entrevista ao jornal O Globo, Heleno classificou o movimento e o “esquema militar” liderado por Guaidó como “precário” e ressaltou que o Brasil não irá intervir em assuntos internos do país vizinhos.

Como o senhor vê o futuro da Venezuela?

A situação é imprevisível. A gente tem certeza que o “esquema militar” do Guaidó é precário e o outro lado conta com um apoio comprado de cerca de 2 mil generais, que é uma cifra espantosa. Há um esquema de colocar muitos deles na área econômica, sendo praticamente donos da economia que sobrou na Venezuela, não só com o que é lícito como com o que é ilícito. Além disso, esses militares também não têm certeza se a promessa de anistia, se alguém que não seja o Maduro chegar ao poder, vai ser realmente respeitada. Então eu tenho certeza que muitos desses militares têm medo das consequências de uma queda do regime do Maduro.

E a movimentação de hoje (ontem)?

Desde de manhã, as imagens mostravam uma população desorganizada, tentando fazer uma reação não se sabia exatamente a quê, porque não se via outro lado quem era o adversário. Parecia briga de torcida de futebol: gente jogando pedra, outros jogando bomba… Mas nada que tivesse qualquer aspecto de uma rebelião séria ou de uma possibilidade séria de que aquilo ali acabasse resultando numa queda do governo. Ficou todo mundo esperando que se confirmasse uma primeira declaração do Guaidó, que teria recebido o apoio maciço das Forças Armadas, mas não aconteceu, ficou na declaração dele.

O movimento pode sair enfraquecido?

Pode. O Leopoldo López já está na Embaixada do Chile. Eu acredito que peça asilo, porque, obviamente, se não pedir, vai ser preso.

Qual o papel que o Brasil deve desempenhar nos campos político e militar?

O Brasil é o maior país sul-americano, com o maior PIB, a maior população e tem uma liderança natural sobre esse contexto geopolítico sul-americano. Mas o Brasil tem como tradição história, e tem escrito na sua Constituição, que ele não pode intervir em assuntos internos de países, nações amigas. Então ele fica impedido constitucionalmente de tomar qualquer atitude de força ou de intervenção em qualquer dos países sul-americanos que estejam, muitas vezes, vivendo uma crise. Podem estar vivendo até uma pré-revolução, mas nós não temos autorização constitucional, legal, para fazer esse tipo de interferência. Então o Brasil vai manter essa posição.

O governo Bolsonaro apoia essa posição?

Tem que apoiar. A lei é para ser cumprida. Existe uma lei.

Mas Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores [da Câmara dos Deputados] e filho do presidente, já falou sobre a hipótese de intervenção mais de uma vez…

Sim, só que tem todo um processo para isso acontecer. E o Eduardo é deputado da República. Mas a última palavra no caso é do presidente, sendo assessorado por uma série de instrumentos que existem na Constituição. Não é uma decisão monocrática.

Qual foi a reação do presidente a esse fato de hoje (ontem)?

Nós acompanhamos durante toda a manhã. Deixamos a televisão ligada e volta e meia acompanhávamos a evolução dos acontecimentos, uma evolução muito morna. Primeiro que não saía daquela imagem, e também porque nós não estamos vendo a Venezuela inteira. A Venezuela eu acho que tem 300 cidades. Aquilo ali é um pedacinho de Caracas. Aquilo não é o suficiente para te mostrar qual é a situação no país. Então a gente não tem como fazer um diagnóstico (de) qual era o grau de violência, qual era o grau de participação da população, quem era aquela população que estava ali participando ativamente das manifestações. Muito difícil avaliar. E era pouca gente para derrubar um governo. Na minha opinião ainda estava longe de acontecer.

Existe algum tipo de pressão dos Estados Unidos?

Não, nunca houve esse tipo de pressão. Participei de algumas reuniões com o pessoal da embaixada americana, fui aos Estados Unidos com o presidente e em nenhum momento houve pressão para que o Brasil interviesse militarmente nesse caso.

Como o senhor interpreta quando o presidente Trump fala que todas as cartas estão na mesa?

Eu interpreto o seguinte: todas as cartas estão na mesa do lado venezuelano. Do outro lado, se você parar para pensar, você acha que as cartas americanas estão na mesa? Não. Você acha que o poderio militar americano está na mesa? Não está na mesa, não foi colocado na mesa em nenhum momento uma ameaça de intervenção militar americana. Até o governo do Maduro se vale muito dessa possível ameaça. Hoje mesmo houve uma declaração do chefe do Estado-Maior conjunto dizendo que não vão aceitar imperialismo americano, que é uma propaganda muito antiga em relação aos americanos.

Tendo em vista essa torcida do governo brasileiro pelo sucesso do Guaidó, ficou um sentimento de decepção com esse movimento de hoje?

Se eu estou torcendo pelo Flamengo, vou para o Fla x Flu e o Fluminense ganha, lógico que me dá uma sensação de frustração. Lógico que nós estamos torcendo. Não é um problema do Maduro, o problema é a população venezuelana que nitidamente vem sofrendo, tendo o seu país derretido. E é um país rico, que já foi o país mais rico da América do Sul. A população que pode sair da Venezuela saiu, a maior parte ficou mas ficou sofrendo.

O senhor comentou mais cedo que não se sabe exatamente como tem sido a participação de Rússia, China e Cuba na ação…

A gente sabe que esses três atores estão do lado do Maduro mas com participações diferentes. É claro que do ponto de vista de política externa e de geopolítica isso é um fator de preocupação, nós somos vizinhos da Venezuela. Vamos imaginar que a Venezuela se transforme em outra Cuba, junto ao Brasil, em uma área relativamente remota, com uma fronteira bastante desguarnecida em termos de população. Isso pode se alastrar, ninguém sabe onde vai parar isso.

O quanto preocupa o governo a hipótese da transformação disso em uma guerra civil?

Muito. Porque obviamente uma guerra civil, além de todos os transtornos que ela causa, o fato de estar na nossa fronteira naturalmente você tem reflexos. O primeiro reflexo é a passagem de gente para cá. O segundo reflexo é a passagem de gente para lá, até para atuar como mercenário, coisas desse tipo. Então uma guerra civil na sua fronteira, em um país que tem uma fronteira relativamente grande com você, fatalmente tem reflexos na sua economia, na sua organização social, na geopolítica do seu país. Isso é o que mais nos preocupa.

É uma hipótese que o governo trabalha?

É claro que não é uma hipótese que seja para já. Até porque há um desequilíbrio muito grande de forças entre os dois adversários. Mas é uma das hipóteses que pode acontecer.

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