Segundo o Folha de S. Paulo, o grupo de trabalho sobre saúde da transição do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mapeia normas e orientações elaboradas na gestão de Jair Bolsonaro (PL) que podem ser revogadas.
Na lista, há políticas criadas pelo Ministério da Saúde sem o aval dos estados e municípios, além de regras que seguem bandeiras negacionistas, como de estímulo ao uso do kit Covid no combate à pandemia.
Em uma primeira análise, a avaliação é que há cerca de 60 regras que podem ser revogadas. Os textos são decretos, portarias e notas do Ministério da Saúde e de outras pastas, como o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
A equipe de transição ainda planeja nova estrutura para o ministério, com a criação de departamento de saúde mental, e mudanças no controle dos hospitais federais do Rio de Janeiro. O grupo da saúde também quer reforçar a política de produção nacional de medicamentos e insumos.
Pelo plano traçado, serão revogados decretos na primeira semana do governo, movimento que deve ocorrer em paralelo com outras áreas, como a segurança pública e o meio ambiente. Já a revisão de portarias deve constar como uma sugestão para o ministro que será escolhido para a área.
A lista deve ser apresentada em reunião interna da equipe de Lula na saúde no começo da próxima semana. Os grupos da transição têm até a próxima quarta-feira (30) para concluir o primeiro relatório, com diagnóstico preliminar dos ministérios.
O relatório final de cada grupo vai ser entregue até 11 de dezembro, apresentando a análise de ações da gestão Bolsonaro e sugestão final de revogação de normas, além de indicação das medidas prioritárias nos cem primeiros dias de governo Lula.
O “revogaço” na saúde, segundo integrantes da transição, deve simbolizar a retomada do diálogo do governo federal com os conselhos de secretários estaduais (Conass) e municipais (Conasems).
Além disso, o plano é desfazer normas e cartilhas ligadas às bandeiras conservadoras ou negacionistas de Bolsonaro, como orientações sobre saúde da mulher que atacam o aborto legal ou minimizam riscos da gravidez na adolescência; assim como textos que estimulam uso de medicamentos ineficazes contra a Covid-19.
Presidente do Conass e chefe da pasta no Espírito Santo, Nésio Fernandes disse à Folha que há seis políticas do governo Bolsonaro de maior impacto que foram implementadas sem aval de estados e dos municípios: 1) programa nacional de prevenção e detecção precoce de câncer; 2) incentivo ao aleitamento materno; 3) Cuida Mais Brasil, sobre assistência à saúde da mulher e à saúde materna e infantil, 4) Estratégia de Saúde Cardiovascular; 5) Rede Materna e Infantil; e 6) incentivo ao pré-natal odontológico.
Apenas essas políticas apresentavam orçamento de cerca de R$ 460 milhões, segundo o conselho de secretários estaduais.
O presidente do Conass afirma que a discussão entre os entes federativos sobre políticas nacionais, além de obrigatória por lei, é relevante para definir critérios de distribuição das verbas, metas e outros indicadores de cada política.
“A falta de pactuação leva as políticas ao fracasso. Estimula a fratura da unidade interfederativa”, disse Fernandes.
Os gestores locais ainda sugeriram à transição que os valores das regras feitas sem diálogo sejam realocados em outras ações, como credenciamento de equipes de saúde bucal, além daquelas que atuam em comunidades ribeirinhas.
“Existe uma cena de horror em diversas normas, especialmente sobre cloroquina, aborto legal. Precisamos focar aquilo que é urgente e que não pode esperar, em políticas que precisam ser pactuadas ou revogadas”, disse Fernandes.
A equipe de transição também quer reforçar a política de produção nacional de insumos e medicamentos, inclusive em parceria com a indústria. A leitura é de que o país não pode ficar refém da importação em momentos de crises de desabastecimento, como ocorreu na pandemia.
Nesta semana, o grupo se reuniu com representantes da indústria. Também teve conversas com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas.
O GT também vai sugerir uma nova estrutura ao Ministério da Saúde. Uma das ideias é criar o Departamento de Saúde Mental. Em entrevista à Folha, o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro havia dito que a área é prioridade do novo governo.
“O impacto sobre os transtornos mentais leves, moderados, graves, uso abusivo de álcool e drogas e tentativa de suicídio a partir da pandemia tiveram grande crescimento”, disse Chioro.
Outro plano é retirar da Secretaria Executiva da Saúde o comando dos hospitais federais do Rio de Janeiro e pôr o setor dentro da pasta que cuida das unidades em todo o país, a Secretaria de Atenção Especializada à Saúde.
A transição avalia que esses hospitais, além de sucateados, estão aparelhados por indicados de políticos bolsonaristas do Rio e por militares. A ideia é ampliar o comando do ministério sobre as unidades federais.
O grupo de trabalho avalia sugerir a criação de uma pasta específica no ministério para análise e promoção de tecnologias em saúde.
Os secretários de estados e municípios também cobraram da transição nova relação com a Saúde no governo Lula.
“O pior sentimento que pode existir é o revanchismo e saudosismo. O novo governo precisa compreender que está sendo chamado a liderar o Brasil, superar os desafios deste momento, que não são os mesmos de gestões anteriores”, disse Fernandes, presidente do Conass.
Em reunião com o GT da saúde na última quinta-feira (24), Lula disse que os primeiros cem dias de seu governo serão marcados pela recuperação das campanhas de vacinação. O presidente eleito ainda sinalizou que uma bandeira do novo governo será aumentar o acesso da população à medicina especializada no SUS.