A equipe da transição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai propor uma revisão da atuação da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal que se tornou uma das preferidas do Centrão. A empresa foi ampliada no governo de Jair Bolsonaro para atender a interesses eleitorais de parlamentares e se tornou um dos principais destinos de recursos do orçamento secreto, mecanismo usado pelo Palácio do Planalto para repassar verba a deputados e senadores em troca de apoio. Integrantes do Congresso, inclusive do Centrão, criticam a iniciativa e dizem que dificilmente o Legislativo dará aval ao enxugamento do órgão. As informações são de Geralda Doca, Patrik Camporez e Bruno Góes, do O Globo.
Membro do grupo de trabalho do Desenvolvimento Regional, o senador eleito e ex-governador do Ceará Camilo Santana (PT) critica a expansão da empresa pública para regiões sem qualquer relação com as bacias hidrográficas atendidas por ela.
— Ampliaram a área de atuação da Codevasf para atender demandas de parlamentares. Por isso, aumentaram tanto os recursos do Ministério (do Desenvolvimento Regional) com as emendas de relator (base do orçamento secreto) — disse Santana ao jornal O Globo.
Ele admite, contudo, que precisará negociar a mudança com os próprios parlamentares, num momento em que Lula tenta ampliar sua base aliada no Congresso e o PT declarou apoio à reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais caciques do Centrão.
— Qualquer mudança precisa ser discutida dentro do governo e com o Congresso, para não prejudicar a própria população.
Expansão acelerada
A Codevasf foi criada em 1974 para apoiar o desenvolvimento das regiões do Vale do Rio São Francisco. Com o passar dos anos, a companhia foi sendo ampliada e passou a abarcar regiões que estão a milhares de quilômetros do Velho Chico, com frequência para abrigar aliados de quem está no poder. A companhia opera atualmente em 15 estados, mais o Distrito Federal.
Parte relevante desse quadro foi desenhado pelo atual governo. Desde que Bolsonaro assumiu, o Congresso aprovou a criação de quatro novas superintendências da Codevasf — Goiânia, Palmas, Macapá e Natal. Dessas, três foram entregues a políticos.
Em 2020, o estado do Amapá, por exemplo, foi incorporado à área de atuação da Codevasf após articulação do senador Davi Alcolumbre (União-AP), então presidente do Senado. Já o atual diretor-presidente da estatal, Marcelo Moreira Pinto, foi indicado pelo deputado Elmar Nascimento (União-BA). Os dois estiveram com Lula nesta semana para discutir a adesão do partido ao novo governo.
Para Elmar, o plano vai de encontro ao que o próprio Congresso decidiu:
— Se foi aprovado, é porque tinha demanda. Quem vai convencer o parlamentar que pediu para incluir a voltar atrás?
Ele propõe como alternativa estabelecer um limite de quanto a companhia poderia receber de emendas, baseado em sua capacidade de executar e fiscalizar a verba.
A Codevasf é o principal braço de execução de obras e serviços do Ministério de Desenvolvimento Regional. É por meio dela, por exemplo, que parlamentares enviam recursos para compra de máquinas agrícolas, pavimentação de estradas e para o fornecimento de cisternas. Por ser uma estatal, tem regras de contratações mais flexíveis que ministérios.
Quase a metade dos R$ 3,85 bilhões que entraram no caixa da estatal em 2020 e 2021, o equivalente a R$ 1,7 bilhão (valores corrigidos pela inflação), é proveniente das chamadas emendas de relator. Neste ano, R$ 1,2 bilhão foi destinado pelo mesmo formato à estatal.
Um dos parlamentares que indicaram verbas do orçamento secreto à Codevasf nos últimos anos, o líder do PP na Câmara, Cláudio Cajado (BA), também critica a possibilidade de reduzir as atividades da empresa, que afirma ver como estratégica para o desenvolvimento de municípios do interior do país.
— A ampliação (da área de atuação) visa a cobrir vácuo em municípios que realmente precisam — afirmou.
“Desvio de finalidade”
Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), contudo, houve um desvirtuamento do órgão nos últimos anos.
— Tem um flagrante desvio de finalidade na destinação de recursos. Tem muito dinheiro para trator, muito dinheiro para asfalto sem qualidade. E falta dinheiro para segurança hídrica — afirmou o parlamentar, que também faz parte do grupo de Desenvolvimento Regional da transição.
Aliados de Lula, porém, afirmam ainda não ter definido se a Codevasf poderá ser usada para contemplar aliados. Questionado sobre a ocupação de cargos na estatal, o ex-ministro Aloizio Mercadante, afirmou que isso será discutido “numa segunda etapa”.
— No grupo de trabalho não dá para tratar de indicação. O desafio é combinar a competência política e técnica no conjunto do governo. As duas coisas precisam andar juntas. Não adianta colocar um técnico que não tem visão política. O inverso também — afirmou.
Outra proposta do grupo de trabalho do Desenvolvimento Regional envolve inverter a lógica do orçamento do órgão. De acordo com relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as 29 áreas do governo federal mais vulneráveis a fraudes e outras irregularidades, 80% dos recursos para obras são destinados a municípios que já possuem um alto nível de desenvolvimento social e econômico.
O documento, entregue à equipe de transição, cita a dependência da Codevasf das emendas parlamentares. Segundo a Corte, de 2017 para 2021, esse formato de repasse saltou de 23,75% para quase 62% da verba total do órgão.
Durante a campanha, Lula prometeu acabar com o orçamento secreto. O PT, porém, evitou votar contra o mecanismo nesta semana durante discussão do relatório do Orçamento de 2023 no Congresso.