Tanto equatorianos quanto estrangeiros têm se visto obrigados a mudar drasticamente seu modo de vida, depois de o país, que era conhecido pelas belezas naturais e relativa segurança, ter rapidamente se tornado um dos mais violentos no mundo. Neste ano, o Equador deverá chegar a 7 mil homicídios, sete vezes mais do que em 2018, segundo dados do governo.
O que vem provocando essa carnificina é a transformação do país em um ponto intermediário de conexão para o tráfico de drogas provenientes da vizinha Colômbia, onde a produção de cocaína atingiu níveis recorde. O desarmamento das guerrilhas de traficantes de drogas na Colômbia em 2016 criou um vácuo de poder e outras gangues se digladiaram para assumir o controle das rotas para o Equador, que tem centenas de quilômetros de costas desguarnecidas de controle.
As poderosas gangues locais ajudam cartéis mexicanos e a máfia albanesa a levar as drogas para consumidores nos EUA e na Europa. A polícia é mal equipada e as atenções do governo têm sido distraídas por manifestações públicas e impasses políticos no pós-pandemia.
O presidente do país, Guillermo Lasso, que em maio dissolveu o Congresso e convocou novas eleições gerais diante da possibilidade de impeachment, diz que seu governo apreendeu quantidades recorde de cocaína de grupos formados pelo que ele chama de narcoterroristas que ameaçam a democracia do Equador. Ele enviou soldados para as ruas nas cidades costeiras mais afetadas e tentou retomar o controle das prisões controladas pelas gangues.
Na semana passada, o governo Biden, diante do aumento de migrantes equatorianos fugindo da violência e da pobreza, assinou um acordo com Quito para fortalecer a cooperação no combate às atividades marítimas ilícitas, incluindo o tráfico de drogas.
Até agora, o Equador não tem conseguido conter a violência. Médicos de pronto-socorro contam sobre casos em que ficaram sob a mira de armas de criminosos para salvar comparsas baleados. Alberto Benavides, um padre católico que realiza muitos funerais de vítimas de homicídios, disse ter precisado correr para se proteger quando atiradores abriram fogo em um serviço recente.
“Não olhei para trás. Foi traumático”, disse. “Há tanta tristeza em ver mães tendo que enterrar seus filhos.”
Na semana passada, o governo ordenou a volta das aulas virtuais para milhares de crianças de Guayaquil, maior cidade do país, diante das preocupações dos pais com a violência das gangues nas escolas. Alguns professores receberam mensagens por WhatsApp em que os autores diziam ser de uma das maiores gangues equatorianas e ameaçavam sequestrar alunos se não lhes pagassem dinheiro. “Temos pessoas dentro da escola”, dizia uma mensagem, acompanhada de fotos de armas.
Mesmo com proteção policial, Ruben Balda, o promotor encarregado de combater o crime organizado na cidade litorânea de Manta, sente-se em perigo. Recentemente, uma cabra decapitada foi deixada do lado de fora de seu escritório. Da última vez que isso aconteceu, outro promotor foi baleado.
Com o país caminhando para ter uma taxa de homicídios maior que a das violentas Venezuela e Honduras, Balda toma suas precauções. Estantes de madeira cobrem as janelas de seu escritório para evitar a possibilidade de que atiradores do lado de fora tentem atingi-lo. Ele evita pegar o mesmo caminho para o trabalho e para casa. Sua família raramente sai.
“Meus filhos não podem brincar no parque, eles não vão a aulas de futebol ou música”, disse. “Nunca vamos a eventos sociais.”
Conseguir impor condenações não é fácil, mesmo com o apoio que Balda recebe de agências da lei americanas. Em dezembro, um tribunal equatoriano absolveu 18 réus, alguns deles proprietários de embarcações acusados de usar grandes navios para reabastecer botes de alta velocidade carregados de cocaína.
“Foi uma mensagem terrível para nossos cidadãos e para os criminosos”, disse Balda sobre a decisão. “Você se sente impotente. Além de termos dedicado muito tempo ao caso, também confrontamos pessoas com muito poder econômico, e isso coloca nossas vidas em risco.”
Eleições
A onda de violência que assola o Equador se dá enquanto o país se prepara para o segundo turno das eleições presidenciais, em 15 de outubro. O favorito Daniel Noboa, filho de um dos homens mais ricos do Equador, promete militarizar as fronteiras pouco controladas do Equador e transformar navios em prisões, posicionando-os no Pacífico. Também promete gerar empregos e melhorar as escolas, para reduzir a pobreza e enfraquecer a capacidade das gangues de recrutar jovens.
“Estamos vivendo uma guerra interna”, disse Noboa, que faz campanha com colete à prova de balas.
Em dezembro de 2020, um matador de aluguel colombiano entrou em um shopping de alto padrão, em Manta, e disparou oito tiros em Jorge Luis Zambrano, líder da poderosa gangue Choneros, que a polícia diz estar aliada ao Cartel de Sinaloa, do México.
A polícia sustenta que o homicídio foi encomendado por um cartel rival do Sinaloa no México, o Jalisco Nova Geração, e que isso desencadeou a escalada da violência no Equador, já que os Choneros perderam seu monopólio sobre as rotas de drogas e agora enfrentam outras gangues na disputa pelo território.
“O Equador foi pego desprevenido”, disse Mike Vigil, ex-chefe de operações internacionais da Agência de Vigilância Antidrogas dos EUA (DEA, na sigla em inglês). “Eu não acho que ninguém esperava realmente essa situação.”
Agora, em cidades litorâneas como Manta, reduto dos Choneros, a polícia diz que surgiram “casas seguras” para matadores. Os assassinos só saem para matar e, depois, incendeiam seus veículos de fuga, de acordo com o chefe de polícia de Manta, Luis Cano.
“Eles são invisíveis”, disse em entrevista.
Cano acrescentou que o litoral do Equador ficou desguarnecido após a decisão do país, em 2009, de encerrar os voos americanos de fiscalização a partir de uma base aérea em Manta. “Não há nenhum controle”, disse. “É por isso que somos cobiçados pelos traficantes de drogas”.
As onipresentes gangues criam pequenas atividades comerciais ligadas ao tráfico de drogas. Aqui, nesta região de praias de areia branca, os pescadores de Jaramijó, perto de Manta, que costumavam viver da pesca de bonitos, agora usam suas pangas — barquinhos de motores lentos — para transportar drogas para o norte.
Uma tripulação de três pessoas pode ganhar US$ 150 mil transportando cocaína pelo mar. Vão mais ao norte das famosas Ilhas Galápagos até pontos de entrega perto da América Central e do México, segundo a polícia. É muito dinheiro para pescadores que vivem em casas pequenas com telhados de zinco e costumavam ganhar US$ 20 em um bom dia de pesca.
“Passamos muita necessidade, e não tenho vergonha de dizer que há dias em que deitamos sem comer nada porque não temos dinheiro”, disse uma mulher de 64 anos em Jaramijó, cujo filho foi preso por tráfico de cocaína em seu barco.
Os pescadores que tem sucesso no tráfico de cocaína passam a gastar em carros novos e festas, diz a polícia. No submundo do crime ao qual eles se juntam, no entanto, sempre há riscos: as gangues os sequestram e forçam alguns deles a entregar seu dinheiro.
Firmas de segurança tiveram crescimento nos negócios, uma vez que os mais ricos contratam guarda-costas e blindam seus veículos. Uma empresa criou um dispositivo que permite aos motoristas disparar uma fumaça cinza de seus veículos, ganhando tempo para escapar de sequestros de carros.
“É como levar areia no rosto”, disse Jhon Molina, que desenvolveu o sistema com seu pai, depois de um parente ter sido roubado a mão armada em Guayaquil, que é patrulhada por soldados.
Jess Wiseman, natural de Nova Orleans, mudou-se em dezembro para a popular cidade litorânea de Salinas, a mais de 100 quilômetros ao norte de Guayaquil, com planos de abrir uma destilaria. Ele havia lido que o Equador era um dos lugares mais seguros da América Latina.
“Eu estava pegando informações defasadas quando fiz minha pesquisa”, disse.
Ao chegar, ficou sabendo da onda desenfreada de casos de extorsão de empresas. Poucos meses depois, o dono de um restaurante italiano em Guayaquil foi sequestrado em plena luz do dia. Ele foi libertado seis dias depois, mediante o pagamento de resgate, segundo o empresário.
“Tudo o que estou vendo agora é que a violência duplicou nos últimos seis meses”, disse Wiseman. “É muito perturbador”
Há poucos dias, Wiseman se mudou para Medellín, a cidade colombiana que já foi a capital mundial dos assassinatos.
Violência em Guayaquil
Guayaquil, cujo porto é usado para transportar cocaína, é o epicentro da violência no Equador. A província de Guayas, onde Guayaquil está localizada, deverá fechar o ano com mais de 3 mil assassinatos, em comparação aos 291 de 2018, segundo dados do governo.
No cemitério Ángel María Canales, os corpos dos jovens dos bairros pobres são colocados em pilhas de até dez sepulturas de concreto.
Entre elas está a do filho de Ana Morales, Miguel.
O jovem de 23 anos cumpria uma sentença de três anos por roubo na célebre Penitenciária Litoral quando foi uma das vítimas do massacre de setembro de 2021 que deixou 122 detentos mortos. Morales correu para a prisão e pôde ver o corpo do filho quando um parente de outro detento fez uma videochamada e mostrou-lhe imagens dos mortos dentro da prisão.
“Imagine a dor”, disse Morales. “Para uma mãe ver seu filho ali, desmembrado.”
Morales disse que o filho e outros detentos foram mortos porque não queriam se juntar a uma das gangues que disputam o controle das prisões, a partir das quais os líderes de gangues presos continuam chefiando o tráfico e a extorsão e ordenando os homicídios, segundo as autoridades. Ela agora lidera um grupo de parentes que exige melhores condições nas prisões e que haja justiça para os responsáveis pelos que morreram atrás das grades.
A violência nas prisões rapidamente se espalhou para as ruas de Guayaquil e alcançou instituições que não estavam acostumadas a lidar com assassinatos.
Há dois anos, alguns homens armados invadiram a sala de emergência de um hospital público em Guayaquil, onde o doutor Danilo Dávila tentava salvar pacientes com ferimentos à bala, incluindo um chefe do crime local.
De bonés de beisebol e capuzes, os bandidos apontaram as armas a Dávila e disseram que salvasse seu líder, ou então…
“Eu disse a eles, ‘Calma, vamos fazer nosso trabalho, apenas deixem-me dar uma olhada nele’”, disse Dávila. “Mas ele já tinha partido.”
Eles não fizeram nada contra Dávila. Mas pouco depois, assassinos entraram em outro hospital para matar um homem que havia sobrevivido a uma tentativa de homicídio. Eles pulverizaram o quarto com seus disparos. Mas o homem havia sido liberado horas antes. Outro paciente, uma mulher, que acabara de ser acomodada, foi morta, segundo a polícia.
“Foi nesse momento que percebi que as coisas estavam ficando realmente ruins, que estavam fugindo do controle”, disse Raúl Alcívar, diretor do Hospital Alcívar, de capital privado.
Ele começou a preparar a sala de emergências do hospital, antes reservada principalmente para tratar vítimas de acidentes de carro, para o caos que estava por vir. Adotou os protocolos de segurança usados nos hospitais do violento Estado de Sinaloa, no México, como a proibição de acesso ao hospital depois da chegada de vítimas de disparo.
O hospital instalou portas à prova de balas e contratou uma equipe de segurança com coletes à prova de balas. A equipe trocou os cacetetes por pistolas Glock 9 mm. Em 2022, o hospital recebeu 160 pacientes com ferimentos a bala. Antes da pandemia, a média era de 15 por ano.
Em junho, um homem que havia tomado cerca de meia dúzia de tiros chegou ao hospital. A equipe médica testemunhou enquanto a gangue dele montava seu próprio perímetro de segurança para evitar outro ataque. Um utilitário esportivo preto estacionou na esquina. Outros veículos ficavam rondando o hospital. Um drone sobrevoava o local. O paciente, líder de uma gangue, sobreviveu.
No fim de agosto, dois irmãos chegaram depois de serem baleados por uma gangue rival, a um quarteirão do hospital. Os dois morreram, segundo o hospital.
“Havia muitos ferimentos internos”, disse Dávila, que agora chefia a sala de emergência do Hospital Alcívar. “Quem sobreviveria depois de ser baleado mais de dez vezes?