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Estátuas cobertas com máscaras em uma rua de Pequim com os estabelecimentos fechados.Kevin Fraerayer (GETTY IMAGES)
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sábado 8 de fevereiro de 2020 às 17:23h

Epidemia do coronavírus já causou mais de 700 mortes na China

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“A última vez que tanta gente ficou desperta foi em 1989″, escreveu um usuário do Weibo na noite de quinta-feira, enquanto se aguardavam as notícias sobre a saúde do médico Li Wenliang, o oftalmologista que contribuiu para dar o alarme sobre a epidemia de coronavírus na China.

Segundo reportagem do jornal El País, para que não restassem dúvidas sobre a alusão, incluía uma foto das manifestações de Tiananmen naquele ano, uma mensagem que a censura se encarregou de bloquear em poucas horas. A morte do médico, finalmente confirmada nas primeiras horas desta sexta-feira (tarde de quinta-feira no Brasil), desencadeou uma onda de mensagens de ira e mal-estar dos cidadãos sobre a gestão da crise, a coisa mais próxima de um protesto generalizado vivido na China em anos.

O número de mortos chegou a 723, depois que a Comissão Nacional de Saúde recebeu a notificação, neste sábado, de 86 novos óbitos. Um cidadão norte-americano morreu em Wuhan, o foco da epidemia, em consequência da doença, segundo confirmou a Embaixada dos Estados Unidos em Pequim, no que parece ser a primeira morte de um estrangeiro em solo chinês pela infecção. “Podemos confirmar que um cidadão norte-americano de 60 anos de quem se sabia ter confirmado que era portador do coronavírus morreu em um hospital de Wuhan, na China, em 6 de fevereiro”, disse um porta-voz. “Prestamos nossas mais sinceras condolências à família”.

Fotos. Obituários. Imagens de velas. A melodia de Do You Hear the People Sing, a canção do musical Os Miseráveis que os protestos de Hong Kong transformaram em hino da vontade popular. Durante toda a noite, as redes sociais chinesas se dedicaram a um único tema: a homenagem ao médico forçado a pedir desculpas por dizer a verdade e a desconfiança em relação às autoridades que a ocultaram. Somente no Weibo, o Twitter chinês, se acumularam mais de 1,1 bilhão de comentários. A hashtag “Quero liberdade de expressão” recebeu quase dois milhões de comentários. “As autoridades de Wuhan devem um pedido de desculpas ao dr. Li”, outra hashtag popular, tinha dezenas de milhares. Ambas foram eliminadas em algumas horas.

Foi uma avalanche sem precedentes. Embora tenha havido em outras ocasiões desastres que atraíram a atenção dos internautas –o terremoto de Sichuan em 2008, o acidente de dois trens de alta velocidade em 2011–, estes foram acontecimentos pontuais que afetaram apenas uma região. Agora, quase a totalidade do 1,4 bilhão de habitantes do país mais populoso do mundo está em quarentena total ou parcial, o que afeta o cotidiano de cada um deles e os deixa com muito tempo em mãos. A paralisia quase total da atividade econômica e a suspensão por tempo indeterminado das aulas deixaram centenas de milhões de pessoas sem muito mais entretenimento do que navegar na Internet. E indignadas com o que descobriram sobre como foi manejada a crise que causou até agora a morte de 600 pessoas e infectou mais de 34.000.

“Duas coisas ficaram claras com a morte do dr. Li. Que a sociedade chinesa deseja poder se expressar e ela não pode ser ignorada. E que, com sua morte, o médico que já alertou uma vez sobre o que estava acontecendo voltou para dar outro aviso. Esperamos que desta vez seja ouvido”, disse a internauta “Lin” em um comentário nas redes sociais.

É difícil dizer se o descontentamento irá além disso ou, uma vez expresso, a opinião pública vai virar a página. O Governo chinês, é claro, está alarmado. O presidente do país, Xi Jinping, já havia liderado no domingo passado uma reunião do Comitê Permanente do Politburo, o principal órgão de comando do Partido Comunista, no qual declarou que o controle da epidemia “é um teste fundamental para o sistema da China e sua capacidade de governar”. Controlar a mensagem, insistiu, era uma das prioridades. Era preciso fortalecer o controle da mídia e da Internet.

Na terça-feira, o Ministério da Segurança Pública enfatizou em uma reunião que “a prioridade deve ser a segurança política”. “Devemos tomar estritas precauções e combater todos os tipos de atividades prejudiciais por parte de forças hostis, internas ou externas”, declarou o ministro da Segurança, Zhao Kezhi, na reunião, conforme citado pela mídia oficial chinesa.

A reação das redes à morte do médico parece ter convencido Xi da necessidade de acelerar essas medidas. “As informações sobre a morte de Li, verdadeiras ou não, estão cristalizando uma fúria e uma frustração profundas”, escreveu em seu blog, o Sinocism, o prestigiado comentarista de assuntos chineses Bill Bishop, nas horas em que se esperava a confirmação da morte. “O contrato social do Partido com o povo –garantir o bem-estar popular e proporcionar crescente prosperidade econômica– está sofrendo tensões em nível nacional de uma maneira que não me lembro nas últimas décadas.”

O Governo chinês reagiu com rapidez. Depois de algumas horas em que –seja para deixar que a opinião pública desabafasse seja por não conseguir dar conta– a censura se mostrou relativamente permissiva, nesta sexta-feira era difícil encontrar no Weibo outras manifestações que não fossem de simples dor ou de críticas à polícia local que silenciou o médico. As mensagens de fúria ou que pediam explicações às instâncias mais altas de poder tinham desaparecido.

Ao mesmo tempo, as autoridades se somaram às declarações públicas de condolências. Em sua conta no Twitter, o porta-voz adjunto do Ministério das Relações Exteriores, o diplomata Zhao Lijian, afirmou que “Li Wenliang será lembrado por todos nós. Nós lhe devemos um grande agradecimento. Descanse em paz”.

O Governo chinês também anunciou o envio a Wuhan de uma delegação de inspetores da todo-poderosa Comissão Nacional de Supervisão, o mais alto órgão disciplinar para autoridades e funcionários públicos chineses. Sua missão, como explicou o Diário do Povo, será “examinar de maneira exaustiva os problemas relatados pela população sobre o caso do médico Li Wenliang” e por que ele não foi ouvido quando começou a alertar que haviam sido detectadas em seu hospital vários pacientes com um vírus semelhante ao da SARS, que matou quase 800 pessoas em todo o mundo em 2003.

É uma medida aparentemente destinada a acalmar os ânimos da sublevada opinião popular. Mas também a marcar distâncias entre o Governo central, que tenta cercar todas as suas ações nesta crise com uma aura de eficiência, e algumas autoridades locais que, desde que se conheceu o verdadeiro alcance desta crise se dá como certo que estão com os dias contados em seus cargos.

Enquanto isso, em Wuhan, soava outro alarme. Os amigos e familiares do advogado e jornalista independente Chen Qiushi, 33 anos, que faz coberturas de assuntos públicos e desde o início publicou vários vídeos sobre a situação nos hospitais desta cidade foco da epidemia, denunciaram que não conseguem localizá-lo desde quinta-feira.

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