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terça-feira 19 de novembro de 2024 às 17:00h

Entrevista: ‘O MDB não tem dono, mesmo que seja prefeito de São Paulo’, diz Renan Calheiros

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Um dos principais caciques do MDB e aliado do presidente Lula da Silva (PT), o senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirma que o candidato da sigla em 2026 deve ser decidido no voto, em convenção partidária. Diante do fortalecimento da ala de oposição ao governo na legenda, em especial após a reeleição do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, Renan cita o histórico emedebista de divergências para enviar um recado. “O partido não tem senhorio, não tem dono, mesmo que seja prefeito de São Paulo”, frisa em entrevista a Victoria Abel, do O Globo.

Em seu quarto mandato no Senado, Casa que já presidiu por duas vezes, Renan descarta uma aliança eleitoral com seu arquirrival em Alagoas, o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e diz que ele em breve sentirá o que é ficar sem poder. “A piada que ele costumeiramente conta não será mais engraçada como antes”, ironiza. Articuladores políticos do governo tentam costurar um acordo para que os dois conquistem as duas vagas de senador que serão abertas em 2026, sem que haja disputa.

Diante do ataque de um homem-bomba ao Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada, o senador critica o que chama de sucateamento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que mais uma vez falhou ao não identificar a nova ameaça. “Ela (a agência) é pouco mais que um centro de arapongagem e bisbilhotismo político”, afirmou o emedebista, que preside a comissão do Congresso responsável por fiscalizar a atividade de inteligência no país.

A principal vitória do MDB neste ano foi em São Paulo, com Ricardo Nunes, aliado do governador Tarcísio de Freitas e do ex-presidente Jair Bolsonaro, adversários de Lula. Qual caminho o partido vai tomar em 2026?

O MDB é um partido que tem traço de frente partidária desde a fundação, tem divisões históricas, mas convivemos muito bem com a divergência. Se há uma verdade dentro dessa diversidade é que o partido não tem senhorio, não tem dono. Mesmo que seja prefeito de São Paulo. Nunes precisa entender que ele se tornou uma estrela do partido, ele está na vitrine, mas ao mesmo tempo também está à beira do precipício, porque é um lugar extremamente difícil de estar. O partido costuma tomar as suas decisões em convenção, democraticamente. Inevitavelmente, em 2026, a posição do partido será decidida no voto, como sempre foi.

O senhor acredita que Bolsonaro pode reverter a inelegibilidade e ser candidato?

Ele não se tornou inelegível agora. Quem o tornou inelegível primeiro foi o povo brasileiro, a democracia. Foi o primeiro presidente da República que não se reelegeu apesar de ter estourado o orçamento. As pessoas que convivem com Bolsonaro já não o suportam mais. Ele não vai superar a inelegibilidade. Eu acho que essa eleição demonstrou uma divisão da direita, que hoje é composta de vários segmentos. Vamos ter muita confusão no próximo ano no campo da direita para saber quem vai se candidatar.

Em relação a Alagoas, qual a chance de o senhor fazer um acordo com Arthur Lira (PP-AL), seu adversário, para uma candidautra dupla ao Senado?

O Arthur vai precisar comer muito sal ainda para virar senador por Alagoas. Essa possibilidade de acordo não está na ordem do dia. Eu queria lembrá-lo que eu já deixei em duas oportunidades a presidência de um poder e sei como a banda toca. Daqui uns três meses, ele vai ver que a mesma piada que ele costumeiramente conta, não será tão engraçada quanto antes. Ele vai ver que tem muito mais adversários do que os adversários do seu estado. Quando ele chegar nesse ponto, ele estará preparado para olhar para as coisas sob outra perspectiva.

A esquerda teve um desempenho fraco nas eleições municipais. Ao que o senhor atribui o resultado?

A esquerda não pode trocar agendas prioritárias por agendas secundárias, identitárias, meramente de costumes. No Brasil, não podemos deixar que essa agenda do progressismo importado seja colocada no lugar da agenda de proporcionar melhorias de condições de vida ao povo. Ser progressista no Brasil é o povo poder comer, ter casa, saúde, emprego, dignidade, é a escola oferecer um futuro para quem é pobre, igualdade e saneamento básico. Os progressistas não estão conseguindo avançar nisso.

Como vê a discussão sobre cortes de gastos no governo?

Acho que preciso fazer o ajuste fiscal, com um corte de gastos justo. Não dá para transferir da conta para o mais pobre. Eu não vejo o presidente cortando do BPC, acabando com a valorização do salário mínimo.

E o senhor acredita que Lula terá sucesso em aprovar a pauta econômica no Congresso ou terá que dialogar com os parlamentares?

Eu acho que essa interlocução pode ser aprimorada. Mas não dá para você dizer o que é para o presidente da República fazer ou não. Isso fundamentalmente vai depender de iniciativa dele, espero que ela aconteça.

Como o senhor viu o projeto que prevê mudanças nas emendas aprovadas nas semana passada?

Acho que é insuficiente e não contempla a Constituição. Ele deveria assegurar princípios constitucionais de transparência, publicidade e equidade na distribuição de emendas. Eu sou contra um parlamentar ter poder superior a dos outros parlamentares. Isso retira a igualdade. Eu sempre fui contra ao orçamento secreto, emendas de relator e as emendas de comissão. Não adianta termos pressa se estamos indo para o lado errado.

O MDB é um dos poucos partidos a ainda não ter anunciado apoio a Davi Alcolumbre (União-AP) na eleição do Senado. Vai apoiá-lo?

Nós estamos conversando. Eu não vejo nenhuma dificuldade em um apoio ao Davi. Eu entendo que nós precisamos ter compromissos políticos, na defesa da democracia, na defesa da Justiça Eleitoral. O que acaba sendo o oposto do que provavelmente foi conversado com Bolsonaro. Se for o caso do apoio, vamos apresentar uma carta de compromissos que é o que nós costumamos fazer.

Na semana passada um homem lançou bombas contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Ao mesmo tempo, a Câmara discute uma anistia aos condenados pelo 8/1. O senhor acredita que esse projeto pode avançar?

Acho que não. Ações contra a democracia são ações terroristas e não têm prescrição. A Constituição equivale esses crimes a crimes hediondos. A democracia continua sob ameaça. Não havia esse tipo de coisa antes de Bolsonaro. Não havia pedido de golpe, intervenção militar, fechamento do Supremo, Congresso Nacional. Agora, temos até kamikazes do bolsonarismo.

O senhor preside a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, mas pouco foi feito para avanços de investigações da Abin. Por quê?

A Comissão do Senado não tem estrutura para fiscalizar a Abin, não pode obrigar o repasse de documentos. A Abin precisa passar por uma reformulação, e isso passa pelo executivo. A Abin está muito longe de ser uma agência de inteligência. Ela é pouco mais que um centro de arapongagem e bisbilhotismo político.

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