Líder do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Congresso, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) diz que a gestão Lula enfrenta turbulências na relação com o Parlamento mais por falta de “clareza” nos planos do que por deficiências de articulação política. O parlamentar disse em entrevista a Camila Turtelli, do O Globo, que a atual oposição no Senado já conquistou uma envergadura neste primeiro ano que os opositores à antiga gestão só alcançaram no fim do mandato e prevê que as eleições municipais vão reproduzir o embate entre petismo e bolsonarismo. “Vai ser muito acirrada, mas a tendência dos partidos do centro é caminhar mais ao lado do PL”.
O governo Lula teve uma relação conturbada com o Congresso no primeiro ano. Há erros na articulação com o Congresso?
Não é nem a articulação com o Congresso. Esse ano foi de ajuste, composição. Ainda não há clareza com relação aos planos do governo. Talvez seja essa a maior dificuldade. Mas todo o governo, quando começa, tem essa fase de adaptação. Também encontrou um Congresso com uma característica marcante de centro. No caso do Senado, até de centro direita, uma composição mais conservadora. Há uma mudança completa da forma de governar. Isso leva tempo.
Mesmo nesse Congresso de maioria conservadora, a oposição não conseguiu evitar vitórias do governo Lula, como a indicação do ministro Flávio Dino ao STF, por exemplo. Haverá mudança de estratégia em 2024?
Não. O placar do Flávio Dino foi quase idêntico ao placar do André Mendonça, com a diferença de um voto só. Se for considerar entre derrotas e vitórias, o importante é que a oposição votou muito forte. Convenceu votos em matérias fundamentais, como a derrubada do veto do marco temporal e da desoneração. A oposição a Bolsonaro só conseguiu esse placar em torno de 33 e 34 votos no Senado no último ano. A oposição atual conseguiu esse número no primeiro ano.
Há algum paralelo entre as dificuldades de Bolsonaro com o Congresso no início do mandato e esse primeiro ano do Lula?
O presidente Bolsonaro atendeu muitos parlamentares pelo fato de ter sido deputado por 28 anos. O número de atendimento a parlamentares é no mínimo cinco vezes maior do que qualquer outro presidente da República.
Isso produziu resultados?
Sim. Mesmo com todas as medidas de restrição, dificuldades do enfrentamento da pandemia, houve nesse período recente a maior aprovação de reformas desde a redemocratização.
O governo Lula já procurou o senhor para conversar?
Não. Mas eu tenho conversas permanentes (no Congresso), porque fui líder durante três anos e três meses e, em várias votações, tive o apoio dos parlamentares da oposição à época. É natural que eu tenha um bom relacionamento com os líderes do governo. Nem todos os parlamentares são extremados. Existem os que trabalham num campo de convergência. É o meu perfil.
O cenário político hoje é o mas acirrado que o senhor já presenciou?
Desde a redemocratização, tivemos algumas eleições acirradas, mas, quando elas terminavam, a pressão tendia a diminuir. Agora não. É um fato inédito. Vivemos uma eleição que terminou há um ano e, no dia a dia das pessoas, da agenda política da população, ela continua. É como se a gente pudesse ter uma votação no domingo que vem e os dois candidatos estariam em condições eleitorais. Não tem como ter ciência total sobre um fenômeno que não foi estudado ainda. Essa circunstância responde pelo nome do Lula, que está na Presidência, e pelo do Bolsonaro, que está na rua.
Mas inelegível…
Sim, mas o Lula já esteve inelegível. O problema é que tudo que você vai questionar sobre Bolsonaro, para a população, funciona como um estímulo a mais para mantê-lo vivo politicamente.
Isso vai reverberar nas eleições municipais do ano que vem?
Não tenho a menor dúvida. A eleição vai ser muito acirrada. O resultado vai ser bem dividido, mas majoritário ao campo da oposição. A tendência dos partidos do centro é caminhar mais ao lado do PL.
Vê espaço para candidaturas alternativas em 2026?
A influência será dos candidatos ligados ao governo e dos vinculados ao Bolsonaro. Não tem terceira via. É um lado ou outro. As alternativas não conseguem consistência eleitoral.
Qual é o futuro do bolsonarismo?
Questionamento, autocrítica e avanço nas coisas que a população sente falta. O campo da direita já deixou claro que tem força. Com alguma autocrítica e estratégia pra novos projetos, fica absolutamente competitivo.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que um dos projetos prioritários para ele ano que vem é o que cria mandato para os ministros do STF. O senhor é a favor?
Sou a favor de uma revisão completa dos mandatos. Defendo cinco anos para senador e deputado federal. Não sei exatamente os prazos para o Supremo, mas é uma discussão válida. Um dos grandes problemas pela indefinição de rumo de governo é porque eu sempre tenho a sensação de que o tempo do mandato do Presidente da República está errado. Deveria ser cinco anos sem reeleição, porque você passa praticamente um ano cuidando de eleição municipal e da própria reeleição.
Sobre a sucessão do Senado, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) já pediu votos para o senhor?
Acho que ele nunca deixou de pedir.
Tem a possibilidade de o Senado ter um candidato único, ou seja, uma aliança com a oposição?
Isso vai depender do reestabelecimento do ambiente. Depende muito da época. Vou me comportar de acordo com meu partido nesse tema.