Siglas do Centrão que deram sustentação política ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pouco mudaram seu comportamento na Câmara neste ano após trocar de lado e aderir ao atual governo, de Luiz Inácio Lula da Silva.
Levantamento de Camila Turtelli, do jornal O Globo, mostra que, em média, 55% dos deputados do PP se alinharam ao Palácio do Planalto em votações da Casa em março, quando ainda não integravam a base aliada. Já em dezembro, três meses depois de assumir um assento na Esplanada dos Ministérios, esse índice foi de 53%. Já no Republicanos o índice foi de 57% para 55% no mesmo período.
Os dados, segundo aliados do governo, demonstram que apesar de Lula ter conquistado vitórias importantes na área econômica ao longo do ano, como a aprovação do novo arcabouço fiscal e da histórica Reforma Tributária, ainda não consolidou uma base ampla em sua terceira passagem pela Presidência. A avaliação é que, mesmo tendo entregue ministérios ao Centrão, o governo continua a ter de negociar “no varejo” o apoio a cada projeto de seu interesse.
Parlamentares do Centrão que defendem a participação dos partidos no governo afirmam que a conta não deve ser feita de forma proporcional ao tamanho das siglas no Congresso, mas sim em números absolutos. Ou seja, na visão desses congressistas, o governo deve levar em consideração que o PP, com 50 deputados, e Republicanos, com 41, estão entregando mais da metade de votos. O apoio, contudo, segue o mesmo após a entrada de Silvio Costa Filho (Republicanos), na pasta de Portos e Aeroportos, e de André Fufuca (PP), no Esporte.
E, embora “neo aliados”, PP e Republicanos apresentaram índice de governismo semelhantes com os registrados por siglas que ocupam ministérios desde o início do mandato, como União, PSD e MDB. Com três ministérios cada um, os partidos chegaram a ser cobrados pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), a entregar até 80% dos votos, o que ficou longe de acontecer.
“Momento da cobrança”
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirma que o governo teve apoio em “matérias viscerais”, como a Reforma Tributária, e defende mais tempo para avaliar a participação dos partidos que conseguiram ministérios na base aliada. Ele não descarta que Lula chame líderes dessas siglas para cobrá-los.
— Essas avaliações o presidente vai fazer talvez como uma trajetória mais larga que essa (três meses). Não há dúvida que o presidente vai chamar as pessoas para conversar. E aí tem o momento do convite e tem o momento da cobrança — afirmou Wagner.
O senador baiano, um dos políticos mais próximos do presidente da República, aponta o que chama de “anomalia no sistema” na relação do Executivo com o Legislativo causada pela queda de braço pelo controle do Orçamento da União. Ele afirma que Lula entende o novo funcionamento do Congresso, mas não gosta.
Uma das reclamações de parlamentares ao longo do ano foi que faltou articulação do governo com o Congresso, o que resultou em menos apoio. Entre as queixas estão pouca atenção dada por ministros a deputados e senadores, com dificuldade de serem recebidos, e negligência com projetos e iniciativas dos congressistas.
O governo chegou a ser alertado sobre essas questões desde o início do ano, principalmente durante a votação da medida provisória da reestruturação dos ministérios, considerado o primeiro teste de fogo do Planalto no Legislativo. A MP passou, mas após várias concessões feitas pelo governo.
Parlamentares citam ainda a polarização eleitoral registrada em 2022 e questões regionais do país como fatores que influenciam a adesão maior de siglas do Centrão ao governo.
— Existe uma questão ideológica, por exemplo, de deputados do Sul que são desalinhados com o PT e têm uma clara opção de fazer oposição. Mas isso não significa que eles não voltarão em matérias que tenham o interesse do país, como foi a Reforma Tributária e outas medidas da área econômica — afirmou o deputado Cláudio Cajado (PP-BA).
Cajado foi relator do arcabouço fiscal, um dos principais projetos do governo, aprovado em maio desse ano com o forte engajamento dos partidos do Centrão, com 372 votos favoráveis e 108 contrários. O PP deu 40 “sim” e apenas 7 “não”.
Apoio condicional
O mesmo cenário se repetiu na aprovação histórica da Reforma Tributária no dia 15 de dezembro na Câmara. A proposta, discutida há mais de 40 anos no Congresso, se tornou prioridade na atual gestão do Executivo e teve amplo apoio da cúpula da Câmara e do Senado.
Na votação em primeiro turno, todos os partidos da base aliada votaram em maioria a favor do projeto, como MDB, PSD, PP e Republicanos. Por outro lado, o governo teve algumas abstenções de partidos mais próximos ideologicamente, como o PSOL: três deputados da sigla optaram por não votar. PT, PSB e PDT, entretanto, foram unânimes na aprovação do projeto.
Do outro lado, Cajado ressalta que matérias que envolvem, por exemplo, interesses do agronegócio contrários aos do governo, vão seguir o caminho oposto. Um exemplo é a questão do marco temporal, em que até mesmo o ministro da Agricultura Carlos Fávaro (PSD) voltou ao Congresso como senador para ajudar a derrubar o veto de Lula.
A derrubada do veto pelo Congresso Nacional, no início do mês, contou com a participação da maioria dos deputados e senadores da base. Os partidos de Centrão e do centro com cargos na Esplanada dos Ministérios deram apenas 24 votos para o governo e 183 contrários. Essa conta leva em consideração União Brasil, Republicanos, PSD, PP e MDB.
Já no Senado, União, Republicanos e PP foram unânimes na derrubada do veto. MDB e PSD, entretanto, se dividiram. Na primeira sigla, 4 votaram para derrubar o veto e 3 votaram contra. No PSD, foram 8 votos contra o veto e cinco a favor.
— Não há mais uma relação em que o Executivo consegue ditar as regras de maneira tão forte quanto fazia isso nos dois primeiros governos Lula. Depois que Lula saiu da Presidência, em 2010, muita coisa aconteceu nesse país, como a própria mudança do orçamento impositivo. São questões que levaram a um enfraquecimento do poder de agenda e acabaram por determinar esse novo normal nas relações entre os dois poderes— disse o cientista político Leandro Consentino, do Insper.