A taxa básica de juros (Selic) a 13,75%, a autonomia do Banco Central e a rixa Lula versus Campos Neto ganharam novamente destaque ontem (14), quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou que a meta de inflação para 2023 não está na pauta do Conselho Monetário Nacional (CMN). Uma reunião do Conselho está prevista esta quinta-feira (16), diz Edda Ribeiro, da revista IstoÉ Dinheiro.
O Conselho Monetário Nacional é o órgão superior do Sistema Financeiro Nacional e é responsável por formular a política da moeda e do crédito, objetivando a estabilidade da moeda e o desenvolvimento econômico e social do país. Sua composição atual é formada pelo ministro da Fazenda; pela ministra do Planejamento, Simone Tebet; e pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto.
A meta de inflação é definida pelo CMN. Apesar da independência do Banco Central, existe um debate em que o governo tende a influir de maneira preponderante nas metas econômicas de forma geral, não só da inflação. Por exemplo, discutir questões de depósitos dos bancos, equações monetárias, endividamento do Tesouro, entre outras.
“As reuniões não são públicas, mas pelas atas, supõe-se que existem análises de indicadores macroeconômicos combinados, que levam em conta o endividamento em relação ao PIB, funcionamento do mercado de créditos, ou seja, fatores que sinalizam o comportamento futuro da economia brasileira e dentro desse contexto que as metas da inflação são fixadas”, explica Gilberto Braga, economista e professor do Ibmec RJ.
O contexto explica por que Campos Neto não pode ser acusado de ter tido iniciativa individual de elevar a meta de inflação, já que não é uma decisão individual. Da mesma forma, é discutível considerar o Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, o grande responsável pelo fato de a Selic estar nas alturas, já que os economistas da autoridade monetária trabalham em cima da meta da inflação para definir a axa básica de juros, instrumento fundamental de combate à alta dos preços.
Como são definidas as metas de inflação?
Dentre as atribuições do Conselho, são discutidas as metas de inflação, já que o CMN é responsável por definir essas metas. “A ideia é ancorar as expectativas dos agentes econômicos, uma vez que esperam a inflação a ser anunciada, e assim fique mais fácil para a política monetária atingir seus objetivos. Se observa a meta de inflação anunciada, ajustam-se os contratos seguindo essa meta, e essa inflação de fato ocorre”, explica Renan Pieri, professor de Economia da FGV EAESP.
Quando se baixa juros em contexto em que a taxa de juros já está em nível considerado neutro – que garante o funcionamento da economia a pleno emprego – se estimula a economia: mais dinheiro na mão das pessoas, mais consumo e mais investimento das empresas. Consequentemente, conforme explica o professor da FGV, com mais pessoas comprando ou investindo, se tem aumento dos preços. “Existe uma associação de redução de juros e inflação em contexto em que a taxa está em nível de equilíbrio. Essa taxa pode mudar, conforme as condições da economia, que podem fazer com ela seja neutra – só que mais alta ou mais baixa”, descreve.
Hoje, explica Pieri, com a alta da inflação mundial e fatores como aumento dos custos das empresas no pós pandemia e a guerra da Ucrânia, a inflação brasileira já está alta e obriga que a taxa necessária para equilibrar a economia fique mais alta.
O Brasil adotou, em 1999, o sistema de metas para a inflação. As metas são definidas com até três anos de antecedência, usando como referência o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para 2023, a meta vai ser considerada cumprida se ficar de 1,75% a 4,75% ao ano.
O professor de economia do Ibmec RJ Haroldo Monteiro trouxe para a Dinheiro os números atuais. A meta de inflação para 2023 é de 3,25%, com uma expectativa de IPCA para 12 meses girando em torno de 5,80%. Considerando o IPCA estimado de 5,8% e uma Selic a 13,75% ao ano, temos um juro real próximo de 7,5% a.a.
“Esse valor de juros reais de 7,5% a.a. é considerado alto em qualquer economia do mundo. Cabe ressaltar ainda a dinâmica das taxas de juros na economia mundial, que na atualidade estão bem altas, e também devem ser consideradas na construção da taxa Selic”, defende Monteiro.
O que Lula espera ao confrontar o BC por causa dos juros?
“A discordância do presidente Lula em relação à taxa de juros pode ser motivada por uma compreensão discordante quanto à necessidade de se controlar a inflação. Ou seja, que a meta que foi definida pelo CMN anteriormente é muito alta [difícil de ser alcançada] e que não vale a pena persegui-la ao custo de juros altos – pensamento do qual a maioria dos economistas atuantes no mercado discorda”, avalia Deborah Bizarria, economista pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Para ela, outra possibilidade é que Lula esteja agindo por motivação política, avaliando que, para manter a adesão da própria base, seja necessário encontrar algum inimigo comum que impediria a retomada do crescimento econômico. “Nessa hipótese, a atuação do Roberto Campos Neto serviria de bode expiatório caso as demais políticas do governo não sejam aprovadas ou não tragam os resultados desejados”, acrescenta Deborah.
Hiperinflação
“Se as taxas de inflação atingirem níveis muito altos, a inflação pode sair do controle e tem uma série de distorções em relação a isso: os preços deixam de fazer sentido, uma vez que são reajustados rapidamente e as pessoas não conseguem aferir o valor do produtos; empresa tem que refazer estoques; transferências de recursos por quem poupou e quem investiu, já que a taxa fica diferente, entre outras situações”, avalia Pieri.
Uma hiperinflação ocorre quando quando a taxa de juros atinge valores extremos. Para o professor da FGV, é algo distante da realidade atual, já que seria um nível onde os preços mudam rapidamente para um nível muito alto, chegando a 50% ao ano.
“Nesse momento, a política monetária sai completamente do controle. Não faz sentido questionar autonomia do BC e taxa de juros, falando do ponto de vista técnico. Sinalizar uma redução dos juros sem essa justificativa técnica significa dizer que não estamos tão preocupados em atingir a meta de inflação”, finaliza.