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sexta-feira 27 de maio de 2022 às 07:46h

Entenda por que a Lei para mudar o ICMS vai repetir erros e criar uma batalha judicial entre governadores e a União

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O Congresso, em especial a Câmara dos Deputados, leva a sério conforme a revista IstoÉ, a forma como foram desenhadas as Casas Legislativas por Oscar Niemeyer. Em uma cidade marcada por linhas retas, as duas cúpulas representam um espaço circular de debates. Por lá, onde quer que esteja o deputado, sua voz pode ser ouvida da mesma intensidade, graças ao formato de abóbora das paredes. Mas a lógica da circunferência ganhou outro sentido: o hábito de cometer os mesmos erros. O mais recente é a lei que revisa o ICMS em itens como telecomunicações, energia e combustível. Com ela os parlamentares bagunçam mais o sistema tributário brasileiro e criam uma nova versão da Lei Kandir, problema que se arrasta por quase três décadas.

Vamos entender as semelhanças. Em 1996 a Lei Complementar 87 de autoria do então ministro do Planejamento de Fernando Henrique Cardoso, Antonio Kandir, derrubou o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que incidia nas exportações de produtos primários, como itens agrícolas, semielaborados ou serviços. A medida derrubou a arrecadação dos estados. Depois de muita pressão dos governadores, em 2003, o Congresso determinou que a União repusesse tais perdas. O impasse no Judiciário se estendeu até 2020, quando foi firmado um acordo em que o governo federal repassaria R$ 65,6 bilhões para os governadores até 2037. A novela, no entanto, está longe do fim, já que há ao menos dez pedidos de revisão do valor no Supremo Tribunal Federal sobre o caso.

Repetir um erro ou é burrice ou é má-fé mesmo. E se a Câmara reproduz os mesmos comportamentos esperando resultados diferentes, os governadores já estão calejados. Em parceria com os prefeitos, pressionaram as bases parlamentares sobre o teto de 17% que virá a incidir em serviços e produtos de primeira necessidade, previsto no Projeto de Lei Complementar 18/ 2022. A Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) já trata a medida como inconstitucional por versar sobre competência dada aos estados pela Constituição. “Ela fere o Pacto Federativo e gera irreversíveis impactos à saúde financeira dos estados e à prestação de serviços públicos”, disse Marlúcia Paixão, presidente da entidade. Segundo ela, a medida se caracteriza como uma forma do governo federal em “desviar a atenção da população, em ano eleitoral, de questões urgentes como a reforma tributária ampla, progressiva e com tributação uniforme de produtos.”

Segundo dados levantados pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz), os estados já abdicaram de R$ 37 bilhões este ano com iniciativas próprias de congelamento do ICMS nos combustíveis, medida que começou em São Paulo ainda em 2020 e acabou atingindo praticamente todos os estados. Com a Lei, o impacto pode saltar e variar entre R$ 64,2 bilhões a R$ 83,5 bilhões.

Mas sabendo que a Lei tem força para ajudar a baixar a inflação, os governadores não são completamente contrários. O Congresso só precisa determinar quem pagará a renúncia. No caso, a União. Entre os articuladores estão os governadores das regiões Centro Oeste e Norte. Um deles confirmou à reportagem ter trocado mensagens com o presidente Bolsonaro, além dos chefes do Legislativo Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG). “Dissemos que não queremos um teto de compensação. Se a economia crescer, a compensação acompanha”.

GATILHOS E a pressão teve resultado. O relator do projeto, deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), incluiu na Lei aprovada na Câmara um gatilho a ser acionado pelos estados para que eles sejam compensados. O texto, que também foi articulado para aprovação célere no Senado, determina que a União compense os estados quando a perda global de arrecadação com o ICMS for superior a 5%, durante um determinado período. Segundo Nascimento, isso não será necessário porque “haverá aumento do consumo que compense as perdas”. A fala dele se assemelha à proferida por Kandir, em setembro de 1996, quando foi sancionada a Lei que carrega seu nome. “O crescimento será capaz não apenas de igualar, mas de superar o que era arrecado”, disse ele, à época. Não precisou de dois anos para os governadores dizerem que não era bem assim.

E se lá atrás o plano era estimular a economia, agora é conter a inflação. Uma solução com a cara da Câmara. Não resolve nada, mas disfarça em ano eleitoral. Mesmo com tantos problemas, o texto, claro, foi muito bem recebido por outro interessado na corrida de outubro. O presidente Jair Bolsonaro. Mais um exemplo claro de outra Lei, essa muito ampla e universal que as do Legislativo: a do Eterno Retorno.

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