A esperada Resolução 175, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entra em vigor hoje após dois anos de discussões. O novo marco regulatório dos fundos de investimento promete revolucionar a indústria brasileira. O texto consolidou 38 normas em uma única regra. Muitas não são “visíveis” para o investidor, mas fazem diferença na gestão por facilitarem e aprimorarem o funcionamento do setor.
Segundo Daniel Maeda, superintendente de Supervisão de Investidores Institucionais da CVM, são quatro pilares. O empoderamento do investidor de varejo, com novos investimentos e transparência das taxas, a harmonização das regras com os padrões internacionais, a redução do custo de observância e a segurança jurídica e previsibilidade, com a divisão melhor das responsabilidades de gestor e administrador. Entenda as principais mudanças:
Estrutura multiclasses
Nesta segunda-feira (2) começa uma transição. Os novos fundos serão monoclasse, que por enquanto é basicamente uma nomenclatura. Um fundo de renda fixa passa a ter “classe renda fixa”, por exemplo. Em abril de 2024, entra em vigor a estrutura de multiclasses. No mesmo exemplo, novos fundos de renda fixa poderão ter uma classe de títulos públicos e outra de crédito privado. Ou seja, a estratégia poderá ser fatiada.
Essas classes poderão ter subclasses conforme o investidor. Por exemplo, classe de crédito privado com subclasse para investidor qualificado (com investimentos acima de R$ 1 milhão), com prazo maior de resgate e taxa de performance diferenciada de uma outra subclasse voltada ao varejo. Portanto, as classes abrigarão as divisões de ativos e as subclasses, de cotistas.
As multiclasses são vistas como peça fundamental para o redesenho geral da indústria e sobretudo para se aproximar dos modelos usados em outros países. Elas podem inclusive impulsionar a oferta de produtos brasileiros lá fora, hoje ainda pequena. Fundos de investimento em geral existentes até setembro de 2023 têm que se adaptar até dezembro de 2024; especificamente os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), precisam estar adequados até abril.
Responsabilidades dos prestadores de serviços
O gestor assume responsabilidades tipicamente de gestão que até então ficavam com o administrador. Por exemplo, avaliação e contratação do distribuidor e controle do cumprimento dos limites de alocação do fundo. Dessa forma, o gestor ganha status de prestador de serviços essenciais, ao lado do administrador. Com essa divisão mais equilibrada, os dois passam a ser vistos como serviços essenciais, sem hierarquia entre eles. Segundo Pedro Rudge, vice-presidente da Anbima, entidade que representa as instituições do mercado de capitais, o gestor foi elevado a uma categoria de mais protagonismo e responsabilidade. Vale a partir desta segunda-feira (2).
Insolvência e responsabilidade limitada
Classes com patrimônio líquido negativo poderão declarar insolvência para não afetar as demais. Além disso, os fundos poderão ser de “responsabilidade limitada”. Até agora, se o fundo precisasse de dinheiro, o cotista era chamado a fazer aportes. Com a Resolução 175, novos fundos podem deixar estabelecido que, em caso de problemas, declaram insolvência e o investidor perde só o que aplicou. “A responsabilidade limitada dos cotistas era um pleito antigo. Vale a partir de hoje.
Remuneração
As taxas de administração, gestão e de distribuição deverão ser divulgadas junto com os demais dados do fundo. Hoje apenas uma taxa genérica de administração é informada, sem revelar a subdivisão para cada um. A partir de abril de 2024.
Fundos ESG e ativos verdes
Os fundos ESG (sigla em inglês para padrões ambientais, sociais e de governança) passam a ter requisitos definidos pela CVM, a partir de metodologia criada pela Anbima. A regra também equipara créditos de carbono e CBIOs (créditos de descarbonização comercializados por produtores e importadores de biocombustíveis). Vale a partir desta segunda-feira (2).
Investimento no exterior
Fundos poderão investir até 100% do patrimônio no exterior a partir de hoje. Atualmente o limite para o varejo é de 20% e, para o investidor qualificado, 40%. No entanto, os requisitos estabelecidos pela CVM para esse aumento são bastante rígidos. A efetiva ampliação desse teto depende de um sistema desenvolvido pela Anbima que deve ser implementado nas próximas semanas.
Liquidez das carteiras
Cria o ‘sidepocket’, que permite dividir a carteira entre ativos líquidos e ilíquidos. Na prática, poderá ser criada uma classe de cotas no fundo, cujos únicos ativos serão os afetados pela situação adversa. Assim, cada investidor recebe número proporcional dessas novas cotas. Além disso, permite que fundos criem barreiras para resgates. Por exemplo, caso os saques cheguem a determinado percentual do patrimônio. Vale a partir desta segunda-feira (2).
FIDCs
Os fundos de direitos creditórios (FDICs), considerados mais arriscados e antes limitados a qualificados e profissionais, poderão ser oferecidos ao varejo a partir desta segunda-feira (2), mas somente as chamadas cotas seniores, que são mais seguras por terem preferência de pagamentos e resgates, mas oferecem retornos menores. As subordinadas, divididas entre mezanino e júnior, garantem maiores rendimentos, mas são as primeiras afetadas em caso de “default”.
Compõem a carteira desses fundos todo tipo de crédito a receber que circula no mercado, desde duplicatas e notas comerciais até cédulas de crédito bancários. A tendência é que as gestoras comecem no varejo com “fundos de fundos”, mais pulverizados, o que torna a aplicação mais conservadora.
Criptoativos
Equipara os ativos digitais a ativos financeiros, desde que negociados em exchanges autorizadas no Brasil ou no exterior. O limite será de 10% do patrimônio líquido em fundos para o varejo. Vale a partir desta segunda-feira (2).