Governo afirma que plano tem potencial de economizar R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026; para amortecer impopularidade da medida, ministro Fernando Haddad anunciou junto ampliação de isenção do IR. Economizar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos – isso é que o governo federal espera de seu pacote fiscal anunciado no fim de novembro. Num horizonte mais amplo – até 2030 –, está previsto um corte de gastos da ordem de R$ 327 bilhões.
Após semanas de expectativa sobre o anúncio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acompanhado de outros membros da equipe econômica e da ala política, detalhou onde espera enxugar as contas.
A proposta lista várias medidas, entre elas a redução do abono salarial e um teto no reajuste do salário mínimo, o que tem efeito cascata em vários outros benefícios e reajustes. O pacote também determina um limite na concessão de benefícios fiscais enquanto as contas do governo estiverem no vermelho, acabar com brechas que burlam o teto dos supersalários no serviço público e mudar algumas regras da previdência dos militares.
Para amortecer o impacto político dos cortes de gastos obrigatórios, o governo enviou ao Congresso uma proposta para elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, o que deve causar R$ 35 bilhões em perda de arrecadação. Como compensação, anunciou uma alíquota mínima de 10% para quem recebe mais de R$ 50 mil por mês.
O governo espera que o Congresso aprove ainda neste ano o pacote fiscal, que prevê inclusive um teto no crescimento das emendas parlamentares – verba do Orçamento federal à disposição de deputados e senadores.
Diante da resistência no Congresso em aprovar o pacote, devido a recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que travaram o pagamento de emendas parlamentares, o ministro do STF Flávio Dino decidiu liberar esses recursos, mas com algumas ressalvas, como regras mais claras de transparência sobre a destinação do dinheiro. Para resolver esse cabo de guerra no Congresso, o governo sinalizou que vai liberar R$ 7,8 bilhões em emendas parlamentares individuais e de bancada nos próximos dias.
Se bem-sucedida a negociação, o governo espera sinalizar que vai cumprir seu arcabouço fiscal – regras que determinam os limites de gastos da União, adotadas pelo governo em 2023. Assim, espera-se garantir credibilidade e previsibilidade para a economia e para o financiamento dos serviços públicos como saúde, educação e segurança.
Diante do ceticismo de alguns analistas de mercado sobre a capacidade do plano de equilibrar as contas públicas, o dólar teve uma alta significativa em relação ao real e atingiu pela primeira vez a marca dos R$ 6, após o anúncio.
Entenda a seguir o que está previsto no pacote fiscal do governo.
Salário mínimo
Desde 2023, o salário mínimo é corrigido pela inflação do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país) de dois anos anteriores.
O governo anunciou que o salário mínimo vai continuar tendo ganho acima da inflação, mas o crescimento real será limitado a 2,5% por ano.
Abono salarial
Benefício que equivale a um 14º salário para quem ganha até dois salários mínimos (atualmente em R$ 2.824) com carteira assinada, o abono salarial terá novas regras, se o pacote for aprovado.
A proposta é reduzir a porta de entrada do benefício ao definir que o critério para receber o abono é ganhar até R$ 2.640. A medida instituiu ainda uma cláusula para que o valor seja corrigido anualmente apenas pela inflação, em vez de seguir a política de valorização do salário mínimo.
Com o abono salarial subindo menos que o salário mínimo, o governo prevê que o benefício equivalerá a um salário e meio a partir de 2035.
Previdência dos militares
O pacote prevê uma revisão das regras para aposentadoria dos militares com potencial de economizar R$ 2 bilhões. Entre elas, estão a extinção de alguns benefícios, como o da morte ficta, quando a família de um militar expulso das Forças Armadas recebe pensão como se ele tivesse morrido.
A proposta fixa em 3,5% da remuneração a contribuição do militar para o Fundo de Saúde até janeiro de 2026. Atualmente, os militares da Aeronáutica e da Marinha pagam menos.
O texto estabelece ainda, progressivamente, uma idade mínima para reserva remunerada, até chegar a 55 anos.
Supersalários
O projeto espera ainda impor um controle maior dos chamados “supersalários” – pagamentos que ultrapassam o teto constitucional do funcionalismo público, hoje de R$ 44 mil mensais, equivalente à remuneração de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
O objetivo é diminuir a lista de exceções ao teto. Medida deve valer para todos os poderes e todas as esferas: federal, estadual e municipal.
Novo pente-fino
A proposta prevê um novo pente-fino no Bolsa Família e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), salário mínimo pago a pessoas com deficiência e idosos de baixa renda. A medida também prevê endurecimento para acesso aos benefícios.
BPC
Uma das medidas previstas é o endurecimento das regras para as pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada. A ideia é cobrar a atualização de cadastros que estejam desatualizados há mais de 24 meses e para benefícios concedidos administrativamente, sem Código Internacional de Doenças (CID).
De acordo com Haddad, um terço das pessoas beneficiadas pelo BPC não têm suas deficiências cadastradas.
A medida define, entre outras coisas, prova de vida anual, como acontece atualmente para os aposentados, além de biometria e reconhecimento facial para a concessão do benefício, e biometria obrigatória para atualizações cadastrais
Bolsa Família
O governo pretende combater irregularidades nos pagamentos para beneficiários que declaram que moram sozinhos, os chamados unipessoais.
Está prevista a obrigatoriedade de inscrição ou atualização de unipessoais em domicílio, a atualização obrigatória para cadastros desatualizados há 24 meses, biometria obrigatória, entre outras exigências.
Emendas parlamentares
Limitar o crescimento das emendas impositivas, além de outras restrições. Só em 2025, são previstos R$ 11,5 bilhões em emendas.
O texto fixa também algumas destinações obrigatórias a esses recursos, como 50% dos valores de emendas de comissão para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Isenções fiscais
O pacote define que se houver déficit primário (quando as receitas não são suficientes para cobrir as despesas do governo) de 2025 em diante, no ano seguinte fica vedada a criação, majoração ou prorrogação de benefícios tributários.
Em 2023, incentivos fiscais somaram R$ 519 bilhões. Mecanismo de vedação havia sido sugerido pelo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Vital do Rêgo, no relatório sobre as contas do governo em 2023.
Subsídios e subvenções
A proposta do governo autoriza ajuste orçamentário em cerca de R$ 18 bilhões em subsídios e subvenções. O governo só poderá gastar em subsídios o que estiver autorizado no orçamento.
Imposto de Renda
Junto do corte de gastos, Haddad anunciou a elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês. A medida cumpre promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Atualmente, não paga IR quem ganha até R$ 2.259,20 mensais.
Para evitar impactos brutos para quem ganha a partir de R$ 5.001 por mês, haverá uma progressão. Quem ganha até R$ 7,5 mil mensais vai ter de pagar IR, mas será beneficiado com a isenção dos R$ 5 mil iniciais. Quem recebe a partir de R$ 7,5 mil terá a isenção limitada a até dois salários mínimos, como ocorre atualmente.
Essa medida tem impacto de R$ 35 bilhões por ano na arrecadação federal. Com a tramitação da segunda fase da reforma tributária ao longo do próximo ano, a tendência é que a mudança só entre em vigor em 2026.
Para financiar o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, o governo pretende introduzir uma alíquota efetiva mínima de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. A medida pretende fazer que pague mais tributos quem se aproveita da “pejotização”, conversão de rendimentos de pessoas físicas em rendimentos de empresas.
Nada muda para quem trabalha com carteira assinada e recebe mais de R$ 50 mil porque essas pessoas já pagam alíquota de 27,5%. Atualmente, segundo o governo, o 1% mais rico da população paga alíquota efetiva de 4,2% de Imposto de Renda. Para o 0,01% mais rico, a alíquota efetiva é 1,75%.