Apesar de estar inelegível até 2030, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) segue dando declarações sobre um eventual segundo mandato, descarta nomes à direita que se colocam como possíveis herdeiros de seu capital político em 2026 e até cita possíveis chefes de pastas de uma sonhada nova gestão. Especialistas consultados no entanto, avaliam segundo reportagem de Karina Ferreira, do jornal O Estado de S. Paulo, como “improvável” uma reversão da inelegibilidade do ex-presidente, que teria que superar obstáculos legais “praticamente intransponíveis”.
Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em três ocasiões, e duas sentenças seguem em vigor. Uma delas foi cancelada porque o colegiado já havia decidido sobre o mesmo fato. Não há soma no tempo das condenações, portanto, pela lei, as penalidades impedem que o ex-presidente volte a concorrer a cargos eletivos até 2030.
Em junho do ano passado, a Corte Eleitoral condenou Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, pela reunião com embaixadores em que ele atacou o sistema eleitoral do País, sem apresentar nenhuma prova. Em outubro do mesmo ano, foi condenado mais uma vez, por abuso de poder político durante o feriado do 7 de Setembro em 2022, por usar a data para fazer campanha eleitoral, segundo o entendimento dos magistrados.
Formas de Bolsonaro recuperar elegibilidade:
- Recursos no STF;
- Aprovação de uma lei de anistia; e
- Alteração na Lei de Inelegibilidade.
As condenações já foram remetidas ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde os recursos da defesa poderão ser esgotados. Para além desse caminho típico do rito jurídico comum, Bolsonaro ainda poderia tentar articular forças para percorrer outros dois: por meio da aprovação de uma anistia ou alterando a Lei de Inelegibilidade, a qual foi enrijecida com a Lei da Ficha Limpa, de 2010.
Segundo o especialista em Direito Eleitoral e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) Fernando Neisser, se o ex-presidente conseguir levantar eventualmente as inelegibilidades contra ele até o pedido de registro de candidatura, em 15 de agosto de 2026, ele poderia disputar a próxima eleição presidencial. No entanto, o cenário é “improvável”, por qualquer dos caminhos disponíveis, avalia.
“Não me parece factível imaginar que Bolsonaro consiga ter seis votos de 11 na composição atual do Supremo para reverter as inelegibilidades que pesam contra ele, até porque os acordos condenatórios feitos ali pelo ministro Benedito Gonçalves são muito sólidos e o conjunto de provas é muito grande”, afirmou o professor, se referindo aos recursos da defesa do ex-presidente.
Sobre a aprovação de uma lei para anistiar os crimes de Bolsonaro, Neisser avalia que o campo bolsonarista possivelmente não teria forças para angariar dois terços da Câmara dos Deputados e a mesma quantidade de apoio do Senado para aprovar o projeto de lei. A proposta ainda precisaria passar pela sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que, vetando a lei, faria com que ela retornasse ao Congresso para a derrubada do veto com a maioria dos parlamentares.
“Ainda assim, isso esbarraria numa análise do STF. Na atual composição, não me parece que a Corte validaria a possibilidade de uma lei de anistia específica para resolver o problema do Bolsonaro”, disse o professor. Ele cita ainda o caso do senador Humberto Lucena, beneficiado por uma lei aprovada pelo Congresso em 1995 que o anistiou da punição dada pela Justiça Eleitoral por usar a gráfica do Senado para imprimir 130 mil calendários com conteúdo eleitoral.
Neisser relembra que a OAB entrou com uma ação de inconstitucionalidade no STF contra a lei na época, mas a Corte entendeu que o texto era constitucional. Para quem usa o caso como paralelo ao que pode acontecer agora com Bolsonaro, o professor afirma que a decisão foi “rachada” e que o Supremo era outro. “Nós estamos falando de outro Supremo, de outra sociedade, de outro entendimento na Corte de qual é o seu papel, de uma maioria hoje que, sem dúvida nenhuma, o vê como um canal de proteção, de garantias, inclusive, relativas à moralidade pública.”
Lei da Ficha Limpa
Um dos idealizadores da Lei de Ficha Limpa, o advogado eleitoral e ex-juiz Márlon Reis, avalia que o outro caminho que Bolsonaro teria que tentar é uma mudança da Lei Complementar de Inelegibilidade, que teve uma particularidade alterada com o inciso 16 do artigo 22, do qual o advogado foi o autor.
O trecho diz que para a caracterização do ato abusivo não será considerado o potencial de impacto no resultado do pleito, mas apenas a gravidade da conduta. Antes da alteração, os derrotados não eram sequer questionados, podendo concorrer nas eleições seguinte livremente. Para seguir por esse caminho, Bolsonaro precisaria da maioria absoluta das duas Casas, além do veto de Lula.
Tramita no Senado nos últimos meses um projeto que altera a Lei da Ficha Limpa e que, inclusive, poderia permitir que Bolsonaro recupere sua elegibilidade. Mas essa opção também é apontada como improvável pelo ex-juiz, que afirma que está em interlocução com parlamentares e na expectativa de que a nova lei não passe ou, no máximo, seja aprovada com emenda – “para deixar claro que não beneficia nenhum inelegível como ele”.
Cálculo político para 2026
Os especialistas avaliam que os frequentes discursos de Bolsonaro, se colocando como um candidato pleno para 2026 – apesar de ter consciência de todos os mecanismos jurídicos e legislativos para que a punição pelos seus atos seja mantida – fazem parte do cálculo político do ex-presidente.
“Essas falas cumprem dois objetivos: um no sentido de não deixar o grupo dele se desfazer, porque ele se desmontaria completamente sem perspectiva de poder. E o segundo é, quem sabe, ensaiar uma estratégia, que não é rara, de candidatos inelegíveis se apresentarem candidatos, e depois fazerem uma substituição no meio da campanha, em um contexto de mobilização grande já iniciado”, avaliou Márlon Reis.
A partir do requerimento de registro, Bolsonaro pode começar a fazer campanha como candidato a presidente, assim como fez o presidente Lula em 2018. Havendo o julgamento do seu registro pelo TSE com o reconhecimento da inelegibilidade, o partido seria forçado a fazer a troca da candidatura.
“Pode ser e faz muito sentido político que seja uma estratégia de Bolsonaro manter, acreditando ou não na possibilidade de reverter a sua elegibilidade, esse discurso e se lançar candidato para ter o controle político de qual momento fazer a substituição e por quem substituir, para não perder o controle do grupo político que ele lidera”, concordou Neisser.