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quinta-feira 20 de maio de 2021 às 05:48h

Entenda debate sobre adoção do voto impresso nas eleições de 2022

CURIOSIDADES, DESTAQUE, NOTÍCIAS


Sem apresentar nenhuma prova, o presidente Jair Bolsonaro questiona frequentemente a credibilidade das urnas eletrônicas e já insinuou que não aceitará o resultado das eleições de 2022 sem o voto impresso.

É neste contexto, conforme matéria da Folha de S. Paulo, que a menos de um ano e meio da disputa nacional, a Câmara dos Deputados instalou uma comissão especial para debater uma proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre a implementação da impressão do voto, que, a princípio, ocorreria junto ao uso da urna eletrônica.

Na prática, não se trata do voto impresso diretamente, mas sobre a impressão em papel de um comprovante do voto dado na urna eletrônica, que seria mantida normalmente nas eleições.

Independentemente do mérito da proposta, sua implementação dificilmente seria possível até outubro de 2022, dada a complexidade da tarefa.

Além disso, o fato de a proposta ter sido feita em forma de emenda à Constituição torna ainda mais difícil o processo para sua aprovação, visto que ela precisaria ser aprovada em dois turnos tanto na Câmara como no Senado, com três quintos dos votos em cada uma das Casas do Congresso.

Aliado a este ponto, o modo como o tema tem sido abordado, questionando a confiança no sistema eleitoral e desacreditando a urna eletrônica, acaba, segundo especialistas, por fragilizar um dos pilares da democracia: o voto.

O que está sendo proposto? A proposta em debate, a PEC 135/2019, foi apresentada pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) em setembro de 2019. Aliada de Bolsonaro, ela propõe que cédulas físicas conferíveis pelo eleitor deverão ser expedidas “independentemente do meio empregado” para o registro do voto.

O texto portanto não propõe abolir a urna eletrônica e substituí-la pelo voto impresso, como por vezes é divulgado incorretamente em redes sociais.

A proposta não detalha os dados que constariam nessas cédulas, mas determina que elas seriam “depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”. Ou seja, os eleitores não teriam contato com elas.

Também não é dito o que ocorre a partir da impressão, ou seja, se o eleitor, por exemplo, é obrigado a conferí-las. É dito apenas que elas devem ser “conferíveis pelo eleitor”, também sem dizer como.

O texto completo da proposta é o seguinte: “No processo de votação e apuração das eleições, dos plebiscitos e dos referendos, independentemente do meio empregado para o registro do voto, é obrigatória a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.

Diferentemente de ocasiões anteriores em que o tema foi abordado, como na minirreforma eleitoral de 2015, neste caso não é citada a urna eletrônica. À época o texto dizia que “no processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado”.

O texto anterior dizia ainda que “o processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”.

Essa proposta não chegou a ser implementada porque foi considerada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal) —a impressão dos comprovantes, segundo o tribunal, poderia ser uma forma de violar o sigilo da votação.

Por que, da forma como está sendo colocada, a pauta do voto impresso é prejudicial à democracia? No histórico brasileiro, a urna eletrônica é vista como um avanço, por ter diminuído a chance de ocorrência de fraudes, ao diminuir o contato e o risco de interferência humana na contagem dos votos.

No modelo atual, já há várias camadas de proteção e auditoria. Especialistas apontam, contudo, que nenhum sistema de proteção é infalível e, neste contexto, há quem defenda que a eventual implementação de um comprovante impresso do voto seria mais uma forma de auditoria e segurança.

No entanto, no contexto recente brasileiro, em que há grande disseminação de desinformação sobre as urnas nas redes sociais e em que o próprio presidente da República faz reiterados ataques ao voto eletrônico —sem apresentar nenhuma prova—, o debate acaba prejudicado.

Ana Cláudia Santano, professora de direito eleitoral e coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil, avalia que a discussão sobre o voto impresso é legítima, mas que tem sido instrumentalizada.

“Simplesmente alegar que o voto impresso é a única forma de garantir a legitimidade das urnas eletrônicas não é correto. Porque a gente tem vários mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação.”

Para ela, diferentemente do que tem ocorrido, o debate deveria ser técnico e racional. “Agora o que a gente vê é a instrumentalização desse debate [sobre o voto impresso] para outros objetivos que não ficam muito claros para a população.”

Em que outras ocasiões o debate sobre impressão do voto foi realizado? O debate sobre o comprovante impresso do voto junto ao uso da urna eletrônica é antigo. Ele já chegou, inclusive, a ser empregado pontualmente em 2002, devido a uma lei com tal determinação.

Na ocasião, 150 municípios em diferentes estados, abarcando pouco mais de 6% do eleitorado, tiveram seus votos eletrônicos também impressos por uma impressora externa à urna.

Depois da experiência, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fez um relatório com um balanço negativo da medida e, em 2003, foi sancionada pelo então presidente Lula (PT) uma lei que instituiu o Registro Digital do Voto (RDV) e que revogou os trechos da legislação que determinavam a impressão de comprovante.

De lá para cá, outras duas propostas do Legislativo foram apresentadas nesse sentido, uma de 2009 e outra de 2015.

Ambas foram barradas após decisões do Supremo, que as considerou inconstitucionais. O tema foi analisado em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, 4543 e 5889. No entendimento da corte, a impressão dos comprovantes poderia ser uma forma de violar o sigilo da votação.

Diante disso, a deputada Kicis argumenta na justificativa da proposta que a opção pela forma de PEC “deve-se ao fato de que a legislação ordinária tem sido, historicamente, insuficiente para garantir o respeito da Justiça Eleitoral à vontade popular”.

Qual a justificativa da PEC? Um dos principais pontos levantados por grupos que criticam o sistema atual é a questão da auditabilidade dos votos, ou seja, como um terceiro pode conferir que o resultado das eleições divulgado pelo TSE de fato corresponde aos votos dos eleitores. Na justificativa, Kicis afirma que “o voto impresso, conferível pelo eleitor, é essencial para dar segurança e confiabilidade a um sistema eleitoral eletrônico”.

A urna eletrônica é auditável? Ela possui variadas medidas de segurança e de auditoria, em suas diferentes etapas, inclusive com participação de instituições e grupos externos ao tribunal. E até hoje não há evidências de que tenham ocorrido fraudes em eleições com uso da urna eletrônica.

Para garantir que não haja manipulação no momento da transmissão dos votos da urna para o TSE, por exemplo, existem os boletins de urna, que são comprovantes em papel emitidos por cada urna com informações como a quantidade de votos para cada candidato, além de brancos e nulos.

Candidatos, partidos e eleitores podem escanear o QR Code do boletim para comparar os dados. O tribunal ressalta ainda que as urnas não são conectadas à internet.

Há também etapas de auditoria que se referem ao software de votação da urna. O sistema da urna fica disponível para consulta pública por seis meses e, além disso, são realizados Testes Públicos de Segurança (TPS), ocasião em que especialistas tentam hackear a urna e apresentam as falhas encontradas para o TSE corrigir.

Além disso, nos dias das eleições, urnas selecionadas por sorteio são retiradas dos locais de votação e participam de uma cerimônia pública que funciona como uma simulação da votação, chamada de teste de integridade. Os votos digitados na urna também são depositados em papel e tudo é gravado em vídeo. O objetivo do teste é demonstrar que o voto digitado é o voto computado.

O TSE lançou recentemente uma campanha em defesa da segurança das urnas.

Independentemente disso, há especialistas que defendem que o TSE deveria aumentar a transparência do sistema eleitoral e melhorar as possibilidades de auditoria das eleições.

Diego Aranha, professor associado da Universidade de Aarhus (Dinamarca) e pesquisador da votação eletrônica, sustenta que o sistema brasileiro poderia ser mais transparente do que é hoje. Aranha já participou dos TPS do TSE em duas ocasiões e identificou fragilidades no código para correção.

Ele afirmou à Folha, em entrevista por email, que, do ponto de vista técnico, a produção de um registro físico procura tornar a etapa de votação mais transparente.

“Na comunidade científica, medimos a transparência de um sistema de votação eletrônica pela aderência ao chamado princípio de independência de software”, escreveu. “Esse princípio essencialmente diz que deve ser possível confirmar que os resultados de uma eleição estão corretos de maneira independente do software que conta os votos.”

Aranha ressalta, porém, que até onde é possível verificar, não há evidência de fraude via software em eleições brasileiras.

“Não vejo sentido em questionar resultados anteriores, dado que todos os candidatos concorreram em eleições utilizando o mesmo sistema. O argumento para se produzir um registro físico do voto é para aumento de transparência, exatamente para eliminar teorias da conspiração sem base na realidade, como a promulgada pelo próprio presidente.”

Quais problemas costumam ser apontados em relação ao voto impresso? Entre os problemas elencados por críticos à proposta está que pessoas analfabetas ou cegas não teriam como conferir o comprovante impresso, apenas com a interferência de uma terceira pessoa. Para resolver a questão seria preciso desenvolver uma adaptação do mecanismo pensando nesses eleitores.

Além disso, são apontados riscos do sigilo do voto em caso de a impressora travar obrigando o mesário a abrir a urna. Outro questionamento é o que ocorreria se uma pessoa intencionalmente disser que o voto impresso difere do que ela digitou, mesmo que esteja correto.

Também o custo envolvido com a implementação do voto impresso, que chegaria a R$ 2 bilhões, é apontado como dificultador. O valor é baseado em estimativas de 2018, feitas à época em decorrência da lei sobre o tema de 2015 (antes que a regra fosse declarada inconstitucional).

“Cabe ressaltar, porém, que é muito provável que, em novo procedimento licitatório, esses valores sejam ainda mais elevados, tendo em vista a variação cambial, a crise mundial de abastecimento de componentes eletrônicos e as dificuldades logísticas impostas pela pandemia da Covid-19”, afirmou o TSE em nota à Folha.

Para Diogo Rais, professor de direito eleitoral na Universidade Mackenzie, o movimento de questionamento das urnas e de supostas fraudes eleitorais faz parte de uma estratégia maior de desacreditar as instituições. Na avaliação dele, a proposta não traria mais segurança às eleições.

“Eu acredito que a impressão do voto não resolve os problemas que propõe e cria problemas que até agora não existiam. Encarece o processo, burocratiza e deixa mais sujeito a muitas dúvidas e revisões, inclusive as infundadas.”

Se aprovada, a mudança pode valer nas próximas eleições? A Constituição prevê, em seu artigo 16, que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. Isso quer dizer que, para serem aplicadas em 2022, as mudanças teriam que ser aprovadas até o início de outubro de 2021, um ano antes das eleições.

No entanto, no caso de uma PEC, há divergência se essa regra se aplicaria.

Carolina Cyrillo, professora de direito constitucional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), por exemplo, entende que a regra não se aplicaria a uma emenda à Constituição. Sob essa perspectiva, não haveria um prazo do ponto de vista legal para a aprovação.

Já a advogada eleitoral Samara Castro discorda. Para ela, a possibilidade de emendas constitucionais promoverem mudanças significativas no processo eleitoral sem um prazo mínimo geraria insegurança jurídica.

Do ponto de vista prático, mesmo se aprovada antes de outubro, o tempo até as eleições seria curto para uma mudança do gênero. Após a aprovação da medida em 2015, por exemplo, o planejamento do TSE já previa a implementação gradual da medida.

“Do ponto de vista legal, se o voto impresso for aprovado, aí não tem muito o que fazer, vai ter que implementar. A questão é que vai implementar em condições muito desfavoráveis. Além de ser um período muito curto para o aspecto técnico, de onde viria esse dinheiro para financiar isso?”, questionou Samara.

Também Diego Aranha não vê como factível a presença de comprovante impresso nas eleições de 2022 , mesmo se aprovado, “para além de uma fração ínfima de urnas para fins de teste”. “A implantação de um registro físico não é fácil, precisa ser feita de maneira gradual e cuidadosa.”

Questionado sobre o tempo mínimo previsto para implementação da proposta, caso fosse aprovada, o TSE apontou a impossibilidade de estimar a duração, dadas as diferentes etapas envolvidas no processo, desde a necessidade de realização de um processo licitatório e da fase de produção e testes, além das “etapas de desenvolvimento do software, e processos de armazenamento e custódia, transporte e treinamento”.

“Portanto, a implantação do voto impresso envolve um procedimento demorado, embora não seja possível, neste momento, estimar sua duração”, afirmou o órgão em nota.

Como é a tramitação? Alterações na Constituição são votadas em dois turnos no plenário de cada uma das Casas do Congresso. Antes de chegar ao plenário, a PEC começa a tramitar na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que avalia se a proposta não suprime as chamadas cláusulas pétreas da Constituição —entre as quais estão o voto direto, secreto, universal e periódico.

A PEC do Voto Impresso já passou pela CCJ da Câmara em 2019. De lá para cá, ela dependia da instalação de uma comissão especial para debater a proposta, o que foi feito em maio deste ano pelo atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Nessa comissão, a proposta pode ser alterada.

Em evento ao lado de Bolsonaro em 13 de maio, Lira defendeu a mudança. “Nós queremos votar e ter a certeza de que esse voto é confirmado da maneira com que a gente colocou.”

Para ser aprovada, a proposta precisaria do voto favorável de três quintos dos deputados (308 votos), em duas votações no plenário. Neste caso, a proposta segue para o Senado, onde deve percorrer o mesmo caminho, desde a CCJ da Casa até o plenário.

Se também os senadores aprovarem por três quintos da Casa (49 votos), sem alterações substanciais, a proposta é promulgada pelo Congresso. Em caso de alteração, a proposta volta para a Câmara para ser apreciada novamente. Emendas constitucionais não são submetidas à sanção presidencial.

ALGUNS DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA DA URNA

  • Uso de criptografia
  • Código certifica que o sistema da urna é o gerado pelo TSE e não foi modificado
  • Somente o sistema do TSE pode funcionar na urna
  • O sistema da urna fica disponível para consulta pública por seis meses
  • Em Testes Públicos de Segurança, especialistas tentam hackear o equipamento e apresentam as falhas encontradas para o TSE corrigir
  • Urnas selecionadas por sorteio são retiradas do local de votação e participam de uma simulação da votação, para fins de validação
  • Sistema biométrico ajuda a confirmar identidade do eleitor
  • “Log”, espécie de caixa-preta, registra tudo o que acontece na urna
  • Impressão da zerésima e boletim de urna
  • Processo não é conectado à internet
  • Lacres são colocados na urna para impedir que dispositivos externos (como um pendrive) sejam inseridos

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