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quinta-feira 1 de abril de 2021 às 05:13h

Entenda a polêmica em torno do Orçamento 2021 do Governo Federal

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Aprovado na semana passada pelo Congresso Nacional, o Orçamento de 2021 tem sido alvo de críticas de parlamentares, economistas e da própria equipe econômica do governo Jair Bolsonaro.

O orçamento vem sendo chamado conforme o G1 de “peça de ficção” e, nesta terça (30), a Secretaria do Tesouro Nacional afirmou que o texto pode ser visto como um retrocesso para o controle das contas públicas.

O presidente Jair Bolsonaro ainda nem sancionou o texto, mas a discussão já foi parar no Tribunal de Contas da União (TCU) – que, em geral, só analisa o orçamento depois de publicado no “Diário Oficial da União”.

A polêmica envolve dois fatores que, atualmente, tornam a formulação e a execução do orçamento federal mais difíceis:

  • o alto volume de despesas obrigatórias – aquelas que, segundo a lei, o governo não pode cancelar, contingenciar ou adiar. Entram nessa classificação os pagamentos de salários e aposentadorias, as transferências para estados e municípios e os gastos com a dívida pública, por exemplo. Essas despesas representam 95% de todo o orçamento federal, atualmente.
  • Os outros 5%, sobre os quais o governo tem maior liberdade de gerenciamento, são chamados discricionários. Entram aqui os investimentos em infraestrutura, o financiamento de pesquisas científicas e contas de custeio (luz, água, internet…) dos prédios públicos, por exemplo.
  • a regra do teto de gastos – que está em vigor desde 2016 e impede que a despesa total dos três poderes cresça em um ritmo superior à inflação de cada ano. Como o teto é “fixo”, o aumento das despesas obrigatórias tem de ser compensado com um corte nas despesas discricionárias.

No centro da discussão atual, está a estimativa de despesas obrigatórias no Orçamento de 2021.

Parte do recurso que estava previsto para esses pagamentos foi remanejada para o custeio de emendas parlamentares – instrumentos usados por deputados e senadores para indicar despesas e investimentos em suas bases eleitorais.

O texto aprovado pelo Congresso transferiu R$ 26,45 bilhões das despesas obrigatórias para reforçar as emendas. Segundo o Tesouro, isso foi feito “sem justificativa técnica robusta”.

A cifra remanejada inclui R$ 23,5 bilhões que, originalmente, estavam vinculados a pagamentos de benefícios previdenciários, abono salarial e seguro-desemprego. Todos esses gastos são obrigatórios – ou seja, o governo federal não pode simplesmente cancelar os pagamentos.

Em tese, o governo só poderia cancelar os R$ 7,4 bilhões ligados ao abono salarial. O pagamento, que começava em julho nos anos anteriores, desta vez foi adiado pelo governo para o começo de 2022.

Mesmo neste caso, o cancelamento só poderia ser feito quando o governo publicar a medida provisória com o novo calendário do abono, o que ainda não aconteceu.

Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, afirma que o orçamento aprovado no Congresso cria uma “contabilidade criativa” ao extinguir, nas tabelas, despesas que ainda existem no mundo real como o abono salarial e o auxílio-doença.

Na prática, se o Orçamento 2021 entrar em vigor e for executado da forma como está no papel, vai faltar dinheiro para pagar todas as obrigações. E essa má-gestão financeira, quando acontece no governo, pode receber um nome temido: crime de responsabilidade.

A pressão do teto de gastos

Antes de 2016, o Congresso poderia fazer um acordo com o Executivo para pagar todas essas contas de uma vez só: os gastos obrigatórios, as despesas discricionárias e as emendas tão cobiçadas por parlamentares em ano pré-eleitoral.

Para prever gastos maiores que os rendimentos, o governo fazia algo similar ao que fazem muitas famílias: contrair dívida e entrar no vermelho. Em 2016, quando a PEC do Teto foi aprovada, o Brasil já se preparava para o terceiro ano consecutivo de rombo.

O teto de gastos colocou um fim nesse mecanismo, ao estabelecer que a despesa federal total não poderia mais ter crescimento real, ou seja, só poderia ser corrigido pela inflação.

Com isso, para criar ou aumentar um gasto discricionário, o governo precisa encontrar formas de reduzir ou extinguir gastos obrigatórios, e vice-versa.

Antes mesmo de todo esse remanejamento, o Ministério da Economia já havia informado que precisaria contingenciar (bloquear) R$ 17,5 bilhões de gastos não obrigatórios, justamente para não estourar o teto de gastos.

Ao subestimar os gastos obrigatórios e ampliar o valor das emendas parlamentares, o Orçamento 2021 aprovado no Congresso complicou ainda mais essa conta. Para dar conta das despesas obrigatórias que ainda existem no mundo real e honrar as emendas, será preciso cortar ainda mais em outro lugar.

Segundo técnicos do Tesouro Nacional, na versão atual, o Orçamento 2021 exige um corte superior a R$ 36 bilhões – 39,1% dos R$ 92 bilhões previstos para despesas discricionárias no projeto inicial do orçamento.

Mesmo se fossem mantidos integralmente, esses R$ 92 bilhões seriam os gastos livres mais baixos da série histórica do Tesouro Nacional, iniciada em 2008. Veja no gráfico abaixo:

Os especialistas afirmam que, por conta desses valores, o ajuste não poderá ser feito apenas nas despesas discricionárias.

A Instituição Fiscal Independente estima que o corte necessário é ligeiramente menor, de R$ 32 bilhões. Mesmo neste cenário, sobrariam cerca de R$ 60 bilhões para custear todos os gastos discricionários de todo o governo federal em 2021.

O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, estima que o governo precise de pelo menos R$ 70 bilhões para manter a máquina pública em funcionamento. Sem isso, além de cortar investimentos e bolsas, o governo teria que barrar até o dinheiro das contas de água e luz dos prédios.

Todas essas contas são importantes porque o teto de gastos não está ligado ao aumento da arrecadação. Isso significa que, mesmo se o país voltar a crescer no pós-pandemia, os gastos continuarão restritos ao valor corrigido pela inflação.

Em busca de soluções

O governo ainda não indicou solução para esse dilema. Entre as opções em análise, estão:

o veto parcial do Orçamento de 2021, com envio ao Congresso de projetos de lei que cortem as emendas;
a sanção do Orçamento de 2021, com envio de projetos para cortar emendas e recompor as despesas obrigatórias.
As emendas parlamentares são classificadas de acordo com o autor da proposta – que pode ser um parlamentar individual, as bancadas estaduais ou o próprio relator do Orçamento. Cada emenda tem regras próprias.

As emendas de relator, por exemplo, não podem ser cortadas por decreto. O governo Jair Bolsonaro precisa de autorização do Congresso para abrir mão desses pagamentos. Já as emendas individuais podem ser cortadas, mas apenas na mesma proporção do bloqueio das outras despesas discricionárias.

Técnicos da Consultoria de Orçamento do Congresso afirmam que um possível veto do presidente Jair Bolsonaro ao Orçamento 2021 poderia acirrar ainda mais os ânimos entre Executivo e Legislativo.

Para esses especialistas, o presidente não corre risco de um processo no TCU apenas por sancionar o Orçamento 2021 com pontos a serem corrigidos. O problema ocorreria apenas a partir da execução dos pagamentos.

Nesta quarta (31), o relator do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (MDB-AC), enviou ofício ao presidente Jair Bolsonaro para informar que pretende cancelar R$ 10 bilhões de suas emendas de relator assim que o projeto for sancionado.

Segundo os técnicos ouvidos, o valor não resolve a questão orçamentária, mas pode ser o “primeiro sinal” para a resolução do problema.

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