Se tem uma frase famosa entre economistas é “planejo, logo, improviso”, uma adaptação ao cartesiano “penso, logo, existo”. E o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem tentado lidar com os percalços no caminho. O plano inicial, quando foi anunciado como o homem forte do governo Lula, era arrumar a casa com os mesmos moldes que fez na cidade de São Paulo. Menos gastos, menos benefícios, menos perfumaria. A diferença é que na maior cidade do Brasil, a palavra dele era última. Quando se trata do sistema presidencialista brasileiro, em especial dentro de um governo de coalizão como é atualmente, as concessões e privilégios fazem parte do jogo — mesmo que isso signifique atrapalhar a economia.
Ano passado, ao executar a Lei de Diretrizes Orçamentárias feita por seu antecessor, o argumento do governo era que havia buracos enormes no orçamento e isso explicaria o rombo maior que o esperado nas contas públicas e alta no endividamento público. O problema é que, em 2024, com as diretrizes de gastos e arrecadação desenhadas pelo próprio governo, a trajetória de alta nos gastos e dívidas da União continua, e acende um sinal amarelo no mercado: será que Lula será capaz de entregar o país reequilibrado financeiramente?
Parte desta resposta pode ser obtida no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional na segunda-feira (15). Segundo o texto, o superávit fiscal não virá em 2025. Talvez, com otimismo, fique para 2026 quando é esperado um módico superávit de 0,25% do PIB, ou algo em torno de R$ 33 bilhões.
Na prática, isso significa que o governo empurrou para frente todas as metas positivas.
• Ano passado a ideia já era quase zerar o déficit e isso não aconteceu (déficit de R$ 230 bilhões).
• Em 2024, já anteciparam que isso também não ocorrerá, com a meta de déficit na casa dos 0,25% do PIB.
• Em 2025, se mantidas as condições de trajetória de queda da Selic, controle da inflação e retomada da atividade econômica, o planejamento é empatar a arrecadação com os gastos.
“Esse é um assunto que preocupa muita gente, e com razão. Preocupa o Ministério da Fazenda, mais do que qualquer outro ministério”, disse Haddad. De acordo com ele, desde 2015, há um déficit estrutural nas contas primárias. “Não é uma coisa nova, não é uma coisa boa. O Brasil está crescendo menos por causa disso. Nosso esforço é colocar ordem nisso”, disse.
Um superávit fora da banda do Arcabouço Fiscal, no entanto, deve ficar para 2027. No entendimento de Haddad, o atraso nos planos reflete a falta uma consciência coletiva, que una os Poderes da República, em direção ao reequilíbrio fiscal. “Não é fácil. A medida provisória do finalzinho do ano [sobre déficit zero] foi menos bem recebida do que as medidas do ano passado”, afirmou.
O ministro entende, no entanto, que faz parte do jogo. “É da vida, da democracia, mas nós precisamos discutir seriamente esses casos para continuar na trilha de, ao equilibrar as contas [sem déficit], permitir que os juros caiam, e que o crescimento seja mais robusto.”
Novos parâmetros
Apesar de mudar as metas dentro da banda de 0,25% para mais ou para menos que a âncora fiscal permite, Haddad começou a adaptar seu discurso.
Parte relevante do PT, inclusive a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, falou publicamente sobre a necessidade de mudar mais drasticamente as metas fiscais, ainda mais em ano eleitoral, e com a necessidade de mais gastos do governo.
Com essa fritura pública, Haddad se aproximou de Simone Tebet, ministra do Planejamento, e se debruçaram em formas de convencer o presidente Lula dos riscos trazidos ao afrouxar demais a contenção dos gastos. E deu resultado.
Foi nessa parceria que nasceu soluções como o adiantamento do pagamento dos precatórios quitados ano passado e que tira a pressão orçamentária em 2024.
De lá também saíram as projeções.
• A LDO, por definição Constitucional, precisa incluir a meta do governo e as projeções (que acoplam impressões do mercado e do Banco Central).
• Quando olhamos tais projeções, Lula sairá do governo com déficit fiscal.
• Esse rombo, que fica dentro da margem factível para não ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, aconteceria se não houvesse nenhuma mudança de quadro para arrecadação, por exemplo.
• Nesse cenário, em 2024, haverá déficit de R$ 9 bilhões; em 2025: rombo de R$ 29,1 bilhões; em 2026: rombo de R$ 14,37 bilhões.
À revista IstoÉ Dinheiro, Simone Tebet afirmou mudar o arcabouço ou afrouxar suas diretrizes não estão em jogo. Segundo ela, o ajuste da meta fiscal de 2025 é parte de um planejamento maior de avaliação de cenários e foi necessário para que o superávit venha de modo estruturado, e não apenas maquiado para um ano apenas.
“A meta é importante como um norte e nós vamos perseguir a meta zero, apesar de termos a banda de -0,25%. Não só este ano, mas como ano que vem. Garantindo, a partir daí, que o Brasil nunca mais entre em déficit.”
Uma garantia ousada, pelo menos para os que sabem da importância de improvisar no caminho.