O Ministério Público Federal (MPF) pagou em 2024 benefício financeiro por acúmulo de função a 64% dos procuradores. Em média, foram depositados neste ano R$ 11,6 mil na conta de 753 dos 1.167 integrantes da carreira —em uma ou mais parcelas.
A engorda no contracheque varia a depender do caso.
O primeiro lugar na lista recebeu R$ 30,9 mil nos cinco primeiros meses de 2024.
O benefício sempre existiu e foi regulamentado em 2020, na gestão de Augusto Aras, que chefiou a PGR (Procuradoria-Geral da República) na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e no início da de Lula (PT).
Na ocasião, Aras assinou uma portaria normatizando a remuneração extra de até um terço do salário para profissionais que acumulam funções dentro do órgão, chamado Gecos (Gratificação por Exercício Cumulativo de Ofício).
A medida foi editada sob o argumento de que juízes têm direito a esse benefício e que a paridade entre as carreiras justifica a criação do mesmo penduricalho para os integrantes do Ministério Público Federal.
A remuneração média paga aos procuradores neste ano foi de R$ 47 mil, montante superior ao teto constitucional do funcionalismo público, que é de R$ 41,6 mil.
O valor abrange, além do salário, outros itens, como o acúmulo de função, auxílio-alimentação, auxílio-creche, indenização de férias, entre outros.
Os profissionais costumam acumular função, por exemplo, na atuação perante mais de um setor do Judiciário ou em mais de um órgão interno do MPF, como em forças-tarefas intituladas de Gaeco (Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Ubiratan Cazetta, diz que a quantidade de pessoas recebendo o benefício se deve à falta de pessoal no MPF.
“Há um crescimento no número de processos e uma não reposição de membros”, afirma. “A razão mais evidente é o teto de gastos. O aposentado continua contando no teto de gastos, ele só vai deixar de ser computado quando morrer sem deixar pensionista. Temos mais de 600 cargos criados em lei e não providos”, disse.
A PGR não respondeu ao questionamento da reportagem da Folha de S. Paulo.
A previsão na Constituição de paridade entre magistrados e integrantes do MPF é um dos fatos que induzem, na prática, uma elevação constante de salários nas duas categorias. Isso porque todo benefício criado por uma carreira pode ser automaticamente pleiteado pela outra.
Foi esta a justificativa de Augusto Aras para regulamentar a verba adicional por acúmulo de função. Também foi este o argumento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para editar uma regra em outubro do ano passado que abriu caminho para a criação de diversos penduricalhos a magistrados.
A resolução aprovada pelo conselho garantiu a equiparação de direitos e deveres de juízes e do Ministério Público e determinou que somente em situações controvertidas o Judiciário deverá definir o que é válido e o que não é.
Pouco depois desta norma, o CJF (Conselho da Justiça Federal) equiparou um benefício da PGR para viabilizar aos juízes federais um aumento de até um terço do salário.
Segundo essa medida, juízes que acumulem funções administrativas ou outras atividades “processuais extraordinárias” terão direito a uma “licença compensatória na proporção de três dias de trabalho para um de licença, limitando-se a dez dias por mês”.
Os juízes que não desejam tirar essas folgas recebem por elas. O tribunal deve pagar esses valores por meio de indenização, sem incidência do Imposto de Renda.
Na prática, apontam pessoas que analisam a resolução, parte dos juízes federais poderá receber um valor de cerca de 30% do seu salário bruto mensal com esse penduricalho.
Têm direito a esse benefício magistrados que, por exemplo, coordenem conciliação, dirijam escola de magistratura ou fórum federal, sejam da cúpula dos Tribunais Regionais Federais ou que auxiliem a cúpula, sejam conselheiros do CNJ ou dirigentes de associação, entre outros.
Na PGR, outra manobra para engordar o salário consiste na conversão em dinheiro da licença-prêmio. O penduricalho custou aos cofres públicos ao menos R$ 439 milhões de 2019 a 2022.
Os números indicam que o benefício —90 dias de folga remunerada a cada cinco anos de trabalho— foi transformado em pagamento em dinheiro para 85% dos procuradores que compõem o MPU: Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
O valor, que por ser de caráter indenizatório não se submete às regras do teto salarial do funcionalismo, dá uma média de R$ 184 mil para cada um dos mais de 2.000 procuradores que recorreram ao benefício em dinheiro e representa 9% da soma de todas as remunerações líquidas pagas no período.
Benefícios e condutas de autoridades do Judiciário têm despertado críticas e debate sobre privilégios a essas carreiras no meio político nos últimos meses.
O Congresso tentou aprovar a chamada PEC do Quinquênio, que previa um aumento de 5% do salário a cada cinco anos para juízes e membros do Ministério Público, em iniciativa que foi chamada de “retrocesso” pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
Gastos da cúpula das instituições também têm sido questionados. A PGR omitiu de seu Portal da Transparência informações de diárias e passagens do chefe do órgão, Paulo Gonet, e de subprocuradores gerais.
No início do mês, o Supremo pagou R$ 39 mil a um segurança do ministro Dias Toffoli em diárias por viagem ao Reino Unido que incluiu ida do magistrado à final da Champions League.