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domingo 1 de outubro de 2023 às 06:39h

Encontro em churrascaria, cerveja no Alvorada e drible em Gilmar levaram Kassio ao STF

DESTAQUE, JUSTIÇA, NOTÍCIAS


O juiz federal e o deputado se conheceram por acaso numa churrascaria instalada numa casa simples da Vila Planalto, a 10 minutos do Congresso e dos tribunais de Brasília. Kassio Nunes Marques se apresentou a Jair Bolsonaro na hora do almoço. Os dois trocaram telefones e passaram a se falar por WhatsApp.

Eram os primeiros meses de 2018, relembra Bruno Boghossian, da Folhapress. A pré-candidatura de Bolsonaro à Presidência ganhava força, mas pouca gente já apostava que ele chegaria ao Palácio do Planalto. Kassio era vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e vivia em campanha por uma cadeira no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O encontro acidental abriu caminho para uma relação que, dois anos depois, resultaria numa indicação para o STF (Supremo Tribunal Federal) que surpreendeu ministros da corte, políticos, aliados de Bolsonaro e amigos de Kassio.

Foi o primeiro capítulo de um processo de aproximação que se manteve praticamente desconhecido, uma vez que Kassio não integrava nenhuma lista de cotados para o STF. O juiz federal, no entanto, passaria a frequentar o Palácio da Alvorada para assistir a partidas de futebol com o presidente e beber cerveja.

As sementes foram plantadas ainda em 2018. Em agosto, depois do encontro no restaurante, Bolsonaro esteve no gabinete de Kassio no TRF-1 com a bancada ruralista.

Os parlamentares queriam que o juiz derrubasse uma liminar que havia suspendido o registro de agrotóxicos contendo glifosato, substância apontada como provavelmente cancerígena. Dias depois, Kassio atendeu ao pedido.

Bolsonaro relatou uma boa impressão do juiz após o encontro. Segundo aliados, o então deputado identificou ali um magistrado disposto a ouvir o pleito dos ruralistas e seguir uma visão que ele considerava importante.

A reta final da campanha eleitoral fez com que os dois se tornassem bem mais do que meros conhecidos. Um dos principais movimentos de Kassio foi uma visita ao condomínio Vivendas da Barra, no Rio, entre o primeiro e o segundo turno daquela eleição.

A casa de Bolsonaro havia se tornado ponto de encontro depois da facada sofrida pelo então candidato.

Semanas após o deputado deixar o hospital e voltar para casa, Kassio visitou o presidenciável para desejar uma boa recuperação. Os dois voltaram a conversar quando o juiz telefonou para parabenizar Bolsonaro pela vitória na eleição.

Pessoas próximas a Bolsonaro e Kassio dizem que o juiz acreditava ter se tornado ali um nome forte para chegar ao STJ.

Ele mirava o tribunal desde 2015, quando disputou uma cadeira, mas, por pouco, não teve votos suficientes na eleição para a lista tríplice. A ligação direta com o presidente da República era agora praticamente uma garantia de nomeação.

Os dois viraram amigos. Depois de se mudar para o Palácio da Alvorada, Bolsonaro começou a convidar Kassio para visitá-lo. Torcedor do Flamengo, o juiz assistia a partidas do time com o presidente em alguns finais de semana.

Os encontros alimentaram uma relação de confiança, que só se tornaria pública tempos depois. Era nessas ocasiões que os dois conversavam enquanto tomavam cerveja (Bolsonaro não era um abstêmio, mas bebia pouco, de acordo com aliados).

Não era figura de linguagem, portanto, a explicação que Bolsonaro deu após indicar Kassio. “Eu até falei: olha, esse cara tem que tomar uma cerveja comigo, ou tubaína. Eu não vou indicar um cara só pelo currículo”, disse o então presidente numa entrevista em 10 de outubro de 2020.

No Alvorada, os dois conversavam sobre uma agenda que Bolsonaro considerava central para o Judiciário. Ainda que não sondasse o católico Kassio para o STF, o então presidente enxergava suas credenciais conservadoras.

“Se a gente estiver tomando refrigerante juntos, nós temos coisa em comum para discutir: a questão do aborto, família, armamento, política externa, livre mercado, essas coisas”, afirmou Bolsonaro naquela mesma entrevista.

“O que eu transmito se eu estou tomando uma tubaína contigo? O que quer dizer? Que nós somos amigos.”

Em meados de 2020, a amizade consolidou Kassio como o candidato da família Bolsonaro para uma vaga que seria aberta no STJ no final do ano. Àquela altura, o senador Flávio Bolsonaro (RJ) levava Kassio a encontros com parlamentares e ministros de tribunais superiores em busca de apoio para aquela cadeira.

Os dois eram acompanhados pela juíza federal Maria do Carmo Cardoso, do TRF-1, conhecida como Tia Carminha. O senador e a juíza são apontados como aqueles que, mais tarde, levariam a Bolsonaro argumentos para indicar Kassio para o STF, não para o STJ —mas a relação com o presidente pesou mais que qualquer apadrinhamento.

O processo de escolha foi apressado nos últimos dias de setembro de 2020, quando Celso de Mello comunicou ao STF a antecipação de sua aposentadoria. O ministro deveria deixar a corte em 1º de novembro, mas marcou a saída para 13 de outubro.

Até então, o favorito para a vaga no STF era o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira. Bolsonaro já havia discutido com auxiliares sua substituição no governo, e o mundo político o tratava como virtual indicado para o tribunal.

Na noite de 28 de setembro, um jantar no apartamento da então senadora Kátia Abreu (TO) reuniu o ministro Gilmar Mendes, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), o senador Renan Calheiros (AL) e outros parlamentares.

Ali, eles chegaram a uma conclusão: dada a imprevisibilidade do governo Bolsonaro, Jorge Oliveira seria uma boa opção.

Oliveira foi chamado para uma conversa na tarde seguinte, no mesmo local, com o mesmo elenco e outros cardeais do Senado.

Os parlamentares perguntavam sobre temas sensíveis, como a prisão após condenação em segunda instância, mas perceberam que Oliveira se esquivava. Em poucas horas, souberam o motivo.

Alcolumbre havia recebido a missão de dizer a Bolsonaro que havia apoio a Oliveira até entre ministros como Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Quando o senador procurou o presidente, ouviu que já havia outro nome escolhido. Bolsonaro fez mistério, mas afirmou que levaria o indicado à casa de Gilmar horas mais tarde.

Naquele 29 de setembro, Kassio recebeu um telefonema de um assessor de Bolsonaro durante um julgamento do TRF-1. Era uma convocação urgente ao Palácio do Planalto. Ele pediu desculpas aos colegas de corte, disse que tinha uma emergência e saiu da sessão.

O juiz já tinha recebido sinalizações de que seu destino poderia ser o STF, mas não contava com a indicação. No gabinete de Bolsonaro, o presidente explicou que havia antecipado sua escolha para tentar driblar a pressão de políticos e ministros do STF a favor de outros nomes.

Kassio ficou no gabinete presidencial até o início da noite, quando os dois foram até a casa de Gilmar Mendes, onde já estava Davi Alcolumbre. Os dois manifestaram surpresa, pois também tratavam o juiz apenas como candidato ao STJ.

Mais tarde, Dias Toffoli se juntou ao grupo e protagonizou uma cena de constrangimento, segundo os presentes. Diante de Bolsonaro e Kassio, o ministro insistiu que Jorge Oliveira era um candidato melhor para a vaga. Depois, ele tentou desfazer o embaraço.

A revelação do nome de Kassio deflagrou uma rebelião entre políticos que defendiam o procurador-geral Augusto Aras para a vaga. Depois que a notícia do jantar vazou, senadores fizeram uma reunião para discutir uma maneira de pressionar Bolsonaro a mudar de ideia.

Kassio apareceu no encontro, a convite de Renan Calheiros. Passou por uma sabatina informal, respondeu a perguntas dos senadores sobre garantismo e temas como o agronegócio e desarmou a bomba. O piauiense Ciro Nogueira deu um testemunho favorável ao futuro ministro.

Ainda que a nomeação de Kassio tenha ficado marcada, à época, com uma impressão digital do centrão, o que ajudou o juiz foi o oposto.

Bolsonaro se decidiu por um dos poucos nomes do Judiciário a que ele tinha acesso, que quase ninguém sabia que estava na disputa e que não era indicação de nenhum grupo político ou ministro do STF.

Valeu o critério da tubaína, diz Bruno Boghossian, da Folhapress.

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