Protagonizada por Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, a eleição de 2018 deixou um rastro de discórdia nas famílias brasileiras. A sanitarista Marcella Sena, de 26 anos, sentiu isso na prática: viu o grupo de WhatsApp dos parentes implodir após mandar figurinhas do ex-presidente Lula. Ficou meses sem falar com a avó e a prima. E ainda perdeu contato com um tio bolsonarista, que passou a evitar em festas e encontros.
De 2018 para cá, a paz não foi selada, mas alguns laços se restabeleceram. E prevendo mais uma eleição polarizada e de discussões acaloradas neste ano, a família decidiu proibir o tema da política.
— A motivação para o acordo foi a minha avó, que quer paz nos encontros. Proibir o assunto foi a solução para evitar estresse na frente dela, que já está com 85 anos. Fica uma situação estranha, mas a gente finge que está tudo bem — relata Marcella, que preferia continuar dialogando, mas acabou sendo voto vencido.
A proximidade das eleições também motivou igrejas, empresas e escolas a tomarem medidas similares. Ao vetar qualquer tipo de conversa sobre o pleito, esses lugares esperam evitar que o “Ba-Vi” contamine as relações.
Conforme o jornal O Globo, a medida leva em consideração o que ocorreu em 2018, quando o país ficou dividido entre petistas e bolsonaristas, e muitos romperam amizades e relacionamentos. Uma pesquisa Datafolha de 2019, logo depois das eleições, mostrou que 51% dos brasileiros desistiram de comentar ou compartilhar conteúdos relacionados a política no WhatsApp justamente para evitar brigas com família e amigos.
A expectativa é que o clima de torcida de futebol seja ainda maior neste ano, pois Lula, que teve suas condenações na Lava-Jato anuladas, será candidato. Não à toa, já se encontra com à venda na internet itens do tipo “torcedor”, como camisetas, adesivos e toalhas de banho com os rostos de Lula e de Bolsonaro.
Embora sempre tenha gostado de falar sobre política, a especialista em comunicação institucional Letícia Fernandes, de 22 anos, vai restringir sua opinião somente às urnas este ano. O motivo foi religioso: o dirigente de sua casa proibiu posicionamentos dentro e fora do terreiro de umbanda.
— Confesso que estranhei um pouco o fato de não me posicionar em lugar nenhum, só nas urnas. Vou cumprir porque é a minha fé, o que eu acredito há sete anos — relata Letícia, explicando que a medida foi motivada pelo “climão” que discussões eleitorais geraram no terreiro.
Nas escolas, a preocupação também é uma realidade, mas em vez de briga entre alunos, o receio de diretores e coordenadores é com os pais, que muitas vezes se incomodam quando o tema é trazido à sala de aula. Professores ouvidos reservadamente pelo GLOBO contaram ter recebido orientações para evitar falar sobre política este ano, mesmo sem tratar especificamente de Lula ou Bolsonaro.
O ambiente corporativo é outro que tem estabelecido regras para manter o bom convívio: há empresas que decidiram dar advertências aos funcionários que evoluírem da discussão para o bate-boca. Outras, como a da empresária Renata Nunes, de 43 anos, vetaram o assunto.
— Comunicamos aos funcionários que no horário de trabalho não seria conveniente falar sobre política —diz ela, que nas eleições passadas se candidatou a vereadora, mas hoje se diz desacreditada no país. — Pensamos assim porque cada um tem uma opinião, se todos falassem a mesma língua seria mais fácil.
Com o cerco fechado na família e nos ambientes sociais, a alternativa para aqueles que valorizam uma boa discussão tem sido buscar, nas redes sociais, outros interessados pelo assunto. Foi o que fez o estudante Cauan Sales, de 17 anos, que participa de grupos de WhatsApp sobre política. Para dar certo, no entanto, ele diz que é preciso regras.
—Já participei de grupos tóxicos onde não havia regra e era repleto de pessoas da ‘alt-right’, como nazistas e supremacistas brancos. Eu tentava discutir com eles, mas era inútil. Inclusive, cheguei até a sofrer hackeamento do meu celular e ameaças de morte — conta. — A receita para dar certo é ter administradores que apliquem punições ou removam as pessoas que desrespeitarem as regras.
Ele cita ainda declarações racistas, xenofóbicas ou homofóbicas, assédio, intolerância religiosa, fake news e apologia ao nazismo como condutas vedadas que ajudam a manter a discussão saudável. Além de outras diretrizes como a proibição de propagandas, pornografia ou envio massivo de mensagens.