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quarta-feira 21 de junho de 2023 às 09:56h

Emprego formal surpreende no Brasil e analistas já reveem projeções

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Após um movimento de retomada que priorizou os empregos do setor informal, que têm pior qualidade e remuneram pior, a recuperação do mercado de trabalho brasileiro tem sido capitaneada pela criação de vagas no setor formal, em especial as com carteira assinada. Em linha com o crescimento mais forte que o esperado da economia brasileira desde o início do ano, essa modalidade de emprego também vem surpreendendo segundo reportagem de Marcelo Osakabe, do Valor, levando analistas a revisarem suas projeções para o mercado de trabalho no fim do ano.

De acordo com o Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a economia abriu 1,9 milhão de postos de trabalho com carteira assinada no setor privado nos últimos 12 meses até abril, na série ajustada. Destes, 705 mil apenas nos quatro primeiros meses do ano. Já o salário médio real de admissão chegou a R$ 2.015,58, ainda 8% abaixo do patamar visto em janeiro de 2020.

O número ajudou a taxa de formalização do mercado de trabalho a alcançar 61,1% no trimestre encerrado em abril, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua. Exceção feita a 2020, quando a taxa de formalização teve um salto em meio à onda de demissões ocorridas na pandemia, afetando sobretudo as camadas de renda mais baixa, esse nível não é visto desde 2016, no início da série histórica da Pnad Contínua.

“Tanto o Caged quanto a Pnad vêm mostrando aumento da oferta de vagas formais. De certa forma, isso faz parte do processo de normalização do mercado de trabalho, após um início de recuperação pós-pandemia focado no setor informal. O que tem surpreendido é a magnitude da melhora do setor formal”, afirma o economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi.

Para Imaizumi, a maior parte desses empregos pode ser explicada pela normalização após a pandemia – não apenas escritórios e lojas, mas também escolas e hospitais. A administração pública, continua, se beneficiando dessas tendências e também da mudança de governo. “Vimos uma retomada de abertura de vagas no setor público após quatro anos de perdas e é de se esperar que um governo do PT se reflita em uma tendência mais forte de contratações”, diz.

O mesmo raciocínio vale para a construção, que também se mantém aquecida devido ao estoque de concessões feitas recentemente. “Embora seja um setor mais sensível a crédito e com grande participação de trabalhadores informais, a gente vê alguma resiliência principalmente pela retomada das obras públicas, um ramo em que a formalização do vínculo de emprego é mais exigida.”

Há ainda um possível outro motivo para essa recuperação mais forte que o esperado, diz Imaizumi. “O que talvez possamos estar subestimando são os efeitos das reformas conduzidas na década passada”, diz. “A gente sabe que a reforma trabalhista, por exemplo, reduziu muito a litigância de má-fé e que pequenas empresas – as que mais contribuem para geração de vagas – são muito afetadas pela abertura de um processo trabalhista. Logo, essa redução da litigância pode ter contribuído para que mais empresas tenham conseguido sobreviver.”

Para Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, outro fator que pode estar colaborando para uma maior retenção do mercado de trabalho formal é a reforma da Previdência. “Não é algo muito palpável, é mais uma hipótese que temos e que ainda carece de dados. Mas o que temos observado é que a entrada na força de trabalho de população com mais de 50 anos cresceu. Ainda precisa de robustez econométrica para comprovar que isso ocorreu por causa da reforma da Previdência. Mas faz sentido: a reforma elevou o tempo necessário para o trabalhador se aposentar por tempo de contribuição. E o perfil de quem tipicamente se aposenta por esse esquema é o trabalhador do mercado formal”, nota.

“Essas pessoas, por construção, têm mais facilidade de conseguir emprego, a produtividade delas é maior – em determinadas ocupações é a idade em que se atinge o pico da produtividade”, acrescenta Vitor Vidal, também do Bradesco.

Um outro fator, mais concreto, que pode estar contribuindo para o aquecimento do emprego com carteira assinada é o custo unitário do trabalho. Nos cálculos do banco, ele ainda está 2,7% abaixo do quarto trimestre de 2019. “Esse custo vinha crescendo ano passado, mas de forma comportada. E mesmo com o maior reajuste do salário mínimo em sete anos em 2023, o custo unitário do trabalho caiu no primeiro trimestre”, diz Honorato. “Se somarmos esse fator à reforma trabalhista, pode significar que a facilidade de contratação cresceu, inclusive para a base da pirâmide, o setor de serviços.”

Vale notar que o crescimento da ocupação formal é capitaneado pela ocupação com carteira assinada, ao passo que os trabalhadores por conta própria com carteira assinada, grupo do qual faz parte o microempreendedor individual (MEI) não apresentou resultado positivo no período, nota Lucas Assis, economista da Tendências Consultoria.

Por outro lado, a recuperação do emprego formal pode estar ligada ainda a um desempenho mais resiliente que o antecipado do consumo de bens pelas famílias no primeiro trimestre, diz Thiago Xavier, também da Tendências. Segundo dados do IBGE, o PIB do comércio apresentou alta de 0,3% nos três primeiros meses do ano, contrariando a expectativa de queda de boa parte dos analistas.

“Imaginávamos que as condições financeiras mais apertadas iam frear esse consumo, mas as concessões de crédito para as pessoas físicas seguem mais firmes que o esperado”, diz Xavier. “Uma hipótese é que, ainda que o financiamento esteja mais caro, as pessoas se sentem mais confortáveis em fazê-lo justamente porque estão em um emprego mais estável e que tradicionalmente paga mais que uma ocupação informal também”.

Tudo somado, a Tendências projeta uma abertura de 1,2 milhão de vagas no Caged em 2023, o que deve ajudar a taxa de desemprego média no ano a encerrar em 8,0%. Segundo Assis, a formalização pode continuar avançando junto com a recuperação do setor de “Administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais”. “É importante notar que o PIB dos serviços de administração pública terminou o ano passado ainda abaixo do patamar pré-pandemia, isto é, do quarto trimestre de 2019 (1% abaixo do nível pré-pandemia). Ao longo de 2023, deve fechar essa defasagem entre o nível atual do fim de 2022 e o pré-covid; portanto, ainda há algum espaço para a normalização dessa atividade”.

Já Imaizumi, da LCA, espera um saldo de 1,5 milhão de postos formais criados ao longo de 2023 no Caged. “É uma projeção mais alta que a da média dos economistas, mas abaixo dos 2 milhões criados em 2022 e condizente com um PIB mais baixo neste ano.”

Apesar disso, ele vê pouco espaço para um avanço maior da formalização do trabalho na economia brasileira. “ Desde meados de 2022 essa taxa vem aumentando e agora parece se estabilizar. No entanto, essa taxa não varia muito em termos de amplitude ao longo do tempo. Pode até avançar, mas vai sempre esbarrar na qualificação do brasileiro médio”, pondera.

Opinião semelhante tem Vidal, do Bradesco. “Para sair desse patamar histórico de formalização do mercado de trabalho, que oscila perto dos 60%, existem barreiras estruturais. Não apenas a produtividade do trabalhador, que não cresce há três décadas, mas também seria preciso baratear ainda mais o custo de contratação. Apesar da reforma trabalhista, o Brasil ainda é considerado um país com baixa flexibilidade, principalmente em setores intensivos em mão de obra”, diz o economista. “Mesmo durante o pico da pandemia, quando a taxa de formalidade bateu seu pico por causa da onda de demissões, ela não chegou a 64%, ainda distante dos 70% das economias mais desenvolvidas.”

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