A auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) nos repasses de emendas pix que beneficiaram ONGs ao longo dos últimos quatro anos está fiscalizando a aplicação de recursos que tiveram como origem verbas enviadas segundo a colunista Malu Gaspar, do O Globo, pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP). Alcolumbre é o favorito para assumir a presidência do Senado em fevereiro do ano que vem.
A apuração sigilosa foi limitada a uma amostra de apenas dez entidades espalhadas em sete Estados e ainda está em andamento. O trabalho deve ser finalizado e enviado na próxima segunda-feira (11) ao gabinete do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em agosto, Dino determinou um pente-fino “de todos os repasses de emendas pix” em um prazo de 90 dias, que acabou esticado a pedido do governo Lula. Essa modalidade de emenda permite que cada parlamentar indique valores para as contas de prefeituras e Estados, que podem usar a verba como bem entenderem, muitas vezes sem esclarecer quem enviou o recurso e nem prestar contas de sua utilização.
As emendas do Amapá foram selecionadas ainda de acordo com Malu Gaspar, pela auditoria por serem o maior valor conjunto na região Norte – R$ 6,4 milhões ao todo enviados conjuntamente por Alcolumbre, Randolfe e pelas ex-deputadas federais Professora Marcivania (PCdoB-AP) e a Aline Gurgel (Republicanos-AP) para duas ONGs. Uma delas, no município de Santana, e outra em Macapá.
Também entrou na mira da CGU a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba, sediado em Campina Grande, que já recebeu R$ 2,8 milhões por uma emenda da senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), da base do governo Lula.
O blog apurou que, dos casos sob investigação, o da fundação é considerado um dos mais graves, com suspeitas de falhas na execução das verbas.
Embora os detalhes de cada caso ainda não sejam conhecidos, os auditores da CGU já identificaram exemplos de direcionamento na escolha das ONGs que recebem os recursos, especialmente devido à ausência de chamamento público (espécie de licitação para escolher as entidades que vão receber as verbas).
Em outras situações, foi constatado que as entidades selecionadas não possuem capacidade técnica ou operacional para a execução da parceria. Além disso, a maioria das ONGs apresenta falhas de transparência, o que dificulta o acompanhamento e a fiscalização pela sociedade quanto ao uso dos recursos públicos, conforme apurou o blog.
O trabalho de avaliação da CGU foca no processo de seleção das ONGs, na adequação dos projetos firmados, na regularidade das compras realizadas, no monitoramento da parceria e na avaliação da transparência. As atividades incluem análise de documentos, visitas in loco de auditores e entrevistas com funcionários das ONGs.
Conforme revelou o blog, a CGU está se debruçando sobre duas ONGs de cada região brasileira, focando as que mais receberam recursos via emenda pix de cada parte do país. O número da amostra é considerado muito baixo por técnicos e entidades da sociedade civil ouvidos pelo blog, que avaliam que o recorte não permite uma opinião muito aprofundada e completa, apesar da gravidade da questão.
ONGs na mira
Da região norte, a auditoria da CGU está fazendo um pente-fino em ONGs que receberam emendas pix que, segundo o rastreamento dos técnicos do governo, tiveram origem nos gabinetes de Alcolumbre e Randolfe. Os dois e a ex-deputada federal Professora Marcivania enviaram emendas pix para o Estado do Amapá e o município de Santana, de 120 mil habitantes, que totalizaram R$ 3,29 milhões.
Nesse caso, o dinheiro foi enviado para uma ONG que fica em Macapá, o Instituto de Gestão em Desenvolvimento Social e Urbano – Inorte, que se define como uma entidade em “busca de soluções” para “problemas do desenvolvimento social e econômicas (sic) das classes de menor condições sociais”.
A outra ONG beneficiada com R$ 3,125 milhões foi a Liga dos Blocos de Micareta e Carnaval de Santana (Liblomica). Nesse caso, as emendas foram enviadas por Alcolumbre e pelas ex-deputadas Professora Marcivânia e Aline Gurgel, atual presidente do Republicanos no estado. Mais uma vez o dinheiro chegou para o município de Santana, que a repassou para a liga.
Santana é um caso que expõe o impacto das “emendas pix” no tabuleiro político regional.
Como informou o repórter Dimitrius Dantas, do GLOBO, nos 112 municípios que mais receberam recursos desse tipo, 105 reelegeram seus prefeitos, um índice de 93,7% – um deles é justamente o prefeito de Santana, Sebastião Bala Rocha (PP), reeleito com 67,46% dos votos válidos no mês passado.
O que dizem os parlamentares e a CGU
Procurada pelo blog, a senadora Daniella Ribeiro afirmou que a auditoria da CGU é “necessária para dar transparência e segurança à remessa dos recursos”.
Randolfe, por sua vez, alegou que “destina emenda exclusivamente a entes públicos”, frisou que todos eles “possuem mecanismos de controle próprios, assim como possui o governo federal” e afirmou que “defende e cobra dos organismos de controle a fiscalização de toda a execução orçamentária”.
Já Alcolumbre disse, em nota enviada por sua assessoria, que “os entes federados beneficiados por essas emendas são responsáveis legalmente por informar sobre a programação finalística, a área, o objeto de gasto e o relatório de gestão desses recursos, seguindo todos os critérios técnicos e regulamentares constantes da legislação vigente”.
A ex-deputada Professora Marcivânia afirmou que “fiscaliza a execução das emendas que tem responsabilidade”, mas observou que “parte da execução das emendas, notadamente no que diz respeito ao beneficiário final daquela política na qual o gestor decide investir é do ente federado beneficiado.”
De acordo com a ex-deputada Aline Gurgel, os recursos da sua emenda para a prefeitura de Santana foram utilizados no carnaval 2024 pela escola de samba Império do Povo, com “a realização gratuita de cursos de costureira, destinados ao benefício direto da população”.
“Vale destacar que a escola de samba foi campeã do carnaval do ano de 2024, ano em que a emenda foi destinada. A ex-parlamentar reforça que todo o processo de pagamento da emenda seguiu os requisitos legais, com prestação de contas rigorosa e auditoria, evitando qualquer tipo de irregularidade.”
Os governos do Amapá e da Paraíba não haviam respondido à reportagem até a publicação deste texto.
Segundo a prefeitura de Santana, todas as entidades que assinaram contratos com o município foram selecionadas por chamada pública, que teria sido amplamente divulgada. “Os recursos são aplicados de acordo com o planejamento elaborado pelas secretarias e aprovados pelo comitê gestor, composto pelos secretários de planejamento, governo, fazenda, procuradoria e controladoria”, informou.
A CGU comunicou em nota à imprensa que “não comenta detalhes de auditorias em curso”, mas reiterou que a apuração segue “critérios técnicos rigorosos, com foco na transparência e no interesse público”.