Já se passaram 53 dias desde que o presidente Jair Bolsonaro foi à Câmara entregar a reforma da Previdência, nas mãos do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Mas, até hoje, o governo continua com as mesmas dificuldades para conseguir que o texto passe sequer da primeira fase, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Segundo publicou o Correio Braziliense, desde os primeiros momentos, o obstáculo principal é a questionada articulação política entre Planalto e Congresso. Agora, o descontentamento tem sido evidenciado pela atuação dos congressistas, sobretudo do centrão, na CCJ: nenhum interesse em defender a matéria e, nos últimos dias, uma pressão forte para que a pauta fique atrás de temas bem menos relevantes para o governo.
Apesar de reconhecer que a articulação “não está 100%”, o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), mantém a confiança de que as reuniões que Bolsonaro tem feito com lideranças partidárias surtam efeito na votação do parecer da reforma. Para o parlamentar, o trabalho de articulação feito “corpo a corpo” com os deputados, sobretudo com os membros da comissão, vai ajudar no mapeamento de votos pela admissibilidade do projeto na Casa. “Esse foi o primeiro projeto entregue pelo governo. Mesmo positivo, é polêmico. A construção de uma base aliada é difícil”, explicou.
O andamento da matéria na CCJ foi difícil desde o início, com a busca por alguém disposto a relatá-la, o que não foi fácil de conseguir. A falta de diálogo resultou em outro nome do partido de Bolsonaro: Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG). Desde a leitura do parecer, na última terça-feira, até os deputados que poderiam integrar a base de apoio do governo têm se mobilizado para obstruir a discussão. A fim de aprovar o relatório, eles têm negociado como moeda de troca outras pautas de interesse do grupo, como o Orçamento impositivo, que obriga o pagamento de emendas que poderiam ser adiadas.
Mesmo com a reação dos parlamentares, o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), ressalta que o início da discussão sobre o parecer começa, “com certeza”, na segunda-feira e a votação será mantida para terça-feira, apesar das tentativas do centrão de inverter a pauta. A demora para analisar o texto atrapalha também a escolha dos nomes que farão parte da comissão especial, que analisa o mérito da reforma. Waldir explica que os partidos esperam pelo fim dos trabalhos na CCJ para que Maia crie a comissão especial.
“Assim que ele (Rodrigo Maia) lançar a comissão, vamos indicar os nomes. A expectativa é de que isso aconteça na semana seguinte ao feriado de Páscoa, na segunda ou na terça-feira da semana que vem”, destacou. Entretanto, o líder do PSL disse que prefere preservar os nomes dos parlamentares que pediram para participar, uma vez que a admissibilidade da reforma sequer foi analisada na CCJ. “Como Maia é um defensor da reforma, acredito que ele deve ter pressa para instalar a comissão. Vamos aguardar o melhor momento para indicar os membros”.
O deputado Paulo Pimenta (RS), líder do PT na Câmara, não acredita que o texto será votado na CCJ na semana que vem, porque ainda é preciso “acumular mais debate” sobre os pontos que, na avaliação dele, afrontam a Constituição. “Queremos que nem chegue à comissão especial”, afirmou. Pimenta disse que não tem se debruçado sobre possíveis nomes para a comissão seguinte. “Há um entendimento crescente de que o texto agride a Constituição e não tem como ser autorizado”, afirmou.
Voto em separado
O deputado Luiz Flávio Gomes (PSB-SP) vai apresentar um voto separado na segunda-feira, no qual questiona 15 pontos de inconstitucionalidade no parecer do relator. Ele pediu a Francischini que houvesse, ao menos, uma votação ponto a ponto. “Daria força à CCJ, que tem importância dentro da Casa. O relator entenderia nossas demandas e poderia adotar algumas delas”, disse. A vontade de discutir itens separadamente do relatório, segundo o deputado, é de toda a oposição. No entanto, o presidente da CCJ entendeu que não cabia à comissão fazer isso.
Com o apoio de toda a bancada, o PSol protocolou um voto em separado contra a reforma, na última quinta-feira. O documento foi assinado pela deputada Talíria Petrone (RJ), titular da CCJ, e Marcelo Freixo (RJ), suplente. Eles consideram que a proposta do governo prejudica mais as mulheres e tem impacto desproporcional sobre professores. Também alegam violação do direito fundamental ao acesso à Justiça, retrocesso nos direitos dos trabalhadores rurais, precarização da remuneração dos idosos atendidos pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), entre outros.
Mesmo que a admissibilidade da PEC seja aprovada pela CCJ, a fase potencialmente mais demorada é a que vem depois, na comissão especial. O segundo colegiado avalia o conteúdo e o mérito de cada item da proposta. É nessa etapa que os deputados apresentam as emendas, que são sugestões de mudanças no texto. A tramitação também pode demorar na comissão especial porque, nessa etapa, são feitas muitas audiências públicas e seminários com especialistas, representantes do governo e outras autoridades no assunto. Antes de apresentar o primeiro parecer, o relator da reforma de Michel Temer, deputado Arthur Maia (DEM-BA), ouviu 65 expositores, em 15 audiências públicas e um seminário internacional.
PECs grandes, como a da reforma da Previdência, costumam ser alvo de dezenas ou até centenas de emendas. A de Temer, por exemplo, recebeu 164 sugestões de mudanças. As anteriores, dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, reuniram, respectivamente, 82 e 457. Os deputados podem apresentá-las nas 10 primeiras sessões do plenário após a instalação do colegiado.
Os números são expressivos quando se avalia que, para protocolar uma emenda, é preciso que ela tenha a assinatura de um terço dos deputados (171). Alguns temas já são alvos certos de sugestões, adiantados por parlamentares da base aliada, do Centrão e da oposição: as mudanças no BPC e na aposentadoria rural, a proposta de capitalização e a retirada das regras previdenciárias da Constituição são apenas alguns dos assuntos que serão abordados.
Decisão só na próxima semana
Questionado sobre a comissão especial, Luiz Flávio Gomes, que é ex-procurador e tem vasta experiência no mundo jurídico, afirmou que o líder do partido, Tadeu Alencar (PE), decidirá na próxima semana. A atenção tem sido destinada à CCJ no momento, mesmo que os pedidos dos parlamentares já estejam sendo analisados pela liderança.
O impacto
O governo espera economizar R$ 1,1 trilhão nos próximos 10 anos com a aprovação da reforma da Previdência
308
Número de votos que o Planalto precisa em plenário na Câmara dos Deputados para aprovar a PEC
“Assim que ele (Rodrigo Maia) lançar a comissão, vamos indicar os nomes. A expectativa é de que isso aconteça na semana seguinte ao feriado de Páscoa”
Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara
“Esse (a reforma da Previdência) foi o primeiro projeto entregue pelo governo. Mesmo positivo, é polêmico. A construção de uma base aliada é difícil”
Felipe Francischini (PSL-PR), presidente da CCJ