Emendas parlamentares, obras públicas e incentivos fiscais são uma caixa-preta nos estados e no Distrito Federal, aponta levantamento do braço brasileiro da ONG Transparência Internacional.
Dedicada ao combate à corrupção, a ONG fez um estudo inédito da transparência em todos os governos estaduais. O resultado está no Índice de Transparência e Governança Pública (ITGP), um ranking lançado nesta semana que avalia as administrações segundo 84 critérios.
Entre eles está a divulgação de dados relacionados às emendas parlamentares estaduais, um instrumento que deputados usam para enviar recursos a obras e projetos de seu interesse –mecanismo semelhante ao empregado no Congresso Nacional.
O problema é que, de acordo com a Transparência Internacional, nenhum estado publica informações completas sobre essa prática.
O levantamento da ONG também considera, por exemplo, o grau de acompanhamento que cada estado permite sobre a execução de obras públicas (incluindo aquelas que dispõem de verbas federais), bem como sobre a concessão de incentivos fiscais e os resultados alcançados com eles.
Nesses dois casos, apenas uma minoria dos governos estaduais satisfaz as exigências da Transparência Internacional.
A maioria se sai mal mesmo diante de um critério bem mais simples: apenas 7 unidades da Federação (DF, ES, GO, RJ, RS, RO e SC) divulgam diariamente as agendas de seus respectivos governadores, permitindo o acompanhamento de reuniões e outros eventos que envolvam grupos de interesse (lobby).
“O ITGP é a mais abrangente e detalhada avaliação independente de transparência e governança da administração pública já realizada no Brasil”, afirma Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil.
A consolidação do Índice de Transparência e Governança Pública mostra em sua classificação geral apenas cinco estados na faixa considerada ótima, com desempenho de pelo menos 80 pontos: Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rondônia e Goiás.
O mapa reflete em certa medida as desigualdades regionais do país, mas Brandão chama a atenção para a presença de Rondônia no topo e para a colocação mediana de São Paulo, no 12º lugar.
“Isso aponta para a conclusão de que as condições gerais econômicas e institucionais importam, mas que decisões de políticas públicas podem ser igual ou até mais relevantes para elevar padrões de transparência e boa governança.”
Para chegar ao índice, que terá atualização anual, a ONG selecionou critérios que permitem avaliar não só a presença de mecanismos para prevenir e combater a corrupção, mas também a transparência em geral e a existência de boas práticas de governança pública.
A Transparência Internacional coletou os dados em sites oficiais e redes sociais dos órgãos em questão. Não foram incluídas na pesquisa, portanto, práticas que envolvam orçamentos secretos ou folha de pagamento secreta, por exemplo.
Após essa coleta de dados, os resultados preliminares foram submetidos aos respectivos gestores para que pudessem apresentar eventuais esclarecimentos ou solicitar possíveis correções.
“Como o intuito é estimular a elevação dos padrões, apresentamos o ‘gabarito’ antes de aplicar a ‘prova’, em um processo de conscientização e diálogo com os gestores públicos”, diz Brandão.
De acordo com ele, durante o processo, foram feitas adaptações normativas e procedimentais seguindo os critérios de avaliação, o que permitiu um aumento das notas. “Com isso, conseguimos amplo engajamento dos agentes públicos e as melhorias ocorrem em tempo real”, afirma o diretor-executivo.
As notas gerais do ranking refletem a média das pontuações obtidas em 8 dimensões nas quais se dividem os 84 critérios: marcos legais; plataformas; administração e governança; transparência financeira e orçamentária; transformação digital; comunicação; participação; dados abertos.
Dentro dessas dimensões, a da transparência financeira e orçamentária é uma das mais problemáticas. Nela ficam critérios sobre emendas parlamentares e incentivos fiscais, entre outros, que a ONG considera áreas de risco mais elevado para corrupção, privilégios e prejuízos aos cofres públicos.
“O ciclo orçamentário é um dos maiores focos da chamada ‘macrocorrupção’ e onde as maiores distorções e desvios no uso de recursos públicos ocorrem, junto com o sistema tributário”, diz Brandão.
Ele diz que, a exemplo do que acontece no nível federal, as emendas parlamentares sem controle podem ser fonte não só de corrupção e desperdício de dinheiro público, mas também de cooptação política.
“E o resultado do nosso estudo mostrou que os estados são campo férteis para a ocorrência de velhas e novas práticas de captura do processo orçamentário“, afirma o diretor-executivo da ONG.
Apesar dos inúmeros problemas identificados pelo índice, Brandão afirma que, nas últimas décadas, o país passou por melhoria geral nos padrões de transparência e governança pública.
Mecanismos como a Lei de Transparência (aprovada em 2009, no governo Lula), Lei de Acesso à Informação (2011, governo Dilma Rousseff) e a Lei Anticorrupção (2013, governo Dilma) impulsionaram adaptações também nos estados, com a disseminação de ferramentas que antes não existiam.
Ainda assim, diz Brandão, há muito a melhorar. “[Falta avançar] exatamente onde os desafios são mais complexos, que é o acesso a informações de enorme relevância econômica e social, de processos administrativos de onde resultam as maiores distorções e privilégios e ocorrem os maiores desvios em esquemas de macrocorrupção.”