O deputado federal Rodrigo Maia (PSDB-RJ), ex-presidente da Câmara, afirma em entrevista ao jornal O Globo, que a criação das emendas de relator — um tipo de emenda parlamentar que deu corpo ao chamado orçamento secreto — foi a “reação final” do Congresso ao uso do Orçamento público pelo Poder Executivo como forma de barganha política. A distribuição dos recursos não é igualitária nem transparente, por isso o instrumento é usado como moeda de troca na negociação com parlamentares pelo governo Jair Bolsonaro (PL).
Maia defende uma mudança nas normas de finanças públicas e a impositividade de todo o Orçamento (ou seja, o que for aprovado pelo Congresso precisa ser executado). Ele ressalta, no entanto, que as emendas de relator não são impositivas, portanto, podem ter sua execução negociada.
Por que o senhor defende a impositividade do Orçamento?
O Orçamento brasileiro, pelo menos das grandes democracias do mundo ocidental, é o único que não é impositivo. Isso por uma pressão histórica, tanto da política como dos quadros técnicos da economia. Os governos nunca compreenderam o papel do Parlamento no principal projeto de lei, que é exatamente a aprovação da proposta orçamentária, que é modificada pela Casa da sociedade brasileira.
Desde a redemocratização, o Brasil tem um orçamento autorizativo e não impositivo. Então isso levou sempre a que o Poder Executivo usasse esse instrumento para barganhar com o Parlamento. O Parlamento não representa só a posição majoritária do país, representa toda a sociedade. Por isso que a impositividade do Orçamento é tão importante, porque ela é que traz para a peça orçamentária a voz da minoria, que nunca está no Executivo e só está no Legislativo. Nesse Orçamento é que toda a sociedade vai estar representada.
Mas hoje o Congresso tem um poder maior sobre o Orçamento…
O Parlamento sempre aprovou o Orçamento, e o Poder Executivo só executava quando de seu interesse. Isso gerou, num primeiro momento, num governo mais fraco politicamente, que foi o da Dilma Rousseff, a primeira impositividade, sobre as emendas individuais. No início do governo do presidente Bolsonaro, que teve muito conflito, o que de fato nós aprovamos foi exatamente a orientação constitucional para a regulamentação do Orçamento impositivo. Isso nunca foi regulado, então ainda não existe.
Logo depois disso o orçamento secreto ganhou corpo…
A emenda de relator foi uma reação final do Parlamento ao excesso de poder que o Poder Executivo quer impor. O novo governo deveria fazer, no meu ponto de vista, uma discussão sobre uma revisão total da peça orçamentária, da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e do PPA (Plano Plurianual).
Como isso pode ser feito?
O melhor exemplo para o Brasil é a Suécia, que nós entendemos, em um estudo na Câmara, como o modelo mais parecido hoje de Orçamento. Hoje aprova a LDO e o Orçamento. Gera uma despesa para o ano que vem e não projeta essa despesa para daqui a três, quatro anos.
É necessário que a lei de diretrizes olhe o Orçamento do próximo ano e o Orçamento daqui a dois, três anos na frente. Porque na hora que gero uma despesa hoje, eu já preciso saber quais são as consequências no meu Orçamento no futuro, como é que isso vai impactar meus investimentos.
No primeiro ano com orçamento secreto o senhor ainda era presidente da Câmara…
No final de 2019, o governo encaminhou o RP9 (nome técnico para emenda de relator) por decisão própria, negociação deles com o Centrão. O poder de barganha para o Parlamento não pode nunca ser a execução ou não do Orçamento, mas a discussão de política pública. Não pode, como é hoje na emenda de relator, um deputado receber 50, e outro deputado receber cinco. Isso acaba, sem dúvida nenhuma, gerando uma distorção na relação dos Poderes e também na relação de cada parlamentar com o seu eleitor.
É preciso ter capacidade de negociar com o Parlamento os projetos do ponto de vista do interesse público, não na barganha com a execução orçamentária. Como os governos usaram isso a vida inteira, a reação do Parlamento foi a emenda individual, a emenda de bancada e depois a emenda de relator.
Em 2023, são R$ 19,4 bilhões previstos para emenda de relator. Como ajustar isso no curto prazo?
O governo eleito fez muitas promessas e essas promessas vão ter que ser encaixadas no Orçamento. E o Parlamento vai ter que compreender isso. Lembrando que a emenda de relator não é impositiva. Eu acho que esse ainda continua sendo um instrumento de negociação do Poder Executivo com o Legislativo.
O Legislativo pode aprovar e, pela limitação que tem de despesa discricionária (não obrigatória), o Executivo pode não executar no primeiro momento e ter tempo para negociar com o Legislativo de forma transparente uma nova lei.
O teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas públicas, está superado?
O teto de gastos foi criado porque o Parlamento, representando a sociedade, não aceitava e não aceita a criação de novos impostos, como a CPMF. De fato, do jeito que ficou, o teto de gastos está impossível de administrar. Mas eu acho que vai ter que ter uma discussão profunda de uma revisão das despesas do governo federal.
Para que a gente possa atender às demandas da sociedade que votou no presidente Lula, mas ao mesmo tempo garantir um equilíbrio fiscal e a confiança do investidor de médio e longo prazo. É inevitável que isso ocorra.