O embate público entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deve ter pouco impacto na tramitação no Senado da proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê a autonomia financeira da instituição, na avaliação de parlamentares ouvidos pelo jornal Valor. Antes mesmo da ofensiva de Lula contra Campos Neto, o texto já encontrava dificuldades na cúpula do Senado e até mesmo entre parte da oposição.
O presidente Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), têm sinalizado a pessoas próximas, nas últimas semanas, não ter pressa na tramitação do texto neste momento.
Na mesma linha, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), indica que o tema deve ser tratado com prudência. Na visão dele, segundo interlocutores, a ideia é só levar o assunto adiante quando houver um alinhamento com o governo, o que não tem previsão de ocorrer.
Entre líderes partidários de diferentes correntes políticas ouvidos pelo Valor, alguns deles ligados a Alcolumbre e Pacheco, a ideia é aguardar até que haja a troca no comando do Banco Central. Campos Neto deixará a função no final deste ano e, por isso, essa ala acredita que não faria sentido fazer uma mudança dessa magnitude antes de conhecer quem será o sucessor.
A matéria gera divergências até mesmo entre parlamentares da oposição. Um deles, ouvido sob condição de anonimato, afirmou que a autonomia do BC, já aprovada pelo Legislativo, é bem diferente da autonomia financeira da instituição.
Há um temor entre esses oposicionistas de que conceder autonomia financeira ao BC possa abrir caminho para que outras instituições que já contam com autonomia operacional, como a Polícia Federal, busquem a independência orçamentária.
Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), evitou reforçar posição contrária à matéria, mas expôs as dúvidas que têm sido apontadas aos colegas. “Muita gente já está acordando para a PEC. Qual é o problema, de orçamento? Orçamento tem problema para todo mundo, não só para o BC. Tem problema para as universidades, para a PF, para o Exército. Alguém quer nadar de braçada? Quem é responsável pelo fiscal quer ter liberdade fiscal total”, disse Wagner.
Tema só deve avançar no Senado depois da mudança no comando da instituição
Outra preocupação levantada pelo líder do governo envolve o eventual aumento de gastos da instituição. “Ninguém me diga que eles [do BC] querem sair do orçamento fiscal para gastar menos. Eles querem sair do orçamento para gastar mais, os responsáveis pela responsabilidade fiscal”, acrescentou.
Indagado se o governo vai orientar contra a PEC, Wagner evitou se comprometer. “Eu prefiro mostrar argumentos [contra] e discutir o tema tecnicamente do que cair em ‘defende autonomia ou não’”, reagiu.
Na próxima semana, o novo líder da oposição na Casa, Marcos Rogério (PL-RO), que assumiu provisoriamente o cargo no lugar de Rogério Marinho (PL-RN), que está de licença, pretende discutir o assunto com o grupo para alinhar uma posição.
Nesta semana, o relator do texto na CCJ, Plínio Valério (PSDB-AM), esperava ler o seu parecer no colegiado. Só depois seria possível ser solicitado o pedido de vista (mais tempo para análise), como é praxe. Alcolumbre, no entanto, priorizou apenas a votação da indicação de autoridades e do projeto que libera os jogos de azar no País.