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quarta-feira 5 de dezembro de 2018 às 09:01h

Em seleção para vagas em gabinete, eleitos farão até exame toxicológico

DESTAQUE, POLÍTICA


O deputado federal eleito Tiago Mitraud (Novo-MG) diz que é como se “estivesse montando uma empresa”.

Felipe Rigoni (PSB-ES), também futuro parlamentar na Câmara, pensa em “institucionalizar no poder público algo mais meritocrático, selecionar pessoas por suas habilidades, e não uma coisa de compadrio”.

O senador da próxima legislatura Capitão Styvenson (Rede-RN) afirma que, como não deve “nada nem a partido nem a ninguém”, escolherá sua equipe a partir de competência e aptidão -numa bateria de testes que inclui até exame toxicológico, uma exigência impedida por lei, segundo especialistas.

Eleitos para o Congresso e para Assembleias Estaduais lançaram nas últimas semanas processos seletivos para contratar assessores que vão compor seus gabinetes. Querem receber currículos, triar os mais capacitados e romper com a tradição de nomear só os indicados por partidos ou aliados.

“Eu estou contratando pessoas com o melhor potencial de mostrar resultado, e não aquelas com quem tenho compromisso político, até porque não tenho isso com ninguém”, diz Mitraud, que fez campanha em Minas prometendo abrir mão de metade dos assessores a que teria direito e de metade da cota parlamentar (verba para gastos com passagens aéreas e combustíveis, por exemplo).

Assim como outros novos parlamentares que optaram pelo sistema, o deputado do Novo afirma querer um processo isento, sem interferência direta sua no preenchimento das 12 vagas que abrirá. “Algumas pessoas que trabalharam comigo na campanha vão entrar no processo seletivo, sem nenhuma garantia de que vão passar. Estamos dando adeus às velhas práticas.”

Ex-diretor da Fundação Estudar, onde ganhou experiência em recrutamento, ele escalou um antigo colega da ONG criada pelo empresário Jorge Paulo Lemann para ajudá-lo na contratação. Segundo Mitraud, o consultor vai fazer a peneira inicial e só na última etapa o deputado entrará em cena, para entrevistar os finalistas.

Na Câmara dos Deputados, cada parlamentar tem direito a contratar até 25 secretários parlamentares (nomenclatura oficial para a função de assessor). Os salários podem variar de aproximadamente R$ 1.000 até R$ 15.000.

No Senado, o número máximo de servidores comissionados que cada gabinete pode nomear é o dobro: 50. A remuneração começa em R$ 4.000 e pode chegar a R$ 17 mil.

Futuro senador por Alagoas, Alessandro Vieira (eleito pela Rede, mas de mudança para o PPS) quer ficar distante do limite. Planeja começar o mandato com 15 colaboradores, escolhidos via concurso aberto que ele iniciará nos próximos dias. “Será como uma startup, em que cada um terá uma multiplicidade de funções. As pessoas têm que estar aptas para fazer várias tarefas”, diz ele.

Ao mesmo tempo, Vieira se organiza com outros dois eleitos do Acredito -movimento de renovação política do qual faz parte- para criar um “gabinete coletivo”, com pessoas trabalhando para os três ao mesmo tempo. Como reza a cartilha dos inovadores, a estrutura que será compartilhada pelo senador e pelos deputados Rigoni e Tabata Amaral (PDT-SP) será formada também a partir de um processo seletivo.

Além da busca que faz em conjunto com os dois colegas do Acredito, Rigoni já lançou um edital próprio para seu gabinete. São três vagas para atuar em Brasília e quatro em Vitória, onde terá um escritório para cuidar do mandato. Mais de 2.800 pessoas se inscreveram em uma semana, segundo ele.

“Quero fazer um mandato de excelência. Isso demanda formação e competência de excelência. Nada melhor do que eu selecionar as melhores pessoas para cada uma das vagas”, diz o parlamentar, primeiro cego eleito para a Câmara. Seus dois chefes de gabinete, no entanto, já estão escolhidos. “Esses fizeram algo mais difícil, que é trabalhar comigo há mais de dois anos.”

Exame antidrogas Os critérios do senador Capitão Styvenson para arregimentar os melhores quadros para sua equipe incluem, além de análise do currículo e sabatina de uma banca de entrevistadores, a apresentação de um exame toxicológico (que detecta se a pessoa usou drogas como maconha e cocaína nos 90 dias anteriores). Pelas regras, quem não mostrar o laudo será desclassificado.

O novato, que abriu oito vagas para assistentes que vão trabalhar em Natal, lançou o processo seletivo como medida prática do discurso que o elegeu. O estreante ganhou fama no estado por conduzir com rigidez blitze da Operação Lei Seca e uma campanha repleta de críticas aos políticos tradicionais.

“A pessoa concorre se quiser. Não estou obrigando ninguém a nada, não estou constrangendo, mas não sou obrigado a aceitar alguém que não queira se submeter ao exame”, diz o futuro senador.

Eleito deputado estadual no Amazonas, Delegado Péricles (PSL) também instituiu a avaliação toxicológica no processo que faz para preencher sete funções em seu gabinete. O colega de partido de Jair Bolsonaro conta ter recebido mais de 1.400 currículos.

“Meu objetivo é mostrar que se pode fazer um trabalho na Assembleia sem apadrinhamento, sem ligações políticas. Quero trazer pessoas técnicas e qualificadas para bem servir à comunidade”, diz o estreante em cargos eletivos.

O edital do concurso aberto por ele informa que poderá ser solicitada aos concorrentes, “a qualquer tempo”, a realização “de quaisquer exames, inclusive toxicológicos”.

O capítulo “investigação social” prevê que os candidatos demonstrem idoneidade moral e conduta ilibada. Entre os motivos desabonadores estão dependência de drogas ilícitas e vício de embriaguez, de acordo com o texto. “Se eu sentir que há algo contrário àquilo que eu prego, eu posso solicitar [o exame]”, afirma o futuro deputado.

A legislação veda a imposição do exame para detectar uso de entorpecentes, segundo especialistas da área trabalhista. “A Constituição fala que o direito à intimidade é resguardado”, diz a advogada Cristina Buchignani, do escritório Costa Tavares Paes Advogados. “A exigência fora dos casos previstos em lei é discriminatória e pode ser questionada judicialmente.”

A obrigatoriedade existe apenas no caso de recrutamento para motoristas profissionais e para operadores de veículos ou máquinas que, caso trabalhem sob efeito de drogas, podem colocar a própria vida e a de outras pessoas em risco.

“No caso de um concurso público, estabelecer isso faz com que algumas pessoas não possam se inscrever, o que prejudicaria a isonomia entre os candidatos”, segue a advogada. Pedir o exame durante o contrato de trabalho também é considerado discriminação quando ele é restrito a uma única pessoa, criando situação vexatória.

Segundo Francisco Caputo, ex-presidente da OAB no Distrito Federal e sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados, o Ministério Público poderia agir em situações como as dos processos seletivos dos parlamentares. “Qualquer candidato que processar judicialmente também poderia suspender essa regra do edital”, afirma ele, citando os princípios da dignidade humana e da proteção da imagem.

A jurisprudência entende ser ilegal o exame antidroga em casos assim porque há discriminação, de acordo com a advogada Bárbara Priscila, coordenadora da área de direito trabalhista do Nelson Wilians e Advogados Associados em Curitiba. “Os candidatos podem se recusar a fazer e podem questionar isso na Justiça”, diz ela.

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