Enquanto a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tenta fazer avançar no Congresso a PEC das Sustentações Orais, para garantir às defesas a palavra em todas as modalidades de julgamento, Tribunais de Justiça dos Estados têm amargado decisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que administra o Poder Judiciário, contra resoluções administrativas que na prática esvaziaram as sustentações dos advogados.
Até o momento, decisões liminares suspenderam trechos de pelo menos quatro resoluções e emendas regimentais. Os tribunais afetados são de Rondônia, Pará, Piauí e São Paulo. As Cortes foram procuradas, mas não se manifestaram até a publicação do texto.
Regras internas baixadas pelos tribunais ampliaram as modalidades de processos que podem ser julgadas no regime virtual. Nessas votações, que são assíncronas, os advogados não têm a oportunidade de apresentar seus argumentos na tribuna, diante dos magistrados. Eles podem, no entanto, enviar a sustentação oral gravada.
Entidades de advogados defendem que, em alguns processos, a sustentação oral precisa ocorrer em tempo real. Isso porque, embora se presuma que os juízes assistem aos memoriais gravados, não há garantia efetiva de que todos analisam os argumentos antes de votar.
Já os tribunais têm justificado que agem pautados pela autonomia administrativa e que os julgamentos online ajudam a desafogar o acervo.
O CNJ recomenda o julgamento virtual apenas para agravos internos, agravos regimentais e embargos de declaração. Advogados alegam que alguns tribunais “extrapolaram” o padrão recomendado ao regulamentar internamente o modelo.
É o caso, por exemplo, do Tribunal de Justiça de Rondônia, que autorizou o julgamento online de apelações cíveis e criminais, ações rescisórias, mandados de segurança, reclamações e até habeas corpus.
O tribunal também barrou novas sustentações orais quando o julgamento for transferido do plenário virtual para o físico. “Na hipótese de destaque do processo para julgamento em sessão presencial, se apresentada a sustentação oral na forma de gravação de áudio ou vídeo no ambiente eletrônico, fica dispensada nova sustentação ou manifestação oral”, diz a resolução administrativa de junho de 2023.
O Tribunal de Justiça do Pará flexibilizou ainda mais a recomendação do CNJ e permitiu que todos os processos sejam submetidos a julgamento no plenário virtual. A decisão fica a critério do relator. A sustentação oral, segundo emenda regimental publicada em novembro de 2022, é “facultativa”.
Advogados do Piauí também questionam exigências do Tribunal de Justiça do Estado. Uma resolução da Corte, publicada em 2020, prevê que as partes podem se opor ao julgamento virtual, mas para isso precisam apresentar pedidos devidamente fundamentados. Ocorre que, segundo as defesas, esses requerimentos têm sido sistematicamente negados.
“Os pedidos de destaque são ‘pro forma’, pois na prática somente vem sendo possibilitada a juntada de sustentação oral no processo eletrônico PJ e através da gravação audiovisual, mesmo após a realização do pedido de destaque fundamentado”, alegaram representantes da OAB em reclamação ao Conselho Nacional de Justiça.
A decisão mais recente do CNJ suspendeu uma resolução do Tribunal de São Paulo, o maior do País, que ampliou o rol de processos que devem ser julgados preferencialmente na modalidade virtual. A lista inclui apelações, agravos, mandados de segurança e habeas corpus. Os advogados podem contestar o julgamento virtual, desde que apresentem “motivação declarada”.
“O uso da palavra nos tribunais é um direito sagrado dos cidadãos, que falam por meio de seus advogados. Isso não pode ser limitado. Pelo contrário, tem que ser ampliado”, afirma Patrícia Vanzolini, presidente da seccional da OAB em São Paulo.
As decisões liminares têm sido expedidas pelo conselheiro Marcello Terto. Para o conselheiro, as resoluções deixam “elevado grau de subjetividade, para na~o dizer de seletividade, do relator” para decidir sobre os pedidos de destaque. Ele avalia que as mudanças limitam o exerci´cio da advocacia e podem gerar “prejuízos irreversíveis”.
O tema ainda deve ser debatido no plenário do CNJ. O próprio conselheiro pediu que as liminares fossem levadas a referendo no colegiado, mas o procedimento ainda não foi pautado.
Advogados pedem que o Conselho Nacional de Justiça formule diretrizes mais objetivas para uniformizar os julgamentos virtuais e as regras de sustentações orais.