Ao não prever detração, a Lei da Ficha Limpa permite uma espécie de inelegibilidade indeterminada, o que contraria o princípio da proporcionalidade e compromete o devido processo legal.
O entendimento é do ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal. Ele deferiu pedido do Partido Democrático Trabalhista (PDT) para excluir a expressão “após o cumprimento da pena”, que consta no artigo 1º, inciso I, alínea “e”, da Lei Complementar 64/90, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010).
Segundo o dispositivo publicado pelo Conjur, são inelegíveis para qualquer cargo “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena”, por crimes contra a economia popular, fé pública, administração pública, patrimônio público, entre outros.
A suspensão vale somente para os processos de registro de candidatura referentes às eleições de 2020 que ainda estão pendentes de apreciação, inclusive no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral e do próprio STF. A decisão de Nunes Marques é liminar, e o caso deve ir ao Plenário.
Para o PDT, a redação dada pela Lei da Ficha Limpa cria uma espécie de inelegibilidade por prazo indeterminado. Isso porque o agente se torna inelegível com a condenação por órgão colegiado, período que vai até o trânsito em julgado; depois segue sem direitos políticos enquanto cumpre a pena, tal como definido no artigo 15, III, da Constituição Federal; e, por fim, segue inelegível por oito anos depois do cumprimento da pena.
Com isso em vista, o partido ajuizou ADI solicitando que seja excluída qualquer interpretação que permita que a inelegibilidade ultrapasse o prazo de oito anos contados a partir da decisão proferida por órgão colegiado ou transitada em julgado. A peça é assinada pela advogada Ezikelly Barros e pelos advogados Bruno Rangel e Alonso Freire.
“A ausência da previsão de detração, a que aludem as razões iniciais, faz protrair por prazo indeterminado os efeitos do dispositivo impugnado, em desprestígio ao princípio da proporcionalidade e com sério comprometimento do devido processo legal”, afirmou o ministro na decisão.
ADI
Na ação, o PDT afirma que o período em que a pessoa se torna inelegível entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado, que pode variar bastante e durar muitos anos, dada a morosidade do Judiciário, não é descontada dos oito anos posteriores ao cumprimento da pena.
“O início do cumprimento do prazo de inelegibilidade previsto na alínea ‘e’ a partir do julgamento colegiado — aspecto cuja constitucionalidade não se discute na presente ação —, acabou por inaugurar, por via transversa, o regime jurídico das inelegibilidades por prazo indeterminado, pois só é conhecido após o trânsito em julgado, já durante o cumprimento da pena e da suspensão dos direitos políticos, e da aplicação personalíssima, sendo o prazo de cessação definido pelo tempo de tramitação de cada processo individual, não pela lei.”
Ainda de acordo com a ADI, “o prazo adicional e aleatório de inexigibilidade criado por força da aplicação concreta da norma impede até mesmo o exame de proporcionalidade, à luz da Constituição, entre o prezo total de inelegibilidade e o bem jurídico tutelado, pois simplesmente não se sabe o prazo a ser examinado”.
Ao contrários dos três marcos de inelegibilidade que passaram a valer a partir da Lei da Ficha Limpa, o texto original da LC 64/90 só possuía dois marcos. A inelegibilidade passava a contar a partir do trânsito em julgado e durava até três anos depois do cumprimento da pena.
Com isso, era mais fácil saber quanto tempo o agente ficaria sem direitos políticos, já que não havia o período que vai da decisão de segunda instância até o trânsito em julgado.