O avanço da desinformação no segundo turno das eleições presidenciais entre o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usa o medo na batalha pelos poucos votos ainda em aberto e para fidelizar os eleitores já conquistados, disseram pesquisadores à Reuters.
A situação levou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a ampliar seus poderes para determinar a remoção de conteúdos falsos das redes sociais na reta final para a votação, logo após o presidente da corte, ministro Alexandre de Moraes, declarar publicamente que o problema piorou na etapa final da disputa.
A artilharia mais pesada vem do bolsonarismo, de acordo com levantamento da Reuters Fact Check. Entre os dias 3 e 20 de outubro, a Reuters Fact Check e outras sete iniciativas de checagem (AFP Checamos, Aos Fatos, Comprova, Estadão Verifica, Fato ou Fake, Lupa e UOL Confere) desmentiram 67 inverdades sobre os presidenciáveis. Destas, 54 atacavam Lula e 13 miravam Bolsonaro. Predominaram falsidades que acusavam os candidatos de não serem cristãos ou que mentiam sobre planos para um futuro mandato.
“Esses conteúdos ativam nas pessoas a surpresa e o medo, que são sentimentos muito importantes em campanhas políticas, porque, no geral, os candidatos não conseguem se comunicar com os eleitores somente com suas propostas. E os candidatos sabem usar muito bem essa retórica da desinformação, principalmente os da extrema-direita”, disse Yasmin Curzi, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio.
Para o coordenador do Observatório da Desinformação Online nas Eleições de 2022 da FGV Direito SP, Alexandre Pacheco, esta estratégia é voltada para quem não está nem com Lula nem com Bolsonaro — uma estreita fatia do eleitorado, mas que pode decidir a eleição.
De acordo com pesquisa Ipec divulgada na segunda-feira, apenas 2% dos eleitores se declaram como indecisos. Lula tem 50% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro soma 43%, segundo o levantamento.
“Não parece que as campanhas queiram atingir os militantes, que estão irredutíveis e amplamente engajados. Essa campanha com foco no ataque procura impactar os indecisos, os não engajados e os que sequer decidiram se irão votar. Ela opera na lógica do medo como indutora de tomada de decisão, buscando alcançar esses sujeitos com algo que considerem urgente, como a religiosidade ou a honestidade”, disse Pacheco.
Agenda conservadora e religião
Nas mensagens que desinformavam sobre Lula, 21 abordavam falsas propostas do ex-presidente, com foco na agenda conservadora e anticomunista. Elas diziam que, caso eleito, o petista supostamente acabaria com o combate às drogas, estabeleceria um controle de gastos à população, criaria banheiros unissex nas escolas e implantaria a “ideologia de gênero”. Outros nove conteúdos falsos buscavam associar Lula ao crime organizado, e oito promoviam desinformação com fundo religioso sobre o petista.
Todos esses discursos compõem o repertório de “fake news” nutrido pelo bolsonarismo há pelo menos seis anos, segundo Wilson Gomes, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Trata-se de alegações falsas antigas, que têm sido reativadas nas redes sociais com novos elementos, a fim de “satanizar” o adversário às vésperas da votação.
“As ‘fake news’ funcionam para espantar as pessoas de tal maneira que elas não decidam votar em você, mas decidam votar contra o seu inimigo e, por isso, votar em você”, disse Gomes. “Mas, no caso do bolsonarismo, acho que elas servem mais para manter o grupo de pessoas que já estão convertidas, porque reforçam sua identidade e impedem que busquem o contra-argumento.”
Entre os discursos falsos relativos a Bolsonaro, quatro conteúdos verificados acusavam o presidente de manter relações com o demônio ou de atacar os católicos. Os discursos surgiram com o resgate de imagens antigas de Bolsonaro em uma loja maçônica.
Outros três abordavam supostos riscos para os mais pobres em caso de reeleição. Tais ameaças nasceram de um vídeo publicado pelo deputado federal André Janones (Avante-MG), responsável por incorporar à campanha de Lula uma tática de artilharia digital semelhante à do bolsonarismo, com o uso da linguagem das redes associado à agilidade para aproveitar debates do momento e ataques a adversários.
“São pessoas que dominam os armamentos digitais e que resolveram levar a guerra para a casa do inimigo. Mas o recurso principal não é a ‘fake news’, é a guerra de informação”, diz Wilson Gomes, da UFBA. “Talvez elas tenham chegado tarde demais, porque tem muito pouco voto a ser disputado ainda. Mas a estagnação [do cenário eleitoral] pode significar que teve um efeito, de ter impedido que o outro lado crescesse e corresse solto. Mas isso é especulativo”, disse.
Professor do Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia (EUA), David Nemer disse que o expediente tem pouco potencial de virar votos para Lula, mas pode ajudar a diminuir a abstenção que prejudica o ex-presidente.
“Essa tática deixou muitos grupos bolsonaristas na defensiva, o que pode fazer com que se desmotivem a ‘lutar’ pelo presidente. Por outro lado, ela animou bastante a base de Lula, e isso pode estimular mais eleitores a saírem de casa para votar”, afirmou.