Uma pessoa que chega aos 100 anos sempre é motivo de comemoração. Quando essa pessoa é símbolo de uma luta coletiva, a festa merece se estender por três dias, com marcha, discurso e lançamento de livro.
Nesta quinta-feira (13), conforme a coluna de Bernardo Mello Franco, do jornal O Globo, Elizabeth Teixeira celebra seu centenário. A data vai inspirar uma maratona de homenagens em Sapé, na zona da mata da Paraíba.
Elizabeth se tornou nacionalmente conhecida como protagonista do documentário “Cabra Marcado para Morrer”, de Eduardo Coutinho.
O filme trata do assassinato de seu marido, João Pedro Teixeira, em 1962. Ele era um dos líderes das Ligas Camponesas, movimento pela reforma agrária que antecedeu o MST.
A produção começou por acaso. Coutinho visitava a Paraíba e esbarrou num comício contra a morte do lavrador, baleado por policiais militares a serviço de um latifundiário da região.
O cineasta filmou o ato, que reuniu com três mil trabalhadores rurais. Dois anos depois, voltou ao local com o projeto de narrar a história de João Pedro, usando camponeses e a própria viúva como atores.
As filmagens do “Cabra” original foram interrompidas pelo golpe de 1964. Os militares apreenderam o material e chegaram a prender Elizabeth, que precisou mudar de estado e adotar outro nome.
Após um hiato de 17 anos, Coutinho voltou à região para procurar os personagens e tentar retomar o filme. O resultado foi uma das obras mais importantes do cinema nacional, lançada em 1984.
Com um dos prêmios que recebeu, o documentarista comprou uma casa para Elizabeth em João Pessoa, onde ela ainda vive com a filha caçula, Anatilde.
“Elizabeth é uma mulher marcada para viver. Dedicou toda a sua vida à causa da reforma agrária, que até hoje permanece atual”, diz Alane Lima, diretora do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas.
A ativista está à frente dos três dias de homenagem, que também vão incluir uma exposição e um ato político com a presença de líderes do MST e do ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira.
“Hoje Sapé está rodeada de assentamentos, mas ainda existem muitas famílias esperando por terra. A luta continua, como minha avó sempre falou”, diz a historiadora Juliana Teixeira, que dá aulas numa escola pública do município.
Com a saúde fragilizada, Elizabeth não faz pode mais fazer discursos inflamados em defesa dos sem-terra e contra a desigualdade no campo. Parte da família se dedica à preservação de sua memória.
“Como a luta dos camponeses não está no currículo escolar, muitos jovens de Sapé não conhecem a nossa história. E as ruas e praças do município ainda têm os nomes dos latifundiários, não dos trabalhadores”, lamenta.