Culpada de fraude eletrônica e conspiração.
Esse foi o veredito de Elizabeth Holmes, a mulher que até bem pouco tempo era chamada de “a nova Steve Jobs” por seu sucesso com a Theranos, uma empresa de tecnologia de saúde avaliada em bilhões de dólares.
Na segunda-feira (3), um júri federal formado por oito homens e quatro mulheres considerou Holmes culpada de três acusações de fraude e uma de “conspiração para fraudar investidores”.
Holmes, de 37 anos, não foi detida e não há data exata para o anúncio da sentença, que poderia ser de 20 anos para cada uma das quatro acusações pelas quais ela foi considerada culpada.
No total, ela foi acusada de 11 crimes. O júri a considerou inocente de outros quatro, relacionados a fraude pública, e não conseguiu chegar a um veredicto unânime sobre os três restantes.
Do auge ao ocaso
Holmes afirmava ter desenvolvido uma máquina que realizava uma série de exames médicos com apenas algumas gotas de sangue retiradas de uma picada no dedo do paciente.
Mas tudo não passava de uma farsa, que veio à tona depois que o jornal americano The Wall Street Journal descobriu que os dispositivos não eram tão eficazes quanto Holmes alegava.
A própria Holmes se defendeu durante o julgamento.
“Trabalhamos durante anos com equipes de cientistas e engenheiros para miniaturizar todas as tecnologias do laboratório”, disse ela em seu depoimento.
Holmes explicou as origens da empresa e por que queria ajudar as pessoas.
Durante o julgamento de dois meses, os jurados na Califórnia ouviram depoimentos de mais de duas dezenas de testemunhas de acusação. Entre eles estavam pacientes e investidores que os promotores disseram ter sido enganados por Holmes.
Seus advogados dizem que a empresária não pretendia fraudar, mas “subestimou ingenuamente” os desafios que sua empresa enfrentava.
Estrela do Vale do Silício
Apesar de ser o assunto de um livro, um documentário da HBO e uma série de TV e filme, ainda não está claro por que Holmes se arriscou tanto com uma tecnologia que sabia não funcionar.
Ela cresceu em uma família rica em Washington D.C., capital dos EUA, e foi uma criança educada, mas introvertida, de acordo com pessoas próximas.
O inventor e empresário Richard Fuisz, de 81 anos, especula que deve ter havido uma pressão imensa sobre ela para ter sucesso.
Por anos, a família de Fuisz morou ao lado da casa dos Holmes. Mas eles se desentenderam quando a Theranos o processou por causa de uma disputa de patente em 2011 (que foi resolvida na Justiça mais tarde).
Os pais de Holmes foram, em grande parte da carreira, funcionários no Capitólio (centro legislativo dos EUA), mas sempre “se interessaram por status” e “viviam para fazer networking”, disse Fuisz à BBC.
Seu trisavô paterno fundou a Fleischmann’s Yeast, que revolucionou a indústria de pão nos Estados Unidos, e a família era muito consciente de suas origens, acrescentou.
Aos nove anos, a jovem Elizabeth escreveu uma carta ao pai declarando que “o que ela realmente queria da vida era descobrir algo novo, algo que a humanidade não sabia que era possível fazer”.
Quando foi estudar Engenharia Química na Universidade de Stanford, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos, em 2002, Holmes teve a ideia de criar um adesivo que pudesse fazer uma varredura do paciente em busca de infecções e, com isso, liberar antibióticos conforme necessário.
Aos 18, já mostrava uma intransigência que, aparentemente, continuaria impulsionando a empresa que fundou no ano seguinte.
Phyllis Gardner, professora de Farmacologia Clínica na Universidade de Stanford, lembra-se de ter conversado com Holmes sobre sua ideia e de ter-lhe dito que ela “não funcionaria”.
“Ela apenas olhou para mim, mas era como se não me visse”, disse Gardner à BBC. “Elizabeth parecia absolutamente certa de seu próprio brilho. Ela não estava interessada em minha experiência e foi uma situação desconcertante.”
Ascensão meteórica
Meses depois, aos 19 anos, Holmes abandonou Stanford e fundou a Theranos em 2003, com a promessa aparentemente revolucionária de testar sangue com uma simples picada no dedo.
Com apenas algumas gotas de sangue, o teste Edison prometia detectar rapidamente doenças como câncer e diabetes, sem a necessidade de agulhas.
Figurões como Henry Kissinger e Rupert Murdoch foram cativados pela ideia e investiram na empresa sem se preocupar em observar seu balanço.
O secretário do Tesouro dos Estados Unidos George Schultz, o general condecorado dos fuzileiros navais James Mattis (que mais tarde serviu na administração Trump), e a família mais rica da América, os Waltons (donos da rede de supermercados Walmart) foram alguns dos nomes que lhe deram apoio.
Isso ajudou a consolidar a reputação de Holmes. Mas a maneira como ela se comportava também teve papel importante nesse contexto.
“Eu sabia que ela tinha essa ideia brilhante e que havia conseguido convencer todos esses investidores e cientistas”, disse Jeffrey Flier, ex-reitor da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, que se encontrou com Holmes para um almoço em 2015.
“Ela estava segura de si mesma, mas quando lhe fiz várias perguntas sobre sua tecnologia, (ela) parecia não entender”, acrescenta Flier, que nunca avaliou formalmente o invento de Holmes.
“Pareceu-me um pouco estranho, mas não saí pensando que se tratava de uma fraude.”
Flier acabou convidando-a para ingressar no Conselho de Acadêmicos da Faculdade de Medicina, algo que lamenta, embora Holmes tenha sido afastada do cargo quando o escândalo estourou.
A Theranos chegou a valer US$ 9 bilhões (R$ 51 bilhões, em valores atuais) e Holmes se tornou uma estrela do Vale do Silício, além de multimilionária aos 31 anos.
Resultados não confiáveis
Tudo começou a desmoronar em 2015, quando um informante levantou preocupações sobre o carro-chefe da Theranos, o dispositivo de teste Edison.
Em uma série de reportagens investigativas, o jornal americano Wall Street Journal mostrou que os resultados não eram confiáveis e que a empresa vinha usando máquinas disponíveis comercialmente, produzidas por outros fabricantes, para viabilizar a maioria de seus testes.
Os testes da Theranos custavam um quarto ou até menos do preço dos tradicionais, o que levou a rede de farmácias norte-americana Walgreens a firmar parceria com a empresa de Holmes para oferecê-los em suas lojas nos Estados da Califórnia e no Arizona.
Os processos se acumularam, os parceiros cortaram relações e, em 2016, os reguladores dos EUA proibiram Holmes de operar um serviço de exames de sangue por dois anos.
As acusações levaram o Departamento de Justiça dos Estados Unidos a abrir processos contra Holmes e seu ex-namorado, o ex-presidente e ex-diretor de operações da empresa, Ramseh “Sunny” Balwani. Os dois foram acusados de enganar investidores, médicos e pacientes.
Em setembro de 2018, a Theranos decretou falência.
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Abusiva ou abusada?
Em março daquele ano, Holmes fez um acordo com a Justiça americana — ela foi acusada de levantar US$ 700 milhões (R$ 3,6 bilhões, em valores atuais) junto a investidores de forma fraudulenta.
Três meses depois, no entanto, acabou presa junto com Balwani, sob acusações criminais de fraude eletrônica e conspiração.
Os promotores dizem que Holmes enganou intencionalmente os pacientes sobre os testes e mentiu exageradamente sobre os ganhos da empresa para investidores.
Holmes foi libertada sob fiança e em 2019 se casou com William “Billy” Evans, de 27 anos, herdeiro da rede de hotéis Evans Hotel Group. Eles tiveram um filho em julho deste ano.
Analistas afirmam que o caso Theranos é considerado o pior exemplo dos excessos do Vale do Silício, que, segundo críticos, incentiva pessoas a prosperar mesmo em detrimento de padrões éticos.